Joias ilegais x Juscelino: como apoiadores de Bolsonaro e Lula brigam nas redes
20:39 | Mar. 10, 2023
Influenciadores ligados ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) adotam estratégias semelhantes nas redes sociais e trocam acusações para esconder as polêmicas políticas de seu lado do jogo. Os petistas criticam o escândalo da apreensão de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões pela Receita Federal, que o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente ao Brasil, ao mesmo tempo em que ignoram suspeitas que recaem sobre o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil). Já os bolsonaristas exploram a crise do ministro de Lula e atacam a imprensa para desqualificar a denúncia sobre as joias.
Ambos os casos foram revelados pelo Estadão.
Levantamento da agência de dados Bites feito a pedido da reportagem mostra que, diferentemente do usual, os petistas estão vencendo a "queda de braço". No Twitter, o caso das joias rendeu quase quatro vezes mais menções do que os fatos relacionados a Juscelino - foram 491 mil menções desde o dia 3 de março, dia em que a notícia que afeta a família Bolsonaro foi ao ar. As suspeitas de recebimento de diárias e o uso do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para compromissos privados por parte do ministro de Lula geraram 131 mil menções desde 27 de fevereiro.
Os dados mostram ainda que nenhum deputado da base ou membro do governo defendeu o ministro das Comunicações publicamente nas redes sociais. Do União Brasil, que pressionou pela permanência do ministro nos bastidores, apenas o deputado Elmar Nascimento falou algo em seus perfis, reproduzindo a nota oficial do partido divulgada no final de semana, em postagem no Facebook. Ele apagou a publicação posteriormente.
"O governo não defende Juscelino porque ele não faz parte da base ideológica petista. Ele é um ministro da coalizão pela governabilidade", analisa o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Emerson Urizzi Cervi. Aliados de Juscelino que atuaram pela permanência do ministro disseram, nos bastidores, que a demissão poderia trazer prejuízos no processo de aprovação de projetos do governo no Congresso.
O Estadão levantou ainda as publicações de maior repercussão no Facebook e Instagram sobre o caso. O material evidencia o mesmo cenário: os escândalos do ministro de Lula são comentados praticamente apenas pela direita. Procurados por meio da Secretaria de Comunicação Social e do Ministério das Comunicações, tanto o governo federal quanto o ministro Juscelino Filho não responderam.
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A pauta é dominada por aliados bolsonaristas como Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF), além de críticos habituais do governo petista como o deputado lavajatista Deltan Dallagnol (Podemos-PR), grupos como o MBL e blogs de direita. Uma minoria de vozes no campo da esquerda se posiciona criticamente sobre o assunto, mas fora do PT e do núcleo duro do governo.
"O combate à corrupção não tem lado político", escreveu a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), do mesmo partido do vice-presidente, Geraldo Alckmin. Parlamentares do PSOL também pediram explicações do ministro e investigações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a respeito das suspeitas de prestação de contas falsas e ocultação de patrimônio.
Apenas em entrevistas, quando indagados por jornalistas, é que as lideranças comentam o episódio. O presidente Lula disse na semana passada que o ministro teria de se explicar para continuar no governo, mas cedeu à pressão do União Brasil e o manteve no cargo após reunião no Planalto. A deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, foi outra a sugerir que Juscelino Filho deveria pedir afastamento para evitar "constrangimento de parte a parte", enquanto o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, saiu em sua defesa dizendo que o ministro tem "presunção de inocência". Esses posicionamentos, no entanto, não se estenderam no canal direto com o eleitorado.
Após reunião no Planalto em que conseguiu sobrevida no cargo, Juscelino Filho tentou mostrar resiliência ao postar fotos do encontro e marcar a conta oficial de Lula. Ele disse que "esclareceu" na reunião o que chamou de "acusações infundadas" da imprensa. Não houve reação por parte do perfil do presidente e de outros membros do governo.
