Veja por quais crimes Bolsonaro pode responder no caso das joias sauditas

Receita Federal confiscou os itens e a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso

13:15 | Mar. 10, 2023

Por: Mariana Lopes
Ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (foto: EVARISTO SA / AFP)

O caso das joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, presenteadas pelo governo da Arábia Saudita ao Brasil, em 2021, vem causando desgastes ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Após o jornal O Estado de S.Paulo que autoridades tentaram entrar ilegalmente no País com os objetos valiosos, as suspeitas de que Bolsonaro tenha ligação direta com a situação cresceram.

Como a legislação proíbe a inclusão desse tipo de bem ao acervo pessoal de presidentes, a Receita Federal confiscou os itens e a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso. Dessa forma, o ex-presidente Jair Bolsonaro pode chegar a responder criminalmente e por infrações tributárias caso seja confirmada a tentativa de se apoderar do estojo que incluía um colar, um par de brincos, um relógio e um anel. O ex-presidente, entretanto, admitiu que pegou um segundo pacote, com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard. O site da loja vende peças similares que juntam somam, no mínimo, R$ 400 mil.

As peças foram dadas à comitiva brasileira durante uma viagem ao Oriente Médio, em 2021, feita por alguns participantes do Governo Bolsonaro. No mesmo dia em que a reportagem d’O Estado saiu, o ex-ministro Bento Albuquerque, que viajou ao Oriente Médio em outubro daquele ano, admitiu que trouxe jóias para Michelle e um relógio, também de diamante, para Bolsonaro.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro afirmou que foi “a última a saber” sobre o envio de joias, mesmo os objetos sendo citados como um presente para ela. Michelle disse a pessoas próximas que apenas recebeu as informações sobre as joias nos últimos dias.

O advogado Igor Cesar Rodrigues, membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, conselheiro estadual da OAB/CE, fala sobre três possíveis crimes que o ex-presidente pode ter cometido ao receber as joias de forma irregular.

Descaminho

O descaminho se trata do desvio de mercadoria com o objetivo de driblar a ordem tributária para não pagar o devido imposto do objeto.

Segundo o conselheiro da OAB, Igor Rodrigues, o descaminho pode ser considerado um “primo” do contrabando. A diferença está na legalidade da mercadoria: no contrabando a mercadoria é proibida, no descaminho ela é permitida. O que torna a mercadoria permitida ilegal, é justamente o drible no pagamento do imposto que é devido. A pena para o crime pode chegar a 4 anos.

“As joias se enquadram em mercadoria permitida, mas comete o crime de descaminho quem tenta, de alguma forma, ingressá-las no país sem o devido pagamento do tributo”, explica Igor Rodrigues.

“Para ser claro, é necessário perceber que o presente de R$ 16 milhões pode estar ligado à venda de refinaria brasileira por aproximadamente metade do preço do seu valor de mercado”, afirma o conselheiro, se referindo à possibilidade de haver uma ligação entre os itens e a venda de uma refinaria brasileira para o mundo árabe no mesmo ano do recebimento das joias.

Caso essa suspeita sobre a venda da refinaria seja confirmada, outros crimes podem ser caracterizados. “Poderia se dizer que a joia que ficou apreendida se enquadraria em uma tentativa do crime de descaminho, que também recebe punição. Já quando se consegue atravessar a barreira alfandegária, ocorre a consumação do crime, que é o que parece ter ocorrido com um outro presente recebido pelo ex-presidente”, diz Igor.

Havia um segundo pacote de joias e o ex-presidente Jair Bolsonaro confirmou que este foi incorporado ao acervo privado dele. “Não teve nenhuma ilegalidade. Segui a lei, como sempre fiz”, declarou à CNN. 

Peculato

O crime de peculato ocorre quando um funcionário público age contra a administração em geral. Quando esse funcionário se apropria de um bem, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio.

O advogado afirma que “quando o ex-presidente leva para si presentes que recebeu em razão do cargo e que seriam patrimônio público da Presidência da República, ele comete o crime de peculato”. A pena prevista para este crime é de reclusão, de 2 a 12 anos, e multa.

Lavagem de dinheiro

Já a lavagem de dinheiro ocorre com a dissimulação ou ocultação da natureza, origem, movimentação ou propriedade de bens provenientes de infração penal. A pena desse crime chega a 10 anos de reclusão. A tentativa também pode ser punida.

Nesse caso, se o ex-presidente for condenado por lavagem de dinheiro, ele pode ficar inelegível. “Aqueles que são condenados pelo crime de lavagem de dinheiro ficam inelegíveis pelo prazo de oito anos”, explica Igor Rodrigues conforme a Lei Complementar 64/1990 (Lei das Inelegibilidades).

Onde Michelle entra nesse caso?

Pelo fato de ter afirmado não ter conhecimento dos presentes encaminhados a ela, a ex-primeira-dama não pode ser afetada por esses crimes. Até onde se sabe, “ela não transportava as joias, não as recebeu, não solicitou sua liberação, servindo apenas de justificativa enquanto suposta destinatária delas”, afirmou o conselheiro.

Caso seja comprovado alguma participação dela nos trâmites das joias, ela pode ser incluída nas investigações como suspeita.

O advogado ainda comenta sobre o recebimento dos presentes. "As condições de recebimento do presente já indicam, por si, que são para o Presidente da República e não para a pessoa do Bolsonaro. Basta perceber que, enquanto cidadão comum, ele jamais receberia, em sinal de pura amizade, uma joia avaliada em R$ 16 milhões, de outro Chefe de Estado", ponderou.