Emails não apagados da equipe de Bolsonaro revelam joias não cadastradas e negociação de Rolex

Mensagens expuseram ainda o discurso que não foi lido, em que o ex-presidente reconhecia a derrota para Lula

Mensagens apagadas apenas parcialmente por ajudantes de ordem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ameaçam complicar ainda mais a situação do ex-presidente. As mais de 17 mil mensagens estão em poder da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas 8 de Janeiro. Elas revelam que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tentou vender um relógio da marca Rolex recebido pelo ex-presidente em viagem oficial. O valor seria de R$ 300 mil.

 

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Emails trocados entre militares que estavam vinculados a Bolsonaro na Presidência mostram ainda que o ex-presidente e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro ganharam pedras preciosas, também em viagem oficial. Os emails orientam a não ser feito o cadastro das joias — a catalogação dos presentes ao presidente da República é o procedimento previsto na lei.

As mensagens de teor potencialmente comprometedor foram encontrados porque os então ajudantes de ordens de Bolsonaro deixaram rastros. Eles apagaram mais de 17 mil emails das contas de trabalho usadas no governo. No entanto, não deletaram o material das lixeiras eletrônicas, o que fez com que ainda estivessem disponíveis.

Entre o material encontrado está ainda o texto de um discurso no qual Bolsonaro diria que não iria questionar a vitória eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Eu sempre disse que o Brasil está acima de tudo e Deus acima de todos e que daria minha vida pelo Brasil. Por esse motivo, não contestarei o resultado das eleições", diria no discurso que não chegou a ser feito. A proposta foi enviada pelo então ministro Fábio Faria (Comunicações) ao então chanceler Carlos França, com cópia para o ajudante de ordens de Bolsonaro Daniel Lopes de Lucca.

Venda do Rolex

Os emails mostram as negociações do Rolex realizadas em 6 de junho de 2022. Em email em inglês, uma interlocutora pergunta a Cid quanto ele quer no relógio e dá a entender que ele seria cravejado de platina e diamantes, um dos modelos mais caros da marca.

"Quanto você espera receber por ele? O mercado de Rolex usados está em baixa, especialmente para os relógios cravejados de platina e diamante, já que o valor é tão alto. Eu só quero ter certeza que estamos na mesma linha antes de fazermos tanta pesquisa", diz o texto.

O ex-ajudante de ordens pede US$ 60 mil pelo objeto — equivalente a R$ 300 mil na moeda brasileira. Ele revela, sem dar detalhes, que não possuía o certificado do relógio, por ser "um presente recebido durante uma viagem oficial".

Em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, em outubro de 2019, Bolsonaro recebeu um estojo de joias, que incluía um Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes. Na ocasião, o então presidente esteve em um almoço do rei saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud.

Em 6 de junho de 2022, mesma data do email de Cid, foi registrado pelo sistema da Presidência que os itens haviam sido "encaminhados ao gabinete do presidente Jair Bolsonaro". Dois dias depois, conforme os registros, as joias já se encontravam "sob a guarda do presidente da República".

Os objetos foram devolvidos pela defesa de Bolsonaro em abril deste ano. Naquele mês, a PF começou a investigar a tentativa de desvio de outro conjunto de joias — o estojo com colar, anel, relógio e brincos de diamantes, no valor de R$ 5 milhões, segundo perícia da PF, que a Arábia Saudita deu ao ex-presidente.

Bolsonaro tentou trazer o conjunto para o Brasil sem passar pelos procedimentos obrigatórios de incorporação dos bens ao patrimônio da União. O caso aconteceu em 2021, mas veio à tona neste ano, depois do fim do mandato do ex-presidente.

Bolsonaro recebeu pacote com "pedras preciosas"

Outras mensagens indicam ainda que Bolsonaro e Michelle ganharam pedras preciosas, em Teófilo Otoni (MG), em setembro do ano passado, e que o presente não foi cadastrado oficialmente.

Na caso das pedras preciosas, a reportagem teve acesso a dois emails trocados pelos primeiros-tenentes do Exército Adriano Alves Teperino e Osmar Crivelatti e pelo segundo-tenente da Força Cleiton Henrique Holzschuk. Os três foram ajudantes de ordem da Presidência sob Bolsonaro.

Os emails contêm listas numeradas com detalhes das atividades que os militares deveriam cumprir. Mensagem de 27 de outubro, assinada pelo então coordenador administrativo da Ajudância de Ordens da Presidência da República, Cleiton Henrique Holzschuk, relaciona os afazeres aos dois colegas. O item de número 36, intitulado "Presente PR", trata das supostas pedras.

"Em 27/10/2022, foi guardado no cofre grande, 01 (um) envelope contendo pedras preciosas para o PR (presidente da República) e 01 (uma) caixa de pedras preciosas para a PD (primeira-dama), recebidas em Teófilo Otoni em 26/10/2022. A pedido do TC Cid, as pedras não devem ser cadastradas e devem ser entregues em mão para ele", afirma o email.

Bolsonaro esteve em Teófilo Otoni em 26 de outubro do ano passado, durante o segundo turno da campanha presidencial. Na ocasião, o então presidente discursou ao lado do pastor Silas Malafaia e do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

As mensagens dos militares foram obtidas pela CPMI do 8 de Janeiro na caixa de emails deletados de Crivelatti, ex-braço direito de Mauro Cid e atualmente um dos assessores pessoais de Bolsonaro. O militar não havia apagado os itens da pasta.

A existência do email foi relatada pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), durante sessão da comissão, na terça-feira. Segundo ela, as informação surgiram após análise de "mil emails" que haviam chegado ao colegiado. "Essas pedras nunca foram registradas nem como presente ao presidente da República e à primeira-dama nem em lugar nenhum", afirmou.

 

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