Bolsonaro reencontra no Brasil os apoiadores e a Justiça

Depois de governar com estilo provocativo e uma série de escândalos, Bolsonaro se autoexilou nos Estados Unidos por três meses, onde ficou praticamente calado. Agora o ex-capitão da extrema-direita retorna ao cenário político do Brasil, onde enfrenta problemas jurídicos em várias frentes

10:54 | Mar. 30, 2023

Por: AFP
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) (foto: Evaristo Sá/AFP)

Três meses depois de viajar para os Estados Unidos após perder por pouco a reeleição, o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PL) voltou nesta quinta-feira, 30, ao Brasil com o objetivo de liderar a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O voo procedente de Orlando (Flórida) pousou às 6h38min no aeroporto de Brasília. O ex-presidente deixou o local em um carro, com grande escolta policial.

Bolsonaro não passou por dentro de terminal, onde era aguardado por quase 200 seguidores, muitos deles com bandeiras do Brasil e aos gritos de "O capitão voltou!".

Bolsonaro chega ao Brasil. Ele era esperado por apoiadores, mas, por segurança, não saiu pelo saguão do aeroporto. Vídeos: João Paulo Biage / correspondente O POVO em Brasília https://t.co/CxKfhYFBj7 pic.twitter.com/cTVDRxr28x

— Jogo Político (@jogopolitico) March 30, 2023

"Esperamos por este momento por muito tempo, desde 1º de janeiro", declarou à Eva Melgaço, funcionária de um salão de beleza, de 46 anos.

Bolsonaro, 68 anos, viajou para os Estados Unidos em 30 de dezembro, dois dias antes da cerimônia de posse do presidente Lula, a quem nunca parabenizou pela vitória nas urnas, que considerou "injusta".

Depois de governar com estilo provocativo e uma série de escândalos, Bolsonaro se autoexilou nos Estados Unidos por três meses, onde ficou praticamente calado. Agora o ex-capitão da extrema-direita retorna ao cenário político do Brasil.

No entanto, ele enfrenta problemas jurídicos em várias frentes no país, onde seus quatro anos de governo (2019-2022) foram marcados por escândalos e crises, desde a desastrosa condução da pandemia de covid-19 até suas denúncias de fraude eleitoral sem provas.

Conhecido por seu estilo provocativo e divisivo que rendeu o apelido de "Trump dos trópicos", Bolsonaro, ex-capitão do exército que se tornou deputado, irrompeu no cenário nacional como candidato à presidência em 2018 com um discurso anticorrupção.

Esta semana, ele anunciou que pretende "andar pelo Brasil e fazer política" e "manter de pé essa bandeira do conservadorismo".

"Não vou liderar nenhuma oposição", afirmou em declarações na quarta-feira à CNN Brasil no aeroporto de Orlando.

Ele anunciou o retorno na semana passada e o Partido Liberal (PL) deu grande publicidade ao fato nas redes sociais, embora oficialmente não tenha organizado um evento de boas-vindas.

Aliados de Bolsonaro, como o deputado Gustavo Gayer (PL-GO), convocaram simpatizantes para mostrar apoio no aeroporto.

As autoridades do Distrito Federal anunciaram o reforço do dispositivo de segurança no aeroporto e pediram aos apoiadores que não organizassem manifestações durante a chegada.

Também informaram que estava prevista a chegada de ônibus de bolsonaristas à capital.

Os acessos à Esplanada dos Ministérios, cenário do ataque aos Três Poderes de 8 de janeiro por apoiadores do ex-presidente, "serão fechados em dois minutos" se necessário, segundo Sandro Avelar, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

Desafio para Lula

Bolsonaro seguiu para a sede do PL, onde foi recebido pela esposa Michelle e o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, para uma reunião privada, segundo a formação.

Em seguida, irá para a nova residência, uma casa no Jardim Botânico, região nobre da capital a 15 minutos do Palácio do Planalto.

O ex-presidente (2019-2022) assumirá na próxima semana a presidência honorária do partido, o maior na Câmara dos Deputados — com 99 dos 513 assentos — e segunda força no Senado.

