Morre o ex-presidente da Assembleia Antônio Câmara, o homem que deu trabalho a Tasso

Ao longo de cinco mandatos consecutivos, Câmara liderou governo e oposição e foi uma das vozes mais relevantes da Assembleia

Morreu nesta quinta-feira, 24, o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Antônio Câmara, aos 85 anos. Ele presidiu a Assembleia Constituinte de 1989, que elaborou a atual constituição do Estado. Foi também o presidente do Poder Legislativo quando Tasso Jereissati (PSDB) assumiu o governo pela primeira vez. A relação entre ambos foi marcada pelos atritos e turbulências, que passaram pelo então líder do governo, Ciro Gomes.

Líder político em Tauá, Câmara teve cinco mandatos consecutivos, de 1975 a 1995. Além de presidir a Assembleia, foi líder do governo e da oposição.

É + que streaming. É arte, cultura e história.

+ filmes, séries e documentários

+ reportagens interativas

+ colunistas exclusivos

Foi secretário de Governo na gestão Gonzaga Mota, governador que rompeu com os coronéis, apoiou Tancredo Neves a presidente da República e lançou Tasso a governador. No mandato seguinte, Câmara se elegeu presidente da Assembleia, mas aí veio o rompimento de Tasso com Gonzaga Mota, no qual Antônio Câmara estava na linha de frente.

O embate com Tasso

Em entrevista histórica às Páginas Azuis do O POVO, em 2014, Câmara afirmou que o motivo do embate com Tasso foi as medidas do então governador em relação aos servidores públicos.

"Eu me indispus com o governador Tasso Jereissati exatamente na defesa destes servidores, evitei a demissão de pelo menos 40 mil, 50 mil servidores, quando foi encaminhada uma mensagem à Assembleia que criava 60 mil cargos, concedia abono ao invés de salário e, o mais grave, pedia para realizar concurso".

Os deputados barraram a medida. " Ora, servidores admitidos, na época do governador Plácido Castelo, depois Adauto etc, esse pessoal todo deveria ser submetido a um concurso. Seria um concurso-guilhotina, porque estavam todos afastados dos livros, das atividades culturais, muitos eram servidores modestos etc, e foi então que a Assembleia suprimiu o artigo que criava as vagas, sem as quais não podia haver concurso. Além disso, transformamos o abono em aumento, porque assim incidiriam todas as vantagens dos servidores e o governador, então, ficou extremamente chateado com tudo. Extremamente irritado".

Câmara contou que, até então, o governo aprovava tudo que queria na Assembleia. "Só não aprovou essa questão dos servidores, porque boa parte dos deputados tinha, inclusive, participado de nomeações, havia interesse deles no sentido de se manter os servidores".

Dali em diante, porém, Tasso passou a dizer que a Assembleia era controlada por "forças do atraso" e do clientelismo, conforme relembrava o ex-deputado.

Câmara, então, apresentou projeto de lei sobre os concursos públicos, no qual dava prazo para efetivar os servidores que lá estavam sem concurso. A assembleia aprovou, mas Tasso vetou. Em votação secreta, os deputados derrubaram o veto. "O líder do Governo na época era o deputado Ciro Gomes, muito fluente, muito combativo, mas não houve alternativa, o veto foi derrubado e a lei entrou em vigor. Isso irritou muito o governador, mais ainda", contou Câmara.

Dali em diante, várias medidas do governo, sobretudo relacionadas a servidores, foram rejeitadas. Propostas de suplementação orçamentária eram seguradas e não eram pautadas. Como Câmara estava na linha sucessória, a situação era complicada.

Um dia, em Tauá, houve o episódio que Câmara definiu como clímax da briga. Vicente Fialho era ministro extraordinário para Assuntos de Irrigação e era natural de Tauá. Ele viria para implantação de perímetro irrigado e pediu para Câmara organizar o evento. Tasso estava presente e, antes da cerimônia, deu entrevista na qual bateu duro na Assembleia e acusou a Casa de irresponsabilidade e boicote. Câmara estava ao lado e escutou. Sugeriu, então, suspender as hostilidades entre eles.

Conforme o relato do então deputado, o governador respondeu: "Não vou parar não. Vou dizer hoje, aqui, para aquela mulher, para aquela senhora com a criança nos braços, que não posso fazer a escola dela porque a Assembleia não deixa. Vou dizer para o povo que não posso melhorar o atendimento médico do hospital daqui porque vocês não deixam, boicotam nossos projetos".

Câmara disse que, tudo bem, a parte dele estava feita. Tasso podia dizer o que quisesse, mas que também iria ouvir. Na sequência, ele iria rebater. "O senhor quando acabar de falar, eu vou falar. Dizer que é demagogia de sua parte, que o senhor não vai consertar o Ceará com uma parcela do 13º salário do funcionalismo, demitindo alguns servidores, que tudo aquilo era demagogia para enganar o povo, que não tinha havido mudança nenhuma até aquele momento".

Tasso reagiu e disse que o deputado não poderia falar depois do governador, pois ele era a maior autoridade presente. "Eu respondi que não entendia de protocolo, de cerimonial, mas estava dizendo que falaria depois dele porque o palanque era meu, o locutor era da minha rádio, o serviço de som era da minha rádio, até o povo que estava ali eu que tinha levado, convidado".

Quando Tasso foi chamado a discursar, não falou o que, segundo Câmara, havia anunciado. "Parabenizou o ministro, parabenizou os colonos, vocês estão no caminho certo tal e tal, e desceu. O ministro, já todos lá embaixo, disse que os colonos tinham preparado um almoço, uma galinha caipira não sei o quê, mas ele disse que não queria almoçar. Pediu ao Fialho para ser liberado porque não queria ficar ali mais nem um minuto. Pegou o helicóptero e foi pra Guaramiranga, ele, o Ciro, o Sérgio (Machado) e o chefe da Casa Militar".

Isso foi em um sábado, na segunda-feira, foi demitido um aliado de Câmara da presidência do Ipec. Era Domingos Gomes de Aguiar, pai de Domingos Filho, que viria a ser presidente da Assembleia Legislativa e vice-governador.

 

Trajetória

Antônio Câmara nasceu em 4 de abril de 1938. É filho de magistrado e pertence a família de tradição política na região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), funcionário público concursado, trabalhou no Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), atual INSS, e na Advocacia Geral da União. Teve um filho e quatro enteadas em dois casamentos.

A última eleição que disputou foi em 1994, como candidato a vice-governador na chapa de Juraci Magalhães, contra Tasso Jereissati.

Legado

Ao encerrar o último mandato, passou a cadeira no grupo na Assembleia Legislativa a Domingos Filho, que viria a ser também presidente da Assembleia e vice-governador do Ceará.

Em homenagem a Câmara, a sessão desta quinta-feira foi encerrada a pedido da deputada Gabriela Aguiar (PSD), filha de Domingos e atual representante do grupo.

A Assembleia Legislativa decretou luto oficial de três dias.

Em 2014, Antônio Câmara foi entrevistado nas Páginas Azuis do O POVO. Assista a trecho:

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Tags

Assembleia Legislativa Ceará história Ceará Tasso Jereissati

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar