Entenda o que é o Marco Temporal, que será julgado nesta quarta, 7, no STF
A tese jurídica que será avaliada defende que os indígenas só teriam direito às terras que ocupavam até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal
13:35 | Jun. 07, 2023
O julgamento do chamado Marco Temporal de terras indígenas será retomado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, 7. Em 2021, a sessão que julgava o caso foi interrompida a pedido do ministro Alexandre de Moraes, que solicitou um tempo maior para análise do caso.
Marco Temporal: acompanhe ao vivo julgamento no STF
A tese jurídica defende que os indígenas só teriam direito às terras que ocupavam até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Com cadeiras reservadas no plenário do Supremo para 50 indígenas, o julgamento está marcado para começar às 14 horas.
No último dia 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou com urgência o texto do projeto de lei, o PL 490, também denominado Marco Temporal. O texto, de iniciativa do ex-deputado Homero Pereira, é parecido com a ação que corre na Corte.
Além disso, ele também estabelece a necessidade de comprovação da ocupação dessas terras até 1988, em caráter permanente, utilizadas em atividades produtivas e para preservação de recursos ambientais.
Protestos de povos indígenas marcaram as últimas semanas. Na última segunda-feira, 5, indígenas de todo o País começaram a chegar a Brasília para ocupar a Esplanada dos Ministérios.
O Marco Temporal no STF
A tese do Marco Temporal defende que serão consideradas terras indígenas aquelas que eram ocupadas por esses povos até 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição Federal.
A demarcação surgiu em 2009, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) a usou em um parecer no processo sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, localizada em Roraima. Em 2013, em uma análise feita pelo STF, ficou decidido que esse critério era destinado àquele caso em específico.
Entretanto, a discussão ressurgiu quando o Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina moveu uma ação no Supremo contra o povo Xokleng, reivindicando parte da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, criada em 2003.
Vivem na TI os povos Xokleng, Kaingang e Guarani, mas a parte reivindicada pela procuradoria do estado é ocupada apenas pelo primeiro. O governo usa o Marco Temporal como argumento para a reivindicação, já que os Xokleng não estavam presentes no local na data de promulgação da Constituição. Os indígenas, no entanto, afirmam que a terra estava desocupada antes pois eles haviam sido expulsos.
O processo foi reconhecido pelo STF como “Recurso Extraordinário de Repercussão Geral”, ou seja, a decisão será considerada também como referência para outros casos semelhantes que seguem em outras instâncias do poder judiciário.
Na votação marcada para essa quarta-feira, os ministros devem decidir se o Marco Temporal será usado para a demarcação dessa e de outras terras indígenas. Atualmente ela está empatada, pois dois ministros já haviam votado antes da interrupção em 2021.
O ministro e relator do caso Edson Fachin votou contra a instauração do Marco Temporal para demarcar as terras indígenas. Já o ministro Nunes Marques se manifestou a favor da medida.
Argumentos favoráveis ao Marco Temporal
Em 2021, o ministro do STF Nunes Marques votou a favor do marco temporal, no caso de Santa Catarina, afirmando que, sem esse prazo, haveria “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no País.
O ministro avaliou ainda que, sem o marco temporal, a “soberania e independência nacional” estariam em risco.
Ele destacou que é preciso considerar o marco temporal em nome da segurança jurídica nacional. “Uma teoria que defenda os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral naturalmente abre espaço para conflitos de toda a ordem, sem que haja horizonte de pacificação”, disse. [Esbulho é a perda de uma terra invadida.]
Segundo Marques, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial.
Marques citou que a Constituição deu prazo de cinco anos para que a União efetuasse a demarcação das terras. Para ele, essa norma demonstra a intenção de estabelecer um marco temporal preciso para definir as áreas indígenas.
O ministro também entende que a ampliação da terra indígena de Santa Catarina requerida pela Funai é indevida, por se sobrepor a uma área de proteção ambiental.
Argumentos contrários ao Marco Temporal
Representantes dos povos indígenas afirmam que o marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas e de florestas.
Afirmam também que trará o caos jurídico ao País e muitos conflitos em áreas já pacificadas, por provocar a revisão de reservas já demarcadas.
O ministro Edson Fachin é o relator do caso e foi o primeiro a votar. Ele foi contrário ao marco temporal.
Para ele, a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho.
O ministro também afirmou que a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.
Fachin salientou que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório.
Marco Temporal no Legislativo
A temática também é debatida no poder Legislativo. Em caráter de urgência, no dia 30 de maio, o PL 490 foi aprovado na Câmara dos deputados por 283 votos a favor e 155 votos contra.
O texto aprovado segue a mesma base do que tramita no judiciário: povos indígenas só terão direito às terras já ocupadas na data de promulgação da Constituição Federal. Eles deverão comprovar essa ocupação, como também atestar o uso da terra para atividades produtivas e de preservação. Não serão considerados, por exemplo, a desocupação do local por situações como expulsões que aconteceram anteriormente.
O PL também prevê que:
- A proibição de ampliar terras indígenas que já foram demarcadas;
- Anulação de demarcações que não atendem às regras determinadas no PL;
- Adequação de processos em andamento com as normas que o projeto de lei estabelecer;
- Instalação de bases ou qualquer outro tipo de intervenção militar sem a necessidade de consulta dos povos indígenas da região ou da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai);
- Fica autorizado ao Poder Público instalar equipamentos e redes de comunicação, por exemplo, sem consulta. A exploração de energia elétrica, expansão de rodovias, também estão isentos;
- As operações das Forças Armadas e da Polícia Federal também não precisarão de consulta;
- Fica autorizado o cultivo de alimentos transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas.
É obrigatória, durante o processo de demarcação de áreas indígenas, a participação dos governos do estado e município em que ela se localiza. Outras comunidades de interesse, como produtores agropecuários, também deverão participar.
O projeto de lei agora tramita no Senado, mas não em caráter de urgência. Ele será analisado e votado apenas depois do resultado da ação no STF.
(com informações da Agência Câmara)