Indicação de Dino reforça caráter "pessoal" de escolhas de Lula ao STF

Além de Dino, Lula informou que o procurador-geral eleitoral interino, Paulo Gustavo Gonet Branco, de 62 anos, será o novo líder da Procuradoria-Geral da República (PGR)

11:24 | Nov. 28, 2023

Por: Luíza Vieira
Ministro da Justiça, Flávio Dino, e presidente Lula (foto: RICARDO STUCKERT/Presidência da República)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou na última segunda-feira, 27, a indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF). Esta é a segunda indicação de caráter “pessoal” que o petista faz ao Supremo no seu terceiro mandato. 

Além de Dino, Lula indicou o subprocurador-geral Paulo Gustavo Gonet Branco para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele ocupará o cargo deixado por Augusto Aras, em setembro deste ano.

A confirmação de ambos depende da aprovação do Senado, que costuma ocorrer com tranquilidade. Apenas cinco indicados foram rejeitados ao STF, todos em 1894, durante a gestão do presidente Floriano Peixoto.

Flávio Dino já foi juiz federal, deputado estadual e federal, governador do Maranhão e é senador eleito pelo mesmo Estado. Neste ano, foi escolhido do Lula para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. 

Na pasta, ganhou protagonismo no governo após o 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Após isso, a relação entre o líder da pasta e o presidente Lula se fortaleceu. No entanto, houve desgastes com crises na área da segurança pública, o que não foi suficiente para estremecer a confiança do petista.

Nomes indicados por Lula ao Supremo Tribunal Federal

Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente que mais indicou nomes à Suprema Corte. Durante os seus três mandatos, o petista foi responsável por escolher dez nomes para compor o STF, foram eles:

  • Cezar Peluso, em maio de 2003
  • Joaquim Barbosa, em maio de 2003
  • Ayres Britto, em junho de 2003
  • Eros Roberto Grau, em junho de 2004
  • Ricardo Lewandowski, em março de 2006
  • Cármen Lúcia, em maio de 2006
  • Menezes Direito, em agosto de 2007
  • Dias Toffoli, em setembro de 2009
  • Cristiano Zanin, em julho de 2023
  • Flávio Dino, em novembro de 2023

Diferentemente de Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro fez apenas duas indicações ao STF: André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Todavia, ambos os nomes foram escolhas de caráter pessoal do ex-mandatário.

Quais embates Dino deve enfrentar no STF?

PEC que limita poder de decisões monocráticas de ministros

Após dois meses de espera, o presidente Lula indicou o nome de Dino para ocupar o cargo de Rosa Weber, que deixou a Corte em 30 de setembro. Caso tenha o nome aprovado pelo Senado, Dino deve assumir a tutela de 46 processos que pertenciam a Weber.

A possível chegada dele ao STF se dará em momento de tensões entre o Judiciário e o Legislativo. A aprovação recente da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões monocráticas dos ministros da Casa, é um dos pontos de colisão entre a Corte e o Senado. 

A proposta que altera o funcionamento de tribunais e limita os poderes dos magistrados em decisões monocráticas foi aprovada na noite da última quarta-feira, 22. A medida causou incômodo entre os ministros. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes criticaram publicamente a medida que, após aprovação no Senado, será votada na Câmara.

Conforme Barroso, a Corte “não vê razão” para que haja alterações no funcionamento. O presidente do STF afirmou que existem temas “importantes e urgentes” a serem debatidos no lugar da PEC.

“Nesse espírito de diálogo institucional, o Supremo Tribunal Federal não vê razões para mudanças constitucionais que visem alterar as regras de seu funcionamento. Num país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à mudança climática que impactam a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal Federal”, defendeu Barroso, no início da sessão da última quinta-feira, 23.

Gilmar Mendes afirmou que recebeu “recados” de que a PEC aprovada seria um “mal menor”, para evitar a discussão de propostas mais graves ou até mesmo um processo de impeachment. No entendimento dele, isso é uma “ameaça” que não será aceita pela Corte, uma vez que a Casa “não é composta por covardes”.

“É preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça de maneira muito clara. Esta Casa não é composta por covardes. Esta Casa não é composta por medrosos. Cumpre dizê-lo com a serenidade, mas com firmeza, e com o desassombro que este tipo de investida exige de todos nós, membros desta Casa multicentenária. Este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações”, alegou.

