Início do fim: Três décadas da queda do Apartheid
Os caminhos decisórios que levaram à derrocada da segregação sul-africana foram decorrentes da pressão internacional, fragilidade econômica em decorrência do bloqueio internacional e, preponderantemente, da militância e mobilização da população negra ao longo da históriaHá 30 anos , a África do Sul votava pela abolição do sistema do Apartheid , que estava em vigor no País desde 1948. A data histórica é hoje, dia 17 , quando 68,7% da população branca sul-africana apoiou as mudanças que o presidente Frederik de Klerk vinha conduzindo desde 1990 para eliminar a segregação racial e opressão, principalmente, à população negra.
O fim do apartheid efetivamente veio dois anos depois, em 1994, com a eleição de Nelson Mandela à Presidência da África do Sul, eliminando completamente as barreiras e universalizando os direitos à toda população sul-africana.
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Os caminhos decisórios que levaram à derrocada da segregação sul-africana foram decorrentes da pressão internacional, fragilidade econômica em decorrência do bloqueio internacional e, preponderantemente, da militância e mobilização da população negra ao longo da história.
A política de governo excludente já não tinha condições, interna e externa, de se sustentar. Para evitar a convulsão social e impedir colapsar o país, a minoria branca negociou com as lideranças e movimentos negros sul-africanos uma forma de apaziguar a nação.
Trajetória do apartheid
Para entender a segregação racial na África do Sul é preciso compreender as características de sua formação histórica. A África, na época do imperialismo, teve suas regiões disputadas pelos países europeus na política exploratória dos seus recursos naturais. Como mão de obra barata e abundante, considerada não civilizada, a população local foi subjugada e serviu aos interesses econômicos e sociais dos governantes europeus e seus descendentes no continente africano.
A formação da África do Sul passa pelos holandeses e britânicos no século XIX, remonta a este século a criação da lei de passe pelos súditos da Inglaterra na política de restringir a circulação das pessoas negras nas áreas ocupadas pelas pessoas brancas.
Para sustentar o sucesso dos interesses econômicos na região, seria preciso apoiar ideologicamente a segregação racial na perspectiva de superioridade racial, princípios cristãos e, posteriormente, eugenia para constituir o ideário racista e discriminatório do discurso oficial da sociedade branca e dominante.
Para se ter uma dimensão desta divisão, os brancos representavam um quinto da população da África do Sul, e tinham direitos a 92,5% das posses de terras. Já os negros, eram maioria dos habitantes (dois terços da população) , mas só tinham acesso a 7,5% das terras.
Restrições e punições à população negra
As eleições gerais de 1948 levaram ao poder da África do Sul Daniel François Malan, do Partido Reunido Nacional, com a plataforma do apartheid. De forma efetiva e formal implementou sistemicamente em todas as estruturas medidas restritivas e punitivas à população negra.
As restrições e punições à população negra também segregou as demais etnias como mestiços e indianos, restringindo, por exemplo, o livre deslocamento, que só era possível mediante autorização e uso de passe. Subempregos e salários inferiores, pequena oferta e má qualidade de educação, além da proibição de manifestação e formação de entidades representativas, eram algumas das imposições do regime.
O casamento entre as etnias branca e negra era proibida, além das relações sexuais entre elas. O estupro de uma pessoa branca sofrido por pessoa negra era punido com a morte, o contrário, no máximo, uma multa recebia.
Primeiros levantes
As primeiras manifestações contrárias à segregação racial surgiram a partir da criação do Congresso Nacional Africano (CNA), em 1912, partido político voltado aos direitos dos negros. Dentre as ações do CNA estão a Campanha do Desafio, em 1952 - que deliberadamente estimulou o descumprimento da legislação vigente para superlotar as prisões. Os registros históricos da época contabilizam que 8.500 manifestantes foram presos.
A inflexão do movimento de resistência deu-se com o Massacre de Sharpeville, contra as Leis de Livre Trânsito. Manifestantes negros protestaram na frente da delegacia, e o descontrole dos policiais resultou na morte de 69 pessoas e 180 feridos.
A partir do excesso de violência das forças de segurança do sistema político dominante, líderes do CNA, dentre eles, Nelson Mandela, defenderam a luta armada. De pouco impacto na contestação do sistema foram presos em 1962 e condenados à prisão perpétua dois anos depois.
Em 6 de novembro de 1962 a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução 1761, condenando as práticas racistas do governo sul-africano, e recomendou aos países-membros cancelarem relações militares e econômicas com a África do Sul.
Em 1973, a Assembleia Geral da ONU aprovou o texto "Convenção Internacional da Punição e Supressão ao Crime do Apartheid". No ano seguinte a África do Sul foi expulsa da ONU por sua política racista, só retornando em 1994, após a retomada da democracia no país com a eleição de Mandela.
Ruptura e insegurança nacional
O Levante de Soweto, ocorrido em 16 de junho de 1976, é apontado como o começo da derrocada do apartheid. Estudantes de várias escolas da favela de Soweto, localizada em Johannesburgo, organizaram um protesto contra a baixa qualidade da educação.
A repressão policial a manifestação foi desproporcional e chocou o mundo, cerca de 600 manifestantes foram mortos e 13 mil foram presos sob a alegação de desobediência civil. A violência espalhou-se pelo país, custando centenas de vidas.
A tragédia de Soweto fez crescer o bloqueio internacional nas restrições econômicas, por parte dos governos e empresas privadas, exclusão das Olimpíadas, embargo de armas, desestímulo ao turismo naquele país.
O descontentamento da população negra fez crescer a violência nos anos 1980, ruindo ideário e estrutura segregacionista. O nível da ruptura e insegurança nacional fez o sistema dominante buscar nas lideranças do CNA formas de apaziguar as manifestações, por isso os líderes condenados à prisão perpétua, como Nelson Mandela, foram libertos e os direitos foram, gradativamente, universalizados completamente em 1994.
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Edição DATADOC: Thays Lavor
Texto: Sérgio Falcão (Historiador)
Recursos Digitais: Roberto Araújo
Infografia: Luciana Pimenta
Dev front-end: Michele Medeiros
Visualização de Dados: Alexandre Cajazeira