Após um trimestre praticamente calado e sem fazer oposição, sua volta pode representar um desafio para o governo petista, de acordo com o cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Tivemos cinco meses com uma oposição basicamente desarticulada. Agora, (...) isso pode fazer uma grande diferença. Lula vai ter que governar com uma oposição articulada", afirmou Nicolau.

Bolsonaro receberá um salário mensal de R$ 41.600, segundo a assessoria de imprensa do PL. Trabalhará junto com a ex-primeira-dama, que recentemente assumiu o comando do PL Mulher e é promovida como possível candidata no futuro.

Frentes judiciais

Paralelamente, o ex-presidente enfrentará dificuldades com a Justiça.

Ele é alvo de cinco investigações suscetíveis a penas de prisão no Supremo Tribunal Federal (STF), a mais recente aberta por seu possível papel como instigador do ataque em Brasília de 8 de janeiro.

Além disso, corre o risco de ser declarado inelegível se for condenado em algum dos 16 casos em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que investiga possíveis abusos políticos e econômicos nas eleições presidenciais de 2022.

Se for condenado, pode ser proibido de disputar eleições por oito anos, o que o deixaria de fora do pleito de 2026.

Bolsonaro também terá que prestar contas por um conjunto de joias recebidas como presentes da Arábia Saudita durante seu mandato, que teriam entrado no Brasil de forma irregular.

A Polícia Federal o convocou para prestar depoimento em 5 de abril.

Polêmicas

Este homem de vocabulário simples inflama o fervor dos direitistas com seus ataques ao "comunismo", à "ideologia de gênero" e ao politicamente correto.

Ele tem o apoio dos influentes lobbies de armas, do agronegócio e do vasto eleitorado evangélico.

Seus críticos, por outro lado, o acusam de racismo, sexismo e homofobia.

O apoio do centro político ao seu governo erodiu especialmente por causa da forma como lidou com a pandemia de coronavírus, que deixou 700 mil mortos no país, atrás apenas dos Estados Unidos em números absolutos.

Bolsonaro minimizou a Covid-19, desafiou as abordagens científicas para combatê-la, zombou do uso de máscaras e alertou que as vacinas podem transformar as pessoas em "jacarés".

Internacionalmente, foi criticado pela destruição da Amazônia, que aumentou mais de 70% durante sua gestão em relação à média anual da década anterior.

As controvérsias seguiram até os últimos dias de sua presidência e além.

Depois de perder para Lula nas eleições de outubro, Bolsonaro se recusou a parabenizar o adversário ou a admitir abertamente a derrota. Inconsolável, ele caiu em um silêncio melancólico, inclusive em suas redes sociais, sempre movimentadas.

Viajou para os Estados Unidos dois dias antes do fim do mandato e não compareceu à posse de Lula em 1º de janeiro.

Uma semana depois, milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram e vandalizaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal, em uma tentativa frustrada de derrubar Lula.

Ao retornar ao Brasil nesta quinta-feira, o ex-presidente enfrenta cinco processos no STF que podem condená-lo à prisão. O mais recente investiga se ele instigou os ataques de 8 de janeiro.

Bolsonaro também está sendo investigado pela polícia e pela Receita Federal em um escândalo que estourou neste mês, quando foi descoberto que ele tentou importar e reter milhões de dólares ilegalmente em joias que ele e sua esposa, Michelle, receberam da Arábia Saudita em 2019.

Uma controvérsia atrás da outra

Nascido em 1955 em Campinas, no estado de São Paulo, em família de origem italiana, Jair Messias Bolsonaro seguiu uma carreira militar marcada por episódios de insubordinação.

Saudoso da ditadura militar (1964-1985), iniciou sua carreira política como vereador do Rio de Janeiro em 1988. Dois anos depois, foi eleito para a Câmara dos Deputados, onde permaneceu até vencer a eleição presidencial.

Mas ficou conhecido sobretudo por suas controvérsias explosivas.

Em 2011, ele disse à revista Playboy que preferia ter um filho "morto em um acidente" do que homossexual. Em 2014, causou um escândalo ao declarar que a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) "não merecia" ser estuprada por ser "muito feia".

Casado três vezes, este defensor da família que se define como católico tem quatro filhos - três deles políticos - e uma filha, gerada, segundo ele próprio, num momento de "fraqueza".