STF derruba marco temporal, mas políticos e ruralistas querem contra-atacar

Ruralistas dizem ter votos para aprovar lei no Senado para instituir marco temporal. Eles ameaçam obstruir votações para colocar o assunto na pauta

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, 21, de derrubar a tese de marco temporal resguarda mais 300 territórios ocupados por povos originários em todo o País. Porém, a decisão da última instância do Poder Judiciário não encerra a questão. Na arena política, busca-se aprovar no Congresso Nacional uma legislação para restabelecer a controversa tese.

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Por 9 votos a 2, o STF decidiu contra a ideia de que povos indígenas só poderiam reivindicar terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O julgamento teve início em 2021, a partir de um caso específico que diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. A tese foi usada pela primeira vez em 2009, no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.

O presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), reagiu com indignação ao resultado do julgamento do Supremo. Ele considera que há votos no Senado para aprovar o marco temporal.

"Insegurança jurídica total, sem previsão de indenização, sem garantia para os produtores", protestou Lupion contra a decisão do Supremo.

 A FPA vai intensificar a articulação pela aprovação do projeto de lei 2903/20223 no Senado, que estabelece em lei o marco temporal para demarcação de terras indígenas. "Não estamos inovando em nada. Queremos garantir o direito de propriedade porque vemos um completo desmonte da segurança jurídica no campo. Entendemos que temos votos suficientes para aprovação do marco temporal no Senado", disse Lupion. Ele lembrou que a FPA é maior bancada do Congresso Nacional, com 374 parlamentares.

O agronegócio defende a constitucionalidade do marco temporal, com base nas 19 condicionantes do julgamento da Raposa da Serra do Sol, e a indenização aos proprietários de terras demarcadas.

O projeto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e deve ser votado na próxima quarta-feira, 27. O projeto de lei já foi aprovado na Câmara dos Deputados. Ele estabelece a data da promulgação da Constituição como referência para a demarcação de terras indígenas. É nesse projeto que a Frente Parlamentar Agropecuária pretende investir, segundo Lupion.

"Não cabe a nós, deputados e senadores da FPA, resolver esse assunto dentro do Judiciário", disse. "A FPA vai aprovar o marco temporal no Senado na próxima semana", afirmou, nem que para isso tenha que obstruir outras pautas, inclusive em temas econômicos.

"O nosso compromisso é entregar ao Brasil uma legislação que reafirme o marco temporal", reforçou o senador Marcos Rogério (PL-RO).

Divergências no governo Lula

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, comemorou a derrubada da tese do marco temporal pelo STF. "Vitória dos povos indígenas! O STF acaba de formar maioria e derruba a tese do Marco Temporal. Um momento importante marcado pela luta pela garantia dos direitos dos povos originários do nosso país", escreveu Teixeira em publicação nas redes sociais.

Já o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defendeu "um meio termo" para o marco temporal. "Entendo que é importante ter o reconhecimento dos direitos dos indígenas, mas não de ser em detrimento dos produtores — aqueles que tem sua propriedade, sua estrutura, seus negócios firmados há muitos anos. Tem que ter um meio termo com equilíbrio para que não possa dar insegurança no campo", disse Fávaro a jornalistas, após a entrega de títulos de terra em Paranaíta (MT), em vídeo publicado nas redes sociais.

Votos no STF

Contra o marco temporal, votaram no STF o relator do caso, Edson Fachin, assim como os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Os nove entendem que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor da tese. Ambos foram os indicados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A ministra Rosa Weber, presidente da Corte, via o caso como prioritário e fez o possível para concluir a votação antes de sua aposentadoria, que deve ocorrer nos próximos dias.

Rosa Weber já demonstrou proximidade com a questão indígena. Ela foi a primeira presidente do STF a visitar uma tribo institucionalmente, ao ir ao Vale do Javari, em março, onde morreram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips. Na ocasião, prometeu pautar o marco temporal. A ministra visitou o povo Yanomami e lançou a primeira Constituição traduzida para a língua indígena Nheengatu.

Indenização

Mesmo com a votação concluída na quinta, o julgamento não está fechado, já que mesmo entre os ministros que se opõem à proposta há divergências, principalmente no que diz respeito à indenização dos atuais proprietários de terras. A tese será fixada na próxima semana.

O assunto da indenização entrou na discussão depois do voto do ministro Alexandre de Moraes, que afirmou que, além da indenização por eventuais benfeitorias — que já estão previstas na lei —, pessoas que ocuparam um território indígena em boa-fé também deveriam ser indenizadas pela terra nua, o que aumentaria consideravelmente o impacto das reservas indígenas ao erário.

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