125 anos após Guerra de Canudos: especialistas veem contexto político parecido no Brasil de hoje

Evento reuniu história, psicologia e política para aproximar o legado deixado por Conselheiro com o conceitos de utopia em uma realidade pós eleição

Há 125 anos, a Guerra de Canudos tinha fim. Ainda que os registros sejam divergentes, a cargo de qual fonte seja consultada, o cearense Antônio Conselheiro segue como parte do imaginário popular e sendo figura histórica por ser um dos fundadores do arraial de Belo Monte. As mesmas dinâmicas, que levaram uma cidade a se organizar internamente em uma comunidade pautada na sustentabilidade, são vistas no Brasil de 2022, especialmente, em um período de pós-eleição.

A utopia conselheirista foi tema do debate do Colóquio Utopias de Brasil, que integrou o último dia de programação da XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará, no domingo, 20, e reuniu pesquisadores a partir do diálogo entre Psicanálise, História e Política.

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A utopia, uma idealização de uma civilização ideal ou fantástica que busca uma transformação social, defendida por Conselheiro segue viva porque questões como a fome e as desigualdades sociais não foram solucionadas. É o que defende o psicanalista Osvaldo Martins, também curador da exposição “Tramas de Belo Monte”, disponível na casa onde o beato nasceu em Quixeramobim, hoje transformada em equipamento tombado como Patrimônio Histórico do Estado.

“É um passado que é presente. Ele não passa, porque as estruturas que o produziram permanecem. Tudo aquilo que gerou Canudos e Belo Monte, a movimentação de Conselheiro, são questões não resolvidas na história do Brasil. A relação com a terra, a concentração fundiária, o racismo, o massacre dos povos indígenas, o conservadorismo econômico das elites que teimam em silenciar o Nordeste”, explica o curador.

O psicanalista analisa que as políticas públicas para esses grupos não são permanentes. Por isso, dependendo do governo as mesmas lacunas voltam a aparecer. “Como isso não foi resolvido, tende a retornar como a gente pode ver. Essas questões são atualizadas a cada vez que socialmente esses atores são convocados”, diz ele. E acrescenta: “Canudos permanece, porque permanecem os brasileiros e brasileiras submetidos a essa mesma lógica”.

Também curador da exposição, o historiador Danilo Patrício critica que fatos acontecidos durante a Guerra de Canudos são deixados, muitas vezes, “parados no passado”, sem uma reflexão de como se conectam com o agora. “Os episódios que motivaram a invasão e o massacre, eles se deram também por uma decisão de um Juiz. Por isso, é complicado falar de utopias, porque sempre estamos pensando nesse lugar do Brasil ou do Estado como violência contra a população”, pontua.

Ele relembra que, em setembro, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) decidiu por interditar parte da exposição sob a tese de propaganda irregular, após uma denúncia feita por meio do aplicativo Pardal. A decisão foi revogada um dia depois.

Em nota, o TRE afirmou que o juiz do caso, Rogaciano Neto, foi “induzido ao erro por recortes que não refletiam o contexto geral da mostra''. A retirada de interdição aconteceu após a manifestação dos curadores que prestaram “informações adicionais que levaram à revisão da sua posição inicial”.

"Em um período no qual a democracia sofre tantos ataques no mundo inteiro, é sempre necessário ressaltar a extrema relevância das liberdades de expressão artística e de pensamento[...] se devem avaliar as situações que se apresentam ao Poder Judiciário, responsável tanto pela garantia da defesa de eleições justas quanto pela proteção das liberdades existenciais, artísticas e de pensamento”, disse o magistrado por meio de comunicado do tribunal.

Segundo Patrício, mudar a narrativa e fazer dela mais “participativa” pode ajudar a ver semelhanças mesmo com 125 anos de diferença. “A utopia passa muito pela forma de narrar, de se escutar de como é esse recorte entre passado e presente e como as pessoas se inquietam com o mundo que é a história. Narrar de uma forma diferente, já que normalmente se tira o caráter participativo e contínuo que ideias e pessoas que fizeram parte de feitos históricos podem ter no presente”, diz ele.

Casa de Antônio Conselheiro

A casa onde nasceu Antônio Conselheiro fica no município de Quixeramobim, no Sertão Central, a 204 quilômetros de Fortaleza. Foi construída no início do século XIX por Vicente Maciel, pai do líder sertanejo, mas teve outros proprietários ao longo dos anos. No ano de 1949, foram feitas reformas na casa por Luís Costa, pai do compositor e arquiteto Fausto Nilo, que também morou no imóvel.

O imóvel foi tombado em 2005 e estava em processo de restauro desde o ano de 2018. Este ano, com a inauguração, o espaço virou um equipamento cultural em homenagem ao grande líder de Canudos e aos sertanejos, além de espaço para eventos, exposições, palestras, sendo também local de pesquisas e estudos.

Em outubro, O POVO publicou um especial com reportagem seriada sobre os 125 anos do fim da Guerra de Canudos. Em três episódios, Conselheiro é abordado de várias formas desde os caminhos do líder de Canudos até um Antônio ressignificado e múltiplo, tanto para a história como para a cidade de nascimento do personagem.

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