CPIs da Câmara terminam em fiasco: duas sem relatório e uma sem apontar responsáveis

As três comissões finalizadas foram: a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), CPI das Americanas e a CPI das Apostas Esportivas

20:07 | Set. 28, 2023

Por: Luíza Vieira
Câmara dos Deputados (foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados)

Três das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que eram discutidas na Câmara dos Deputados foram finalizadas: duas delas foram encerradas sem a votação do relatório final e uma sem apontar responsáveis. As três comissões finalizadas foram: a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), CPI das Americanas e a CPI das Apostas Esportivas.

CPI do MST

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que trata dos conflitos agrários do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi encerrada nesta quarta-feira, 27. O presidente da comissão, deputado Luciano Lorenzini Zucco (Republicanos) acusou o governo federal de “jogar baixo” para que as atividades fossem encerradas sem a votação do relatório final.

O texto do relator, deputado Ricardo Salles (PL-SP), foi apresentado no dia 21, no entanto, o pedido de vista e o cancelamento da última reunião inviabilizaram a análise dentro do prazo limite, que era até o dia 26.

O relatório será encaminhado informalmente às procuradorias-gerais da República (PGR) e Eleitoral (PGE), bem como ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Após encerrar os trabalhos, a pauta foi tema de discussão entre governistas e oposicionistas da CPI.

O grupo de parlamentares da oposição pretende se manter articulado por meio da futura Frente Parlamentar da Invasão Zero.

O deputado Zucco afirmou que a CPI incomodou demais e foi pressionada a encerrar as atividades quando convocou o ministro da Casa Civil, Rui Costa”, ex-governador da Bahia, estado no qual os índices de conflitos agrários são altos.

“A convocação foi desfeita por um ato da Mesa Diretora, que apontou inconsistência no requerimento. Ato contínuo, sete membros titulares da CPI foram substituídos por perfis governistas. Tudo isso em meio a negociações por cargos. Esse governo federal joga baixo e cobrou a conta dos partidos governistas”, ponderou.

Aparelhamento estatal

Zucco ainda denunciou suposto “aparelhamento” do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além de “premiação” de lideranças sem-terra em cargos do governo.

Segundo ele, o direito de propriedade privada corre perigo no Brasil diante do “avanço do MST sobre áreas produtivas”, do “risco de nova escalada de violência e terror” e de recentes decisões do Judiciário, como o fim do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Disputa de líderes

Para o relator, Ricardo Salles, a CPI provou que MST, Frente Nacional de Luta (FNL) e outras organizações agem criminosamente de forma semelhante. “O único critério que os diferencia é a disputa política entre seus líderes", disse Salles.

"De resto, o modus operandi entre elas é o mesmo: fustiga o agronegócio, sacrificando inclusive aquele que é o princípio mais importante para o desenvolvimento de qualquer País, que é o respeito ao direito de propriedade."

Salles disse que agora "está na mão da sociedade brasileira cobrar das autoridades de fiscalização a reversão dessa situação vexaminosa”.

Indiciamento

O relatório de Ricardo Salles recomendou o indiciamento de 11 pessoas. Com o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária, o comando da CPI anunciou que vai entregar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o chamado “pacote invasão zero”, um conjunto de sete projetos de lei prevendo, entre outros pontos, a classificação de “terrorismo” para a invasão armada de terras particulares, terrenos, lotes, casa ou imóvel rural.

"Fim melancólico"

Em outro ato no Salão Verde da Câmara, vários deputados governistas comemoraram o que chamaram de “fim melancólico” da CPI do MST. Eles apresentaram um relatório alternativo (voto em separado) com uma “agenda positiva de apoio à agricultura familiar e à reforma agrária”.

Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), a CPI foi criada sem fato determinado e com prévia intenção de criminalizar o MST. Tatto classificou como “atrocidades” algumas das diligências que o comando da CPI realizou no campo.

“Como é que pode: parlamentares desta Casa adentrando, sem mandado judicial, a moradia de uma família que está em um barraco provisório, aguardando um lote; arrombando cadeado de sede de associações, sem mandado judicial; adentrando uma terra indígena sem autorização da Funai ou mesmo da comunidade indígena; trazendo para essa CPI denúncias vazias”, criticou.

Em nota, o MST defende que a CPI, as diligências e o relatório de Salles “foram formas de intimidação e perseguição com as lideranças sem terra que lutam pela democratização do acesso à terra e por um projeto popular no Brasil”.

Integrantes do movimento informaram que uma “carta aberta” será enviada ao presidente da Câmara, que já conta com 65 mil assinaturas, em apoio às reivindicações do movimento.

CPI das Apostas Esportivas

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga manipulação do resultado em partidas de futebol também foi encerrada sem a votação do relatório final, elaborado pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE). Quatro parlamentares pediram vista do relatório, impossibilitando, dessa forma, a votação.

A investigação foi iniciada em maio deste ano e deveria ter sido concluída no dia 15 de setembro, no entanto, não conseguiu consenso até o prazo final.

