“Todo mundo [cuja] terra já foi reconhecida, mas não homologada, está preocupado. Sabemos que, em 1988, alguns [povos] não ocupavam as terras de seus antepassados porque foram expulsos e os governantes, apesar dos vestígios da presença indígena [anterior], não reconhecem isso. Nós, mundurukus, ocupávamos toda a área que vai de Belém a Santarém e que desce em direção ao extremo do Mato Grosso, mas com a invasão dos colonos, fomo sendo expulsos e só agora estamos retomando [reivindicando] nosso território”, explicou Juarez, assegurando que os mundurukus sofrem a pressão de garimpeiros e madeireiros que tentam avançar e se estabelecer em áreas reivindicadas pelos indígenas.
Liderança da aldeia Gorotire, em Cumaru do Norte, também no Pará, Sandro Takwyru Kayapó, viajou a Brasília com outros 26 indígenas. Como as demais fontes ouvidas pela reportagem, Sandro afirma que seu grupo está preparado para permanecer na capital federal até que o STF dê o que esperam seja a palavra final sobre a constitucionalidade da tese do Marco Temporal.
“Sabemos que há uma pressão muito grande no Congresso Nacional, mas temos uma legislação que precisa ser levada em conta. Estou convencido de que os ministros vão dizer não [ao Marco Temporal], pois ele é inconstitucional”, sustenta Sandro, destacando que a história dos povos indígenas “não começa em 1988, nem sequer em 1500”. “Esta questão é apenas para tentar tirar nossos direitos aos territórios, que são ancestrais, originários. Nenhum branco vai determinar o momento a partir do qual nós passamos ou deixamos de existir.”
Proveniente do sul da Bahia, região onde os primeiros europeus vindos com Pedro Álvares Cabral pisaram e onde vários indígenas foram assassinados ao longo do segundo semestre de 2022, o cacique Mãdy Pataxó também associou a tentativa de se estabelecer um marco temporal aos interesses de grupos econômicos.
“Nossa Bahia serviu de porta de entrada para os europeus. E de lá para cá, nossa fauna e flora, nossos recursos hídricos, foram destruídos. Isso significa destruir nossa carne, nosso sangue e nossa espiritualidade, que estão sendo prejudicados pelo agronegócio, pelo turismo [predatório] e pela especulação [fundiária]”, afirmou Mãdy, que chegou a Brasília nesta segunda-feira (5), com cerca de 50 representantes de três povos das regiões de Monte Pascoal, Olivença e Camacan.
“Não temos data prevista para voltar para casa. Nossa expectativa é saber o resultado da votação no STF. Enquanto não houver uma posição respeitosa aos povos indígenas, ou seja, enquanto não derrubarem esta proposta e houver algum avanço em relação à novas demarcações, não vamos sair daqui”, afirmou Mãdy.
Segurança
Na contramão do movimento indígena, entidades representantes do agronegócio alegam ser necessário, em nome da segurança jurídica, estabelecer que somente terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas.
Nessa perspectiva, o argumento é de que proprietários que ocupavam e produziam em terras antes de 1988 não poderiam ser obrigados a sair somente com base em indícios da existência de indígenas no local em tempos longínquos. Isso colocaria em risco de desapropriação boa parte das terras produtivas do país, alegam os representantes de diversos setores agropecuários.
Em nome da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o advogado Rudy Ferraz argumentou que o marco temporal é “importante instrumento de conciliação” para a resolução de conflitos agrários.
“Não podemos viver numa insegurança completa, com a possibilidade de qualquer título, daqui a 10 ou 20 anos, ser anulado porque alguém no passado falou que havia possibilidade de ter terra indígena ali”, acrescentou o defensor, em sustentação oral, no início do julgamento.
Saiba mais sobre o que o STF está julgando na Agência Brasil.