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Caso das joias ganha terreno
A estratégia de atacar adversários também foi adotada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro diante da revelação da tentativa de entrada ilegal de joias que teriam sido presenteadas pelo regime da Arábia Saudita para a primeira-dama Michelle. Nesse caso, porém, existe uma tentativa de defender os envolvidos, ainda que de forma branda, segundo análise da Bites.
"O bolsonarismo tem sido minimamente leal, embora não tenha sido muito vocal. Eles estão falando muito pouco, menos do que o normal e a defesa não tem sido muito convincente", disse o diretor adjunto da empresa, André Eler.
No Twitter, um vídeo do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) acusa a imprensa de criar uma "cortina de fumaça" para o povo não perceber índices negativos durante o governo Lula. A publicação tem 725,5 mil visualizações e 24,6 mil curtidas. Outros influenciadores do grupo fizeram o mesmo, atacando a mídia profissional e o PT, com postagens que alcançaram centenas de milhares de visualizações.
"A situação de Bolsonaro é diferente porque ele é o grande representante da base eleitoral de extrema-direita. Como o caso das joias é uma denúncia grave com forte comprovação, os aliados recorrem a essa estratégia comum de atacar para se defender", aponta o professor da UFPR Emerson Urizzi Cervi.
A adesão da ala governista ajudou a impulsionar a pauta nas redes sociais, que superou rapidamente a repercussão do caso Juscelino Filho. "Tudo precisa ser apurado e todas as medidas cabíveis devem ser adotadas para responsabilizar esses delinquentes", escreveu o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta (PT). Outros especulam que o caso teria relação com a venda de uma refinaria da Petrobras para um fundo de investimentos dos Emirados Árabes Unidos, ainda que não haja nenhuma evidência nesse sentido até o momento.
Entenda os casos
A primeira notícia sobre suspeitas de gasto irregular de verba pública pelo ministro Juscelino Filho surgiu em 30 de janeiro, quando o Estadão revelou que o político, ainda quando era deputado, destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa em frente à sua fazenda no Maranhão.
Posteriormente, o jornal mostrou que o ministro fez uso de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e recebeu diárias para participar de um leilão de cavalos em São Paulo, além de sonegar informações para a Justiça Eleitoral e prestar contas de viagens de helicóptero em nome de supostos cabos eleitorais que negam conhecer o político.
O ministro se defendeu das acusações dizendo que teve agenda pública em São Paulo - os compromissos duraram apenas duas horas e meia ao todo, em uma viagem de quatro dias - e anunciou que devolveria as diárias. Sobre a estrada, alega que a obra beneficia o município maranhense de Vitorino Freire.
Já o caso da entrada ilegal de joias destinadas à família Bolsonaro foi revelado pelo Estadão em 3 de março. Membros do governo passado tentaram entrar ilegalmente no Brasil com colar, anel, relógio e par de brincos de diamantes avaliados em 3 milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões, em outubro de 2021.
O pacote foi apreendido pela Receita Federal na bagagem de Marcos André Soeiro, assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, no aeroporto de Guarulhos. Após o flagrante, o ministro teria dito que era um presente do regime da Arábia Saudita para a primeira-dama Michelle e não teria aceitado a opção de declarar como um presente do governo saudita ao Brasil.
O governo Bolsonaro então deu início a uma série de tentativas para reaver os diamantes, alegando que seriam destinados a um acervo, sem especificar se público ou privado. Uma delas ocorreu a três dias do fim de seu mandato. Após o caso ser revelado, o político desqualificou a denúncia e disse que a intenção era incluir o presente em acervo oficial da Presidência da República.
Além do pacote apreendido pela Receita, uma segunda carga não declarada, no valor de pelo menos R$ 400 mil, entrou ilegalmente no Brasil e foi entregue ao Planalto. O Ministério da Justiça acionou a Polícia Federal para investigar os fatos, que podem configurar crimes de descaminho, além de peculato e lavagem de dinheiro. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Comissão de Ética da Presidência também apuram o episódio.