Organizações civis pedem para Lula indicar a nordestina Danielle Cruz ao STF

Movimentos populares têm demandado a indicação de uma mulher para substituir a ministra Rosa Weber, que se aposenta até o fim deste mês e abre vaga na Suprema Corte

14:32 | Set. 22, 2023

Por: Vítor Magalhães
Paraibana Danielle Cruz é apoiada por organizações da sociedade civil para ser indicada para vaga no STF (foto: Acervo Pessoal / Danielle Cruz)

Nas próximas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá realizar mais uma indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF), em decorrência da aposentadoria compulsória da atual presidente da Suprema Corte, ministra Rosa Weber, que sairá até o começo de outubro. Há intensa articulação política para ocupar a vaga.

As indicações ao Supremo cabem exclusivamente ao presidente da República. Após a indicação, os indicados são submetidos a sabatina, realizada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e precisam ter os nomes aprovados pelo plenário, pelos senadores. Neste ano, Lula já indicou Cristiano Zanin para ocupar cadeira no STF.

Movimentos populares têm demandado a indicação de uma mulher para substituir Rosa Weber. A saída de Weber fará com que a ministra Cármen Lúcia seja a única mulher na Corte, caso Lula não indique outra. Nesse contexto, um dos nomes que surgiu nos últimos dias entre esses movimentos foi o da paraibana Danielle da Rocha Cruz, professora de Direito Penal e Processo Penal na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A jurista se apresenta como ambientalista, feminista, antirracista e uma combatente contra o lawfare.

Ela conta com apoio de organizações como o Movimento Cristãos Contra o Fascismo, a Rede Lawfare Nunca Mais e outras organizações sociais. Esses movimentos, inclusive, têm enviado posicionamentos a Brasília, endereçados ao ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo Lula, defendendo a indicação de Danielle.

O POVO conversou com a jurista para ouvi-la sobre o fluxo em favor de seu nome, as expectativas de uma eventual indicação e questões relacionadas à atuação do STF. Leia a entrevista abaixo.

O POVO: Como começou esse movimento que hoje defende seu nome para o STF? Quem são esses movimentos/entidades que a apoiam?

Danielle Cruz: Meu nome está sendo cogitado a partir da ideia de que a indicação de uma mulher para ocupar a vaga da ministra Rosa Weber é um movimento político necessário. Após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, passei a dedicar parte dos meus esforços como jurista especializada em Direito Penal a analisar e denunciar o lawfare como uma distorção da democracia. Tenho a impressão de que este foi o ponto de partida para que setores da sociedade civil pensassem no meu nome, o que, naturalmente, é um reconhecimento profissional e uma honra.

No plano nacional, recebi o apoio da Rede Lawfare Nunca Mais, dos Cristãos Contra o Fascismo e da Fraternidade Santa Dulce dos Pobres. São entidades ligadas à proteção da democracia e à ideia geral de emancipação humana através dos direitos fundamentais. Cada uma à sua maneira. Uma possível indicação pelo presidente Lula representaria um grande desafio, por um lado, e, por outro lado, teria o valor simbólico da indicação de uma mulher nordestina ligada aos movimentos de defesa da democracia.

OP: Como a indicação é do presidente, o cálculo político também pesa. Esses movimentos têm levado seu nome até Brasília. A senhora ou esses movimentos têm dialogado com parlamentares? Quais?

Danielle: A indicação de um membro do STF ou de qualquer suprema corte em outros países é sempre um ato político. Naturalmente, o diálogo com parlamentares e os atores políticos em geral é importante. É preciso que os nomes das pessoas apoiadas sejam levados por alguém ao presidente da República, através, por exemplo, do ministro Alexandre Padilha. Os movimentos que já mencionei fizeram seus encaminhamentos.

Mas não se trata disso. Me parece que é preciso mudar algumas práticas políticas no Brasil. É necessário criar ritos que aprofundem a democracia, inclusive quanto às vagas no STF. A questão não é jogar na sociedade civil a atribuição de propor indicações para o STF. Como ocorre em outros países, essas indicações deveriam ganhar espaço, primeiro entre os juristas, para depois ocupar a arena política. Por outro lado, não dá para negar que existe uma demanda social por mais participação das mulheres nos espaços políticos.

A indicação para cada vaga no STF tem sua própria história. O preenchimento da vaga da ministra Rosa Weber gira em torno de dois polos. As demandas da sociedade civil apontam para a indicação de uma mulher, enquanto grande parte do sistema político aposta na figura de um homem. Neste caso, tendo em conta o processo de reconstrução da democracia e a busca de igualdade pelo governo Lula, tenho a impressão de que a balança deveria pender para o primeiro polo.

OP: A demanda popular por uma Suprema Corte mais diversa tem aumentado. Com a saída de Rosa Weber, em outubro, Cármen Lúcia será a única mulher na corte, caso Lula não indique outra. Qual a importância de se atentar à diversidade para o funcionamento da corte?

Danielle: A diversidade representa democracia. É uma forma das instituições refletirem a sociedade e fazer com que as pessoas se identifiquem com elas. A mensagem que o STF deve transmitir e de que é um tribunal da sociedade brasileira, devendo ser integrado, na medida do possível, de uma forma que reflita a composição da sociedade. Como uma mulher nordestina, entendo que o tribunal e as demais instituições devem refletir mais as estruturas sociais.

OP: Para além da diversidade é importante que se tenha currículo e qualidades para ocupar vaga de tamanho destaque. Quais as qualidades que, na sua visão, um(a) ministro(a) do STF deve ter para cumprir seu papel?

Danielle: Penso que há três qualidades indispensáveis para uma ministra do STF: coragem para suportar pressões e aplicar a Constituição, disposição para dialogar e responsabilidade para transformar em realidade as pautas ligadas à emancipação humana. Uma ministra do STF nunca pode se esquecer de que seu papel é aplicar uma Constituição que protege a dignidade de todas as pessoas. A Constituição vivida pelas pessoas se faz com um diálogo político altivo.

Além disso, um membro do STF deve possuir forte lastro acadêmico. O notório saber jurídico não deve ser apenas presumido. É necessário que ele exista de fato e seja comprovado pela publicação de livros, artigos, participação em eventos nacionais e internacionais. Não se trata apenas da credibilidade do tribunal, mas também do seu funcionamento como órgão de cúpula do Poder Judiciário. Não aceitei a indicação do meu nome pela sociedade civil porque sou uma mulher nordestina. Sou uma mulher nordestina comprometida com a emancipação da pessoa humana através da Constituição.