Piso salarial da Enfermagem: entenda os possíveis impactos da decisão do STF que suspendeu a lei

Após a suspensão da lei no Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para discutir possíveis saídas

Aprovado em meados de maio na Câmara dos Deputados e sancionado mais à frente, em agosto, pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o piso salarial da Enfermagem vem enfrentando percalços para ser realmente estabelecido.

No início deste mês, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o piso da categoria aprovado nas instâncias anteriores.

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Ele atendeu a um pedido da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) e, em sua decisão, concordou com o argumento da entidade sobre os riscos de demissão em massa nos hospitais. O ministro mencionou ainda a redução da qualidade de serviços no setor da saúde, com fechamento de leitos.

Nesta semana, a discussão da suspensão da lei foi julgada no plenário da Corte, isto é, todos os ministros analisaram a proposta inicialmente relatada por Barroso. O resultado: por 7 votos a 4, os magistrados decidiram por manter a lei suspensa.

Seguiram os votos do relator os ministros: Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Por outro lado, se opuseram André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin e Rosa Weber.

A lei suspensa pela Corte estabelece o piso salarial em todo País da categoria dos enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras, ou seja, o valor mínimo a ser pago para esses profissionais.

A divisão é feita da seguinte forma:

Enfermeiros: R$ 4.750 (valor integral do piso)
Técnicos de enfermagem: 70% do piso, chegando a R$ 3.325
Auxiliares e parteiras: 50% do valor, R$ 2.375

O que dizem as entidades?

A favor do piso salarial:

No entendimento do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), vinculado ao Ministério da Saúde, e de sindicatos da categoria, a proposta é “economicamente viável”.

Conforme estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e mencionado pelas entidades, atualmente:

- 56% dos enfermeiros recebem abaixo do piso de R$ 4.750,00;
- 85% dos técnicos de enfermagem recebem abaixo do piso de R$ 3.325,00;
- 52% dos auxiliares de enfermagem recebem abaixo do piso de R$ 2.375,00.

Sobre o efeito do piso, o estudo aponta que:

O impacto adicional para todos os setores (público, privado e instituições filantrópicas) seria de R$ 958,3 milhões por mês, ou R$ 15,8 bilhões por ano;

O impacto médio adicional por ano giraria em torno de 2,08% da massa salarial do conjunto dos setores analisados, já considerando os encargos sociais. No entanto, o levantamento não diz de onde seriam retirados recursos para esses pagamentos adicionais.

Contra a aprovação do piso:

Em contrapartida, a CNSaúde, a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) e outras entidades do setor argumentam que, com os reflexos do piso, as folhas de pagamento vão crescer, em média, em 60%, o que, segundo elas podem acarretar:

- Extinção de mais de 83 mil postos de trabalho;
- Fechamento de mais de 20 mil leitos;
- Aumento em 12% no valor dos planos de saúde.

A CMB, representante dos hospitais filantrópicos, prevê um adicional elevado a R$ 6,3 bilhões anuais nos custos das instituições.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM), por sua vez, divulgou um estudo em que revela um impacto de R$ 10,5 bilhões ao ano. Com isso, a entidade prevê:

- Demissão de um quarto dos 143,3 mil profissionais de enfermagem ligados à Estratégia de Saúde da Família pelas prefeituras;

- Desassistência de 35 milhões de brasileiros.

E agora, o que vai acontecer?

Depois da decisão da Corte, o relator do processo, ministro Barroso, se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), para discutirem eventuais soluções. Conforme material apresentado pelo STF, três possibilidades de fontes de custeio para o piso da enfermagem foram levantadas:

- Fazer uma correção da tabela do SUS;
- A desoneração da folha de pagamentos do setor;
- A compensação da dívida dos estados com a União.

De onde tirar o custeio?

Especialistas ouvidos pelo G1 apontam possíveis fontes de financiamento para a manutenção do piso salarial. O economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Octávio Ocké-Reis, especializado em Saúde Pública, é favorável à aplicação da lei.

