Deputada é cortada em fala e rebate: "não suporta ouvir uma mulher"

Sâmia Bomfim, do PSol, discursava em comissão que tenta tornar mais rígidas regras que permitem aborto, quando foi interrompida por deputados conservadores

06:43 | Dez. 02, 2022

Por: Bemfica de Oliva
Deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) (foto: Reprodução/TV Câmara)

Alerta: Esta notícia contém descrições de aborto, misoginia e violência sexual. A leitura não é recomendada a pessoas sensíveis a estes temas.

 

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSol-SP) foi interrompida na noite dessa quarta-feira, 30 de dezembro, durante fala na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). Ao ser ter o discurso cortado por deputados conservadores, que gritavam com ela, a parlamentar rebateu: "se não suporta ouvir uma mulher, o que está fazendo na política?"

Sâmia estava em seu momento de fala, pela ordem de inscrições, durante debate de projeto da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. A proposta em discussão, o chamado Estatuto do Nascituro, tenta tornar mais rígidas as regras para acesso legalizado ao aborto.

Durante a exposição de Sâmia, o deputado Pastor Eurico (PL-PE) diversas vezes começou a gritar, impedindo-a de defender seu posicionamento. Em um dos momentos, ela deixa de comentar sobre o projeto e faz uma fala diretamente ao deputado.

"O senhor coloque-se no seu lugar que está na minha hora de falar", começou ela. "Se não consegue ouvir o contraditório, se não suporta ouvir a voz de uma mulher, o que está fazendo na política?", completou.

Ela continuou: "está achando que a política é um instrumento de exercício de violência? De colocar a força física, a masculinidade sobre o direito às outras deputadas falarem? Lamento, sinto muito. Não. Definitivamente não. Os senhores vão ouvir o que nós temos a dizer. Bate na mesa, xinga, grita, esperneia, não estamos nem aí".

Sâmia pontuou que os deputados estariam exercendo violência contra as colegas de parlamento. "Eu me pergunto o que não fazem fora daqui", disse ela.

Vídeo completo de fala da deputada Sâmia Bomfim

Os fundamentalistas e bolsonaristas usam de todo tipo de violência pra tentar intimidar as mulheres parlamentares na Câmara. Que saibam: não nos calam! Nosso compromisso com a luta feminista é inegociável! pic.twitter.com/2GLnKY9tvK

— Sâmia Bomfim (@samiabomfim) November 30, 2022


Estatuto do Nascituro teve votação adiada

Após a discussão, a sessão foi encerrada. O debate será retomado na próxima quarta-feira, 7. A atual legislação sobre o tema no Brasil é da década de 1940 e permitia aborto em dois casos: se a gestação for fruto de estupro ou se a manutenção da gravidez representar risco de vida à pessoa gestante.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, quando exames indicam que o feto tem anencefalia, isto é, uma parte significativa do cérebro não se desenvolveu, e a criança morreria durante ou logo após o parto, a prática seria enquadrada no segundo caso. Com isto, passaram a ser três as possibilidades de aborto legal no Brasil.

O projeto em discussão na Câmara pretende colocar, em lei, que a vida humana começa na concepção. Isto significaria que, desde a prática do ato sexual, legalmente haveria uma pessoa dentro do útero.

A ideia não tem embasamento científico. Apenas para os espermatozóides chegarem ao óvulo e tentarem a fecundação, são necessários de 24 horas até seis dias, dependendo de quando ocorre a ovulação. Caso aprovado, o texto poderia tornar ilegal o uso de contraceptivos de emergência, as chamadas "pílulas do dia seguinte".

Caso ocorra a fecundação, o embrião não desenvolve sistema nervoso central completo - ou seja, é cientificamente incapaz de ter consciência, sentir dor ou qualquer outra reação - até pelo menos 16 semanas após a fecundação. E, antes de 20 semanas de gestação, a criança não tem órgãos completos, e não sobrevive, mesmo com cuidados médicos intensos, após o parto - até as 24 semanas, a chance de morte é acima de 50%.

Desde 2007, uma série de projetos de lei, de diferentes parlamentares, foi apresentada para restringir o acesso ao aborto legalizado. O Estatuto do Nascituro está em discussão no Congresso desde 2017.

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