O pedido de vista que estabeleceria o prazo de mais duas sessões do Plenário para análise, foi solicitado pelos deputados Wellington Roberto (PL-PB), José Rocha (União-BA), Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG) e Márcio Marinho (Republicanos-BA), que sinalizaram insatisfação com o andamento das investigações e as conclusões do relator.

Marcelo Álvaro Antônio, por sua vez, teceu críticas especialmente pela não convocação das empresas de apostas, mais conhecidas como bets.

“O relatório frustrou a expectativa de quem gostaria de ver um trabalho sério nessa CPI”, ponderou.
O deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que já havia divulgado um relatório preliminar no dia 19, justificou a não responsabilização das bets.

“Foi dito pelo procurador-geral do Ministério Público de Goiás, que competentemente iniciou toda a investigação que culminou na Operação Penalidade Máxima, assim como o promotor do Ministério Público e a instituição Polícia Federal, que não identificaram indícios por parte dessas empresas. Pelo contrário, elas foram lesadas”.

As investigações iniciadas pelo Ministério Público de Goiás já levaram ao indiciamento de 14 pessoas e ao banimento de três jogadores por parte da Fifa. No relatório, Felipe Carreras havia chegado à conclusão de que “o futebol brasileiro, e o esporte de maneira geral, está muito exposto à prática criminosa de manipulação de resultados, em razão do crescimento do mercado de apostas esportivas”.

A última reunião da CPI foi marcada por discussões entre os deputados que queriam seguir com o debate em torno do relatório, mesmo sem possibilidade de votação. No entanto, o presidente da comissão, deputado Julio Arcoverde (PP-PI) encerrou o bate-boca.

“O pedido de vista faz com que a CPI seja encerrada sem relatório. Não tem mais sentido de ter reunião após concedida a vista. Está encerrada a sessão”.

Ao longo de quatro meses, a CPI realizou nove audiências públicas e ouviu jogadores, investigadores e representantes da CBF, do governo e de algumas casas de apostas.

CPI das Americanas

Nesta terça-feira, 26, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura o rombo de mais de R$ 20 bilhões nas Americanas, foi encerrada sem indiciar os possíveis culpados. A CPI foi instalada em maio deste ano, após a varejista declarar inconsistências fiscais de R$ 20 bilhões e uma dívida de R$ 43 bilhões.

Parte do colegiado sinalizou que houve uma “blindagem” ao trio de coordenadores da empresa (Carlos Alberto da Veiga Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Hermann Telles”. O relatório final foi aprovado por 18 votos favoráveis e 8 contrários.

Ainda que exista uma eventual participação do trio da empresa no rombo, o relator da CPI, Carlos Chiodini (MDB-SC), defende que não houve provas suficientes para indiciar os responsáveis pelas irregularidades fiscais.

“Não tem comprovação e não deu tempo para sermos inquisidores, fazer papel de polícia, juiz e promotor”, disse. “Não tenho a coragem de acusar pessoas antes das investigações, a cada dia saem novos fatos”, reiterou o parlamentar.

O deputado Mendonça Filho (União-PE) entende que o posicionamento do relator teve como objetivo preservar a empresa, manter os empregos e deixar que a Justiça finalize as investigações. Segundo ele, “não há nada que implique diretamente os acionistas de referência”.

No mesmo viés, o deputado Alberto Mourão (MDB-SP) acredita que o colegiado ficou “sem instrumentos para aprofundar as investigações”, inviabilizando o indiciamento de suspeitos pela fraude.

“A gente poderia avançar em um relatório onde colocassem indicações ao Ministério Público para que pudessem aprofundar as investigações”, disse. Mourão observou que executivos estratégicos do conselho administrativo e fiscal não foram ouvidos pelo colegiado.

Blindagem

Por outro lado, a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) lamentou o desfecho dos trabalhos da CPI que, segundo ela, foi uma “tentativa de blindar” grandes acionistas e bancos implicados na fraude. “É muita subserviência aos interesses do capital que lesa em bilhões de reais a empresa, quem paga são os trabalhadores, os pequenos acionistas e o povo brasileiro”, criticou.

“O mercado de capitais sofreu a maior corrupção de sua história promovida por aqueles que não só deveriam estar indiciados no relatório, deveriam estar presos”, concluiu a parlamentar.

Melchionna havia apresentado voto em separado ao texto inicial de Chiodini, divulgado na última reunião, para responsabilizar os três principais acionistas da Americanas, os quais não foram ouvidos pela comissão.

Mesmo após ter acesso à carta de Miguel Gutierrez, ex-CEO da empresa, que apontava envolvimento do trio de acionistas na fraude, Chiodini optou por não ouvi-los antes de encerrar as investigações da CPI.
O deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) chamou o texto de “relatório da blindagem”.

“Estamos acabando hoje lamentavelmente essa CPI com a blindagem que tirou a condição dos membros da comissão de ouvir essa turma que assaltou o Brasil”, disse.

Com Agência Câmara 

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