Juristas defendem acesso da família a provas no caso Marielle
Dois juristas ouvidos pela Agência Brasil consideraram positiva a decisão judicial que garante o acesso de parentes de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao inquérito policial que investiga quem são os mandantes do duplo assassinato, ocorrido em 2018. Nessa terça-feira (18), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu permitir o acesso da família a provas já obtidas e documentadas no inquérito, revertendo uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que impedia esse acesso.
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As famílias entraram com um pedido para ter acesso às provas do inquérito, decretado como sigiloso, sob a alegação de que há uma lentidão na investigação.
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A advogada criminal e professora convidada da Fundação Getulio Vargas (FGV) Maíra Fernandes acredita que os parentes de vítimas têm “todo o direito de acompanhar as investigações”.
“As autoridades de modo geral acham salutar esse acompanhamento [da família das vítimas], que não causa prejuízo às investigações, ao contrário. De modo geral, contribui para a elucidação dos fatos. Lembro de diversos casos que acompanhei o inquérito como advogada da vítima ou de familiares das vítimas de mais diversos crimes e nem foi preciso decisão judicial para tanto. Fiz um pedido de acesso ao inquérito, demonstrando que era advogada da vítima ou da família da vítima e o acesso foi deferido sem questionamentos”, destaca Fernandes.
Segundo ela, a decretação de sigilo das investigações não deveria ser motivo para restringir acesso da família ao que está sendo apurado.
“O acesso deve ser permitido mesmo em casos de decretação de sigilo, que se estenderá aos advogados de familiares da vítima. Assim, da mesma forma que os patronos dos investigados, os policiais, os membros do MP que tiverem acesso aos autos, também os advogados dos familiares das vítimas deverão manter sigilo sobre todas as informações constantes dos autos”, afirma a professora da FGV.
Para o juiz de direito e professor de processo penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Nicolitt não haveria sentido em negar às famílias de Marielle e Anderson o acesso às informações do inquérito, uma vez que a intenção dessas pessoas é colaborar e não prejudicar as investigações. “E tampouco teria o condão de expor o suspeito, porque, o que consta, não existem ainda informações sobre essa autoria em relação aos mentores do crime.”
Nicolitt, que é autor do livro Manual de Processo Penal, destacou que o STJ não considerou apenas a Súmula Vinculante 14 para sua decisão, mas também documentos internacionais importantes, como o Protocolo de Minnesota.
“É importante que as investigações que atentem contra os direitos humanos sejam levadas em transparência e eficiência. O Estado brasileiro tem todo interesse nisso”, afirma Nicolitt. “A decisão do STJ seguramente reforçará esse pensamento no meio jurídico brasileiro. Isso já vem sendo construído e, com essa decisão, num caso dessa relevância, representa um precedente importante para orientar futuros requerimentos nesse sentido.”
Durante o julgamento da questão, o promotor de Justiça Eduardo Morais Martins, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), posicionou-se contra o acesso por considerar que parentes das vítimas só poderiam atuar na fase processual (ou seja, depois do processo chegar à Justiça) e não na fase de inquérito policial.
Segundo o promotor, a participação de vítimas (e de integrantes da família) não é a mesma coisa que acesso aos autos. “A publicidade é regra no acesso no processo. Na investigação, o sigilo é muito importante, muitas vezes.”
Em sua sustentação oral contra o acesso às informações, Martins disse estar preocupado de que a decisão do STJ abra precedentes para outras situações. “Aquilo que for aqui decidido não está sendo decidido apenas para Marielle e Anderson. Está sendo decidido para todas as investigações do Brasil inteiro. Estaremos dizendo que todas as vítimas do Brasil inteiro podem ter acesso a dados sigilosos de investigação”, afirmou. “Isso aumenta consideravelmente o risco, em cada um desses casos, de vazamento de informações, de violações de sigilo de informações que são importantes para quem é investigado. Às vezes as pessoas são investigadas e não cometeram o crime.”
Para Maíra Fernandes, a determinação do STJ não criará uma “repercussão geral”, em que a decisão judicial é automaticamente vinculada a casos semelhantes. “Mas é claro que é uma decisão importante que poderá gerar precedentes para outros casos”, prevê.