Em frente a quartel em Fortaleza, manifestantes ignoram jogo do Brasil e pedem golpe militar
Público aumentou em frente à 10ª Região Militar na hora do jogoEm dia de estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo 2022, bolsonaristas inconformados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial se reuniram em frente ao quartel do Exército, em Fortaleza, nesta quinta-feira, 24, para pedir boicote à competição intercontinental. Eles acreditam que dando audiência aos jogos estariam colaborando com uma suposta “estratégia” da TV Globo de “distrair” a população sobre o “momento decisivo” que o País atravessaria.
“Nós precisamos salvar o Brasil. O jogo vem depois”, dizia em um megafone um dos organizadores do ato durante a partida do Brasil contra a Sérvia. Antes do duelo começar, ele fez um pedido aos manifestantes: “Pessoal, daqui a dez minutos vai começar o jogo do Brasil, vocês vão para casa?”, ao que os presentes responderam: “Não”.
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“Precisamos muito da ajuda de vocês. Esse momento é decisivo”, emendou o homem que segurava o aparelho sonoro. “É guerra”, bradou na sequência um idoso vestido com a camisa da seleção brasileira. No local, não havia nenhum manifestante acompanhando a partida pelo rádio, celular ou televisão. Também não houve qualquer reação aos dois gols marcados pela equipe canarinha durante o jogo.
O número de bolsonaristas no local começou a aumentar após o apito inicial do juiz, às 16 horas. Inicialmente, o público se concentrou no calçadão da Praça da Sé, localizada defronte à entrada lateral do quartel. Com a chegada de mais manifestantes, o protesto ocupou o cruzamento da rua Doutor João Moreira com a avenida Alberto Nepomuceno, por volta das 16h30min, mas o bloqueio durou menos de 10 minutos devido às reclamações dos motoristas que passavam pelo trecho.
Movimentação de manifestantes em frente à 10ª Região Militar, pouco antes do início do jogo da Seleção Brasileira de futebolhttps://t.co/dZ7NuqULc1 pic.twitter.com/GZmYMrdFwa
— Jogo Político (@jogopolitico) November 24, 2022
Durante a partida, a estreia da seleção brasileira no maior torneio de futebol do mundo parecia assunto proibido entre os manifestantes. Eles falavam sobre teorias da conspiração contra a reeleição de Jair Bolsonaro (PL), suposto conluio do Supremo Tribunal Federal (STF) com o PT, e até de uma “nova ordem mundial” idealizada pela esquerda para “dominar” o ocidente. Mas, nada de a Copa ocupar espaço entre as conversas.
Já perto do fim do jogo, O POVO testemunhou um breve diálogo sobre o tema entre duas mulheres. “Pela primeira vez eu tô torcendo contra o Brasil. A [TV] Globo quer é audiência, quer distrair a gente”, falou uma das interlocutoras. “É mais uma das safadezas que eles querem fazer com o Brasil”, disse a outra. Apesar da aparente indiferença aos jogos, ambas estavam vestidas com camisas da seleção brasileira, assim como a maioria dos manifestantes.
Sem estimativa oficial de público, o protesto reuniu cerca de 300 pessoas enquanto a partida acontecia. Depois, os manifestantes foram se dispersando aos poucos. Na Praça da Sé, havia várias barracas e tendas montadas por grupos que fazem vigília desde a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL). Eles dizem que só vão deixar o local quando as Forças Armadas se pronunciarem sobre as eleições deste ano.
“É por isso que estamos aqui há 25 dias. Vamos continuar firmes, quem fica 25 [dias], fica 100 [dias], fica 200 [dias], fica um ano… nós não vamos parar enquanto as Forças Armadas não vierem a público prestar esclarecimentos, nós não vamos sair daqui”, bradou um dos organizadores do ato, para delírio dos manifestantes golpistas.
Eles alegam que a intervenção das forças militares seria necessária para impedir a implantação do comunismo no Brasil. “Nós não vamos deixar esse sistema ser implantado na nossa nação. Um sistema corrupto que não deu certo em nenhuma nação”, discursou o organizador.
Entre uma fala e outra, os manifestantes cantavam o Hino Nacional, faziam orações cristãs e proferiram, incessantemente, a palavra de ordem mais entoada durante a manifestação antidemocrática: “Forças Armadas, salvem o Brasil”. Ironicamente, também diziam: “Todo poder emana do povo”, uma contradição com a própria manifestação, cuja causa é a não aceitação da vontade popular exteriorizada nas urnas no último dia 30 de outubro.
O protesto desta quinta-feira, 24, embora tenha direcionado o foco para o boicote à Copa, utilizou os mesmos expedientes de manifestações anteriores, principalmente a perseguição a veículos de imprensa. Incomodados com a presença de um cinegrafista no local, manifestantes abordaram o profissional em tom de intimidação: “De onde você é, cara?”, perguntou um bolsonarista.
Antes da resposta, uma outra apoiadora do presidente interveio na situação e acalmou os ânimos: “Deixa o cara, ele é da TV conservadora”, alegou. A todo instante, grupos mais radicais vestidos com trajes que lembravam o fardamento do Exército monitoravam possíveis "infiltrados" na manifestação.
Além da imprensa, até mesmo os vendedores ambulantes estavam na mira dos radicais. O POVO testemunhou o momento em que um vendedor de picolés foi interpelado por um apoiador do presidente sobre em quem o trabalhador teria votado nas eleições. “Bolsonaro, velho. Sem chance do PT”, respondeu o vendedor.
“Vamos lutar para derrubar o Lula. Um governo como esse, a favor de bandido, de gay… não pode acontecer, tomara que tenha uma guerra. E tu sabe que não é só [guerra] física, é espiritual também… ele [Lula] tem um pacto com o satanás”, concluiu o trabalhador.
Desconfiado, um outro apoiador do presidente perguntou ao ativista radical: “Te convenceu [sobre o apoio a Bolsonaro]?”. A resposta foi: “Sim, o cara é bolsonarista mesmo, mano”. E completou: “Temos que ter cuidado com os infiltrados, eles sabem disfarçar bem”, acrescentou o interlocutor.
No decorrer do protesto, temas baseados em informações falsas dominavam as conversas entre as “rodinhas” de manifestantes. Eles dialogam, principalmente, a respeito de uma possibilidade de prisão do ministro Alexandre de Moraes e diziam acreditar que as Forças Armadas iriam “determinar” recontagem dos votos do 2º turno para reverter o que chamaram de “fraude eleitoral”.