Mandato para ministros

Dino defendeu, em outubro deste ano, a adoção de um mandato de 11 anos para magistrados da Corte. Em 2009, quando ainda ocupava o cargo de deputado federal pelo PCdoB do Maranhão, ele apresentou uma PEC a fim de instituir a medida.

“Defendi [em 2009] e defendo até hoje. Esse é um modelo bom, modelo que a Europa pratica. Os Estados Unidos não, os Estados Unidos têm a cláusula do ‘enquanto bem servir’, que não tem nem a aposentadoria compulsória. São modelos bem diferentes, mas eu acho que o mandato é uma mudança importante”, disse em entrevista à Globo News.

Contudo, ele afirmou que a alteração não poderia ser retroativa, ou seja, não deveria afetar os ministros que já estão atuando na Corte. O mandato de 11 anos se deve, conforme Dino, a uma “média aritmética dos principais países da Europa”.

Nos dias atuais, a legislação determina que integrantes do Judiciário, como ministros do STF, por exemplo, se aposentem aos 75 anos. Tramitam no Senado propostas para reverter este ponto.

A título de exemplo, existem as Propostas de Emenda à Constituição (PEC):

PEC 16/2019 (Leia na íntegra)

O texto da PEC 16/2019 fixa os mandatos de magistrados do Supremo em oito anos. A proposta é do senador Plínio Valério (PSDB-AM). A justificativa do senador consiste em “evitar prazos muitos distintos de permanência” e “ a possibilidade de ocorrer, em curtos intervalos de tempo, mudanças significativas na sua composição, o que pode gerar subida modificação de entendimentos jurisprudenciais já consolidados e consequente insegurança jurídica”.

PEC 51/2023 (Leia na íntegra

A PEC 51/2023 defende mandatos de 15 anos e a exigência de idade mínima de 50 anos para ministros do Supremo. Este texto foi proposto pelo senador Flávio Arns (PSB-PR). No entendimento dele, a “lentidão” na renovação da Corte “dificulta bastante que os posicionamentos sobre as grandes teses jurídicas feitos pela cúpula do Judiciário acompanhem adequadamente as mudanças nos princípios e valores que regem a vida em sociedade”.

Pautas defendidas por Dino

Caso tenha a indicação aprovada pelo Senado, Dino enfrentará outros embates além da tensão entre as duas Casas Legislativas. O Parlamento discute propostas que são classificadas como um ponto de colisão com o Supremo, como o mandato para ministros.

Além desta pauta, estão em debate a rejeição do marco temporal para demarcação de territórios indígenas e o andamento de julgamentos que podem descriminalizar o aborto e o porte de pequenas quantidades de maconha para consumo próprio.

Analistas avaliam que a atuação de Dino como parlamentar pode contribuir para um diálogo pacífico entre o Congresso e o Parlamento. O ministro já se colocou contra a ampliação da legalização do aborto, ainda que tenha apoiado algumas declarações de Lula, nas quais o presidente afirma que a temática seria uma questão de saúde pública.

“Eu sou filosoficamente, doutrinariamente, contra o aborto, e acho que a legislação brasileira não deve ser mexida nesse aspecto. Por que eu registro minha posição? Porque essa é a prova de que é um tema que não tem consenso nem no nosso campo político. Acho que temas que neste momento desunem devem ser evitados, porque o bolsonarismo precisa da polêmica”, disse Dino em abril do ano passado, em entrevista ao Valor Econômico.

“A posição do presidente Lula em relação a isso (ao aborto) levanta uma preocupação necessária, qual seja, a da desigualdade entre mulheres ricas e mulheres pobres. E como você vai tratar desse assunto, que não é pela via do Direito Penal, e sim pela via das políticas públicas. Ele levantar essa preocupação não há nenhum problema. Agora, isso não vai constar de programa de governo porque nem na esquerda existe consenso sobre isso”, seguiu o ministro.

No tange à legalização da maconha, Dino se coloca contra o consumo, mas já sinalizou aversão ao modelo de criminalização.

“Individualmente, eu tenho uma atitude contra as drogas, de rejeição ao consumo. Como política pública, nós temos que enxergar sempre a questão da eficiência. O que nós estamos vendo é que esse modelo atual faz com que marcadamente jovens de baixa instrução negros de periferia, essencialmente estes, sejam atraídos pelo tráfico de drogas e depois levados ou a morte violenta ou ao cárcere”, disse, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2019.

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