"Exílio" de Bolsonaro incomoda PL, que muda estatuto para liderar direita

O partido fundado pelo deputado Álvaro Vale em 1985 tinha em seu programa um viés mais econômico e não era conectado com uma pauta de costumes mais identificada com a direita

22:09 | Jan. 03, 2023

Por: Agência Estado
Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) (foto: FABIO LIMA)

Depois de eleger as maiores bancadas do Congresso Nacional, o PL mudou o estatuto para reforçar laços com bandeiras bolsonaristas. O objetivo é se apresentar como o principal partido de oposição do Brasil e manter o recall de 58 milhões de votos do ex-presidente, que viajou para os Estados Unidos sem data ainda para retornar.

O partido fundado pelo deputado Álvaro Vale em 1985 tinha em seu programa um viés mais econômico e não era conectado com uma pauta de costumes mais identificada com a direita.

No estatuto original já constava o fortalecimento da empresa privada, o reconhecimento à propriedade, reforma tributária, mas também a importância dos direitos das minorias, trecho que não consta entre as novas diretrizes centrais.

As modificações foram aprovadas na última convenção nacional da sigla, que aconteceu em dezembro e reuniu representantes dos 27 diretórios estaduais. O documento, porém, só será divulgado após a homologação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A reportagem apurou que o novo programa terá a liberdade de expressão como uma peça central e incluiu temas como defesa da vida, família, equilíbrio entre os Poderes. No campo da economia, reforçou diretrizes como a mínima intervenção do Estado na economia, o direito à propriedade, desestatização e incluiu as concessões da infraestrutura nacional.

Com o lema "Não existe democracia sem liberdade", o documento faz um contra-ataque à narrativa de "golpismo" feita pelos adversários do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e defende o "fortalecimento do estado democrático de direito", só que com uma leitura própria.

Durante a campanha presidencial, os bolsonaristas acusaram o Supremo Tribunal Federal (STF) de censura devido ao inquérito das fake news e a prisão de militantes de extrema direita acusados de planejar atos antidemocráticos.

Em um de seus discursos, Bolsonaro afirmou que as pessoas podem viver sem oxigênio, mas não sem liberdade. "Para o partido Liberal, os direitos de ir e vir, de ser, pensar, agir e falar são invioláveis", diz o novo programa.

Narrativa

Em conversas reservadas, integrantes da sigla presidida pelo ex-deputado Valdemar da Costa Neto admitem que as posições controversas de Bolsonaro e sua oratória incontrolável causaram os desgastes que ajudaram na derrota nas urnas.

A ideia agora é construir uma narrativa mais palatável para os próximos quatro anos. "Passamos por guerras e pandemia, tudo banhado pela constante luta entre a verdade de cada cidadão e suas narrativas", diz o texto de apresentação.

Em outro trecho, o estatuto diz que o povo brasileiro pôde nos últimos quatro anos "reascender em sua essência" sentimentos que estavam adormecidos. "Resgatamos o orgulho da nossa bandeira, o amor pela pátria, a valorização do seio familiar e o fortalecimento da liberdade individual e econômica na sua vertente mais crua, sem tutelas do estado".

As novas diretrizes do PL também fazem acenos aos evangélicos, que formam uma das principais bases do bolsonarismo. "Resguardamos e defendemos os valores conservadores da sociedade brasileira. Reafirmamos nossa crença na Vida e na Liberdade em todas as suas vertentes, direitos naturais e inalienáveis; na Sociedade, unidade orgânica e comunidade de homens; na Política, atividade essencial para a administração da sociedade e manutenção da ordem e da moral", diz o documento.

Em uma das passagens mais contundentes, o PL prega que a liberdade "é tão importante quanto a própria vida": "Não se negocia a LIBERDADE, nem a VIDA!", afirma o texto.

Em outra referência aos deputados que os bolsonaristas dizem terem sido perseguidos, o novo programa do Partido Liberal defende que a "inviolabilidade" da tribuna parlamentar deve ser assegurada, sem que aí se inclua o direito à impunidade, nos casos de crime comum.

As críticas às urnas eletrônicas, um dos bastiões bolsonaristas, também ganharam espaço no novo programa, mas de forma indireta. "O processo eleitoral deve ser transparente e auditável, a fim de impedir qualquer possibilidade de fraude ou manipulação".

No capítulo "Propriedade e Reforma Agrária" o PL faz um ataque indireto ao MST ao dizer que Estado deverá desenvolver políticas públicas efetivas que garantam a segurança e a liberdade para o pequeno, médio ou grande produtor, resguardando sua propriedade e seus bens e combatendo atos antidemocráticos de invasões.

Na parte sobre "Defesa Nacional", o novo programa faz sinais às Forças Armadas, que foram um dos pilares da administração Bolsonaro. "As Forças Armadas devem ter suas tropas aparelhadas e adestradas com capacidade de pronto emprego. O avanço dos projetos estratégicos das Forças Armadas e da Base Industrial de Defesa contribuem para o desenvolvimento de produtos duais e incrementam a capacidade dissuasória face às ameaças à segurança nacional."

Em relação à política externa, destaca a "significativa importância" do ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento termina com um tom religioso. "Deus abençoe o nosso país."

Frustração

O PL mudou seu estatuto para se adaptar ao bolsonarismo e deu o cargo de presidente de honra a Jair Bolsonaro. Como membro da executiva do partido, o ex-presidente terá direito a salário de R$ 39 mil e escritório em Brasília. Parlamentares e integrantes da direção da sigla, porém, se dizem "frustrados" e "apreensivos" com os últimos gestos de Bolsonaro após deixar o cargo.

Há também no partido uma ala mais moderada, ou fisiológica, dependendo do interlocutor, que resiste a "bolsonarização". Esse grupo diz que o PL é maior que o ex-presidente e que caberá ao presidente da legenda, Valdemar da Costa Neto, administrar a convivência entre os dois grupos.

Papel de Bolsonaro

Pelo planejamento estratégico do dirigente, que controla o maior Fundo Partidário do Brasil, Bolsonaro deve rodar o País nos próximos quatro anos em palestras, encontros e eventos partidários, enquanto Michelle Bolsonaro deve assumir o comando do PL Mulher, que será turbinado.

O silêncio de Bolsonaro após a derrota e sua viagem para Orlando sem data de retorno gerou incertezas sobre a disposição do ex-presidente em assumir essa missão. Valdemar da Costa Neto estabeleceu como meta dobrar o número de prefeitos do PL em 2024 - hoje são apenas 352 em todo País. Para isso, ele conta com Bolsonaro como garoto propaganda.

Com Bolsonaro ausente, o general Braga Netto, que foi candidato a vice em 2022, assumiu protagonismo na máquina partidária e já está desde dezembro despachando na sede da legenda em Brasília. A convenção nacional foi comandada por ele e Valdemar da Costa Neto.

O partido de Bolsonaro conquistou a maior bancada da Câmara dos Deputados neste ano, com crescimento dos 76 deputados atuais para 99 na próxima legislatura. Em segundo lugar está a federação PT-PCdoB-PV, com 80 deputados eleitos (PT com 68, PCdoB com 6 e PV com 6).