Segundo ele, dentre as opções de custeio citadas por Pacheco e Barroso, a desoneração da folha de pagamentos do setor não é uma saída sustentável.

“É fundamental a previsão de novas regras fiscais e de financiamento do SUS, que sejam capazes de inverter o atual quadro no qual, apesar de termos um sistema universal e integral, mais da metade dos gastos em saúde é privado no Brasil”, explica.

O economista destaca que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2023 tirou do Sistema Único de Saúde (SUS) o controle de cerca de R$ 10 bilhões do orçamento, “uma vez que parcela do piso de saúde está alocada nas emendas de relator”.

“Desse modo, defendo que, emergencialmente, esses recursos do ‘orçamento secreto’ sejam transferidos da União para estados e municípios custearem o piso da enfermagem”, diz.

Ocké-Reis afirma que a União vem diminuindo a sua participação e atualmente, é responsável por 42% das despesas na saúde, deixando estados e municípios com uma sobrecarga, sobretudo os municípios, na destinação de fundos para o SUS.

Para ele, há a predominância de um mercado de planos de saúde “mal regulado”, embora existam leis e instituições com essa finalidade. Para o especialista, as organizações filantrópicas atuam hoje de maneira parecida ao setor privado, “maximizando o lucro”, “movidas por interesses particulares” e “ampliando as desigualdades de acesso e utilização do sistema público de saúde”.

“Desse modo, precisamos fortalecer a participação do Estado na rede do SUS, até porque a rede filantrópica foi tomada pelas corporações, servindo de base material e tecnológica para o ‘empresariamento’ médico por meio da dupla porta de entrada”, diz.

Outros reflexos causados pelo piso

Embora seja favorável à valorização dos profissionais da saúde, o professor Matheus Delbon, coordenador do curso Gerente de Cidades da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), faz questionamentos sobre como a medida foi tomada.

Na sua avaliação, a aplicação do piso pode acarretar reajuste nos planos de saúde, além de demissões. “(As instituições) vão parar para pensar formas de reduzir os quadros, para fazer jus aos novos pagamentos”, diz. “Pode gerar um nível de trabalho ainda pior, embora melhor remunerado.”

Ele faz ainda um alerta para a retração nos investimentos pelo setor privado. “A médio prazo é algo extremamente nocivo, inclusive com esvaziamento da atividade. Pessoas que pensam em abrir uma clínica ou um hospital vão pra outras áreas de investimento, o que pode gerar uma escassez na oferta do serviço”.

Delbon conta que, de forma técnica, é muito fácil decretar a inconstitucionalidade da lei. “Você está aumentando a despesa sem identificar a receita”, diz, acrescentando que “não existe fórmula mágica”

“Se corrigir a tabela SUS, vai drenar recursos de outras áreas. Então, terá guerra orçamentária. Se trabalhar com desoneração da folha, vai aumentar o déficit previdenciário, tendo que ampliar, daqui a alguns anos, a idade para se aposentar. Ou, então, onerar outro setor”, explica.

Diferenças entre as regiões

O professor Rudi Rocha, da FGV-EAESP, é a favor da valorização da categoria, e também faz alerta sobre as distorções nas regiões do país com o piso. “O Brasil é muito heterogêneo. O mercado de trabalho dos profissionais de saúde é totalmente flexível”, diz, emendando que, ao se estabelecer um piso fixo para todo o país, naturalmente são geradas distorções.

“O piso, em uma determinada localidade ou para uma determinada instituição, não vai fazer a menor diferença. Eventualmente, para outras, haverá reajuste factível. Já para outras pode haver uma grande carga no sentido dos custos”, fala.

Ele faz referência a regiões remotas que, por ventura, já pagam além do piso, justamente para retrair esses profissionais. “Portanto, uma mesma régua para o país inteiro pode ser injusto com profissionais da enfermagem que deveriam receber até mais que isso, dada a localidade”, finaliza.

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