Veja diálogos dos acusados em fraude de vacinação envolvendo Bolsonaro

Nos documentos da PF, foram interceptados mensagens entre alguns dos alvos da operação

14:41 | Mai. 04, 2023

Por: Júlia Duarte
Jair Bolsonaro é ex-presidente da República (foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

A Polícia Federal (PF) cumpriu na manhã de quarta-feira, 3, mandados de busca e apreensão em endereço do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de prisão contra seis pessoas. Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, a operação se baseou em uma investigação que aponta para fraudes nos cartões de vacinação de Bolsonaro, da filha dele, de 12 anos, de assessores e familiares dos funcionários do ex-presidente.

 

Entre os presos, estão assessores próximos do ex-presidente, como o tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, Max Guilherme, policial militar, e o capitão do Exército Sérgio Cordeiro, membro da equipe de segurança do ex-mandatário.

Também recebeu mandado de prisão o secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha. O suplente de deputado estadual pelo PL, Ailton Barros, também foi preso. Nos documentos da PF, foram interceptados mensagens entre alguns dos alvos da operação: os presos, Mauro Cid e Ailton Barros, e os atingidos por mandado de busca e apreensão, Eduardo Crespo e Luiz Marcos dos Reis.

Confira mensagens

Segundo a PF, Mauro Cid solicitou ajuda do então integrante da Ajudância de Ordens da Presidência da República, Luis Marcos dos Reis, para obter um cartão de vacinação preenchido com doses da vacina contra a Covid-19 em nome de sua esposa Gabriela Cid. Marcos dos Reis, com auxílio de seu sobrinho, o
médico Farley Alcântara, obteve um cartão de vacinação da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, preenchido com duas doses da vacina contra a Covid-19, com o nome de Gabriela.

Os dados da vacina (data, lote, fabricante, aplicador), de acordo com as mensagens de WhatsApp identificadas pela PF, foram retirados de um cartão de vacinação de uma enfermeira que teria sido vacinada na cidade de Cabeceiras/GO.

Mauro Cid

"Contigo aí, tá? Joga na minha conta. E vê aí em Goianésia se tem algum cara que não seja cadastrado no CONECTE SUS. Vou ver depois, no exército se tem algum enfermeiro que você que fazer para mim."

Dos Reis

"Eu já voltei já, coronel, mas eu deixei lá com meu sobrinho lá, ver se ele consegue lá. É,
tem só essas duas pessoas tem o meu sobrinho e o VANDIR lá. Aí tento aqui. Eu estou indo amanhã para a missão lá de Guaratinguetá! No retorno, a gente vai cair em cima disso aí, tá bom? Não falei para ele
que ficou questionando porque nenhum coordenador ficou sabendo e tal. Eu falei assim, foi ordem do coronel e chegando aí pessoalmente, eu, eu explico para o senhor o que aconteceu. Falei, pro tenente Alencar, pode deixar que eu administro lá".

Com o documento, Mauro Cid solicitou do segundo-sargento do Exército Eduardo Crespo. Ele iniciou os atos executórios para inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde.

No entanto, como constam nas mensagens, uma pessoa ainda não identificada, denominada “ela”, tentou, mas não teria conseguido inserir no sistema os dados falsos de vacinação da mulher de Mauro Cid.O fato seria porque os lotes da vacina que constavam no documento falsificado não terem sido distribuídos para o Rio de Janeiro, local onde eram realizadas tentativas de inserir os dados no sistema do Ministério.

Eduardo Crespo

Bom dia, chefe, tudo bem? Coronel, tá em andamento, tá? É, eu vou receber a resposta hoje até meio-dia, ai eu passo para o senhor.

Chefe, 90% já confirmado, tá? E só deu um probleminha lá com o negócio da, da, do CPF, mas a pessoa teve que sair. E amanhã eu já resolvo, já dou pronto para o senhor, tá OK?

Infelizmente, ela não está conseguindo porque o sistema daqui não aceita, não está
aceitando, o, o, a vacina que ela tomou. O lote que veio para o Rio de Janeiro é diferente. Não tem esse lote aqui, então você, o sistema não aceita. Eles entendem como fraude, entendeu? Ela está pedindo aqui se a gente consegue a unidade que ela falou que vai fazer um contato lá com o pessoal do SUS. Mas precisa saber o nome da unidade.

Pela dificuldade, Mauro Cid acionou o advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Barros, também suplente de deputado estadual pelo PL. Ailton conseguiu a emissão de um cartão de vacinação no município fluminense de Duque de Caxias.

Depois disso, os envolvidos conseguiram inserir os dados nos sistemas da Saúde. Mauro e Ailton conversam sobre um código que a plataforma “GOV.BR” envia ao usuário para acessar o aplicativo do ConecteSUS. 

Ailton Barros

Chegou um código do telefone da tua esposa, pede para ela ver lá e me mandar o número que tá lá.

CID a parada é o seguinte, ela com certeza tomou isso no laboratório e o laboratório não
lançou no sistema. A pergunta é, qual o estado desse laboratório? Se for aqui no Rio, eu caio para dentro do problema, vou lá e cobro deles. Por que não lançou no sistema? O que está acontecendo? Se for em Brasília, ela vai ter que dar um pulo no laboratório de Brasília para dizer.... Então me diz o estado
para a gente tentar desembocar isso aí.

O contato que forneceu os lotes, tem que dar um toque lá para ser inserido no sistema. Quando a menina, quando a gente vai tomar a vacina, deixa a identidade, tal, tal tal. Ela põe os lotes, põe tudo, anota no nosso papelzinho e ela tem uma planilha dela, que essa planilha os dados são inseridos depois no sistema. O que está faltando é inserir esses dados no sistema, ou seja, lote ok, tudo ok, bonitão. Agora, a outra ponta tem que inserir no sistema, então nos 2 locais que tomou tanto a primeira como da segunda dose. Tem que inserir no sistema, tem que inserir no sistema, é isso.

Ailton atualiza sobre a mudança no sistema e solicita uma ajuda, pedindo que Mauro Cid viabilize o encontro de um ex-vereador do Rio de Janeiro com o Consul americano. Nesse diálogo, Ailton menciona o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. 

Ailton pede que fosse intermediado um encontro de Marcello Siciliano com o Consul dos Estados Unidos no Brasil para resolver um problema relacionado ao seu visto de entrada no referido país, devido o
envolvimento de seu nome com o caso do assassinato da vereadora. Em uma das mensagens o suplente, afirma saber quem teria sido o mandante do crime.

Ailton Barros

Eu estou com duas frentes aqui no Rio, acabei de abrir uma terceira aqui agora, porque realmente o negócio é pica e ninguém pode ficar exposto, não é, particularmente, particularmente, quem você sabe, né?

É o seguinte, eu preciso botar um garoto meu de frente com o cônsul americano, o cônsul americano precisa, ele precisa conversar com o cônsul americano. É um amigo meu.

Se não tivesse de bucha, irmão, eu não pediria por ele, tá de bucha. Eu sei dessa história da Marielle, toda irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu? Está de bucha nessa parada aí.

Mauro Cid

Deixa comigo, coronel. Vamos ver, vamos vero que eu consigo aqui.