Os anos JQ - polêmicas, renúncia e as vassouradas na corrupção

Há três décadas morria Jânio Quadros, o presidente da República que surpreendeu o Brasil ao renunciar tentando um autogolpe para