Entenda a suposta ligação de políticos cearenses com facções criminosas
Um conteúdo apreendido pela PF cita políticos, advogados cearenses e viagens para o CearáUma polêmica envolvendo uma suposta ligação de políticos cearenses com facções criminosas do Brasil tem tomado espaço no debate nacional, após a divulgação de um documento apreendido pela Polícia Federal em diligência no Paraná. O caso ocorre em meio às investigações da corporação que impediu um plano de membros do PCC de matar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
O conteúdo apreendido pela PF cita políticos, advogados cearenses e viagens para o Ceará. Também há menção a uma "perícia grafotécnica" em processo que tramita na Justiça estadual. O material se tornou público na última passada, depois de levantamento do sigilo do inquérito, por determinação da juíza titular da 9ª Vara Federal de Curitiba, Gabriela Hardt.
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O documento intitulado de “Breve relato sobre o cliente Gilberto” e não assinado mostra uma espécie de prestação de contas entre os bandidos. O texto revela a justificativa para a prestação de contas: “Jamais nos foi solicitado relatório dos destinos das despesas, mas para que fique claro, iremos elencar algumas delas, conforme abaixo”.
Na lista estão planos de viagens para Fortaleza no objetivo de encontro com ex-promotores, deputados e prefeitos, além de gastos com advogados. Cinco viagens à capital cearense estão enumeradas no arquivo, das quais quatro aparecem como “Viagens a Fortaleza para reuniões” com “dr. Igor”, “dr. Junior (prefeito de Chorozinho), dr. Washington, dr. Claudio”, “dr. Paulo Quezado”, “dr. Oliveira (ex-promotor), João e dr. Marcelo.
O POVO conversou com o prefeito de Chorozinho (CE), Júnior Menezes, que negou qualquer envolvimento com pessoas ligadas ao grupo criminoso.
Sobre a citação aele no material colhido por agentes da PF, o gestor, que é advogado, respondeu: “É bem simples, antes de eu ser prefeito, minha profissão é advogado. Advoguei em várias ações, inclusive em ações de repercussão no estado. Fui procurado por um colega há dois anos, talvez, querendo que eu o ajudasse em uma ação de um processo no Estado”.
Segundo o prefeito, esse colega “esteve no escritório” e lhe fez a proposta de participar da defesa, mas ele rejeitou. “Como não posso advogar, a gente declinou dessa possibilidade, tendo em vista de eu estar impedido por conta do cargo. Por isso colocou lá ‘prefeito de Chorozinho’”, declarou.
De acordo com Menezes, a tratativa com o advogado com quem havia se reunido se encerrou nesse diálogo. “O que eu sei foi isso, não vou passar qual é o caso por causa da questão ética. Mas foi só isso. Não tive nenhum contato com nenhum tipo de bandido nem nada, o contato foi com um colega advogado que me procurou”, acrescentou.
O prefeito disse estar “tranquilo” e que “estão se aproveitando disso para tentar de alguma forma crescer politicamente e fazer alguma ligação da política com o crime, mas é zero possibilidade”. Júnior Menezes foi reconduzido à presidência da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece). Ele se desfiliou do PDT no ano passado para apoiar Elmano de Freitas (PT) para governador do Estado.
A reportagem também conversou com o advogado Paulo Quezado, que, assim como o prefeito Júnior Menezes, descartou qualquer tipo de vínculo com o episódio.
“Eu tive uma reunião com um pessoal que responde processo aqui, mas não fui contratado, só foi isso. Não recebi dinheiro nem me submeti a nenhum contrato”, relatou.
Repercussão política
Na última semana, o caso foi comentado pelo ex-deputado federal Capitão Wagner (União Brasil), também secretário da Saúde de Maracanaú. Em suas redes sociais, o adversário político do governador Elmano de Freitas, do PT, publicou nas redes sociais um vídeo no qual menciona o suposto envolvimento de políticos cearenses no plano do PCC de realizar ataques contra autoridades, entre eles Moro.
Em live no Instagram, o secretário apresenta o documento da PF sobre uma espécie de prestação de contas, e cobrou investigações. “Meu povo, não é difícil. Não é difícil a polícia descobrir quem é esse deputado que estava recebendo integrante do PCC aqui em Fortaleza. Nem tampouco o que esse deputado estava tratando com esses integrantes do PCC”, disse.
O presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Evandro Leitão (PDT), quer identificar quem poderia ser o deputado supostamente envolvido com a facção Primeiro Comando da Capital (PCC). O parlamentar disse que a suposta ligação “macula” a imagem do Parlamento e coloca um “ponto de interrogação em cima da cabeça” dos deputados tanto estaduais quanto federais. Segundo ele, ainda não houve resposta sobre a solicitação.
“Nós demos entrada ontem nesse ofício pedindo informações de quem é esse suposto deputado ou ex-deputado no sentido de nos resguardar e proteger a nossa Casa. O Parlamento não pode ser maculado em momento algum e a população não pode ter essa compreensão que aqui tem um ou outro com a atuação desviada”, ressaltou.
O deputado falou sobre o caso nesta quinta-feira, 30, um dia após solicitar à Polícia Federal evidências ou indícios que apontem envolvimento de deputado estadual ou ex-deputado estadual do Ceará com a facção criminosa.
A menção de uma suposta ligação com a facção criminosa movimentou os bastidores da Alece e gerou um incômodo por, na visão das lideranças partidárias, prejudicar a imagem do Parlamento. Ainda na quarta-feira, 29, deputados do União Brasil protocolaram um pedido similar solicitando mais informações.
O deputado Sargento Reginauro (União Brasil) afirmou que a possibilidade gera um “mau-estar” na Casa justamente por levantar suspeitas externas sobre todos os parlamentares. Ele questiona também se a menção não poderia ser um codinome. O questionamento é levantado também por sua companheira na oposição, a líder do PL, Dra. Silvana.
“Isso gera um mau-estar muito grande porque a partir do momento em que coloca que um deputado teria relações diretas com uma das facções mais perigosas do Brasil, mas não diz quem é, você coloca em suspensão todos os deputados estaduais e federais em atuação”, pontua Reginauro.
Líder da maior bancada da Alece, fruto da fusão de seis partidos, De Assis Diniz (PT) aponta que a PF “não vai negar o pedido” e também demonstrou preocupação com a imagem da Assembleia.
Ele defendeu o partido diante de acusações, em plano nacional e estadual, de que o PT teria relações com a facção. Em reunião na Câmara dos Deputados nesta semana, por exemplo, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB) foi indagado sobre uma suposta relação e chamou de “canalhice” o questionamento.
“O PT é vítima desta postura irresponsável desde o primeiro mandato do presidente Lula”, reforçou o deputado. E conclui: “Macula a imagem da Casa. Você não pode trazer isso sem o devido direito de resposta, caso seja apontado alguém. A pessoa tem o direito. Todos aqui têm uma vida”.
Guilherme Landim, líder do PDT na Alece, foi enfático em destacar que, com a confirmação, o Parlamento deve agir “fortemente” e destacou ser “inaceitável” aceitar que o crime organizado pudesse estar infiltrado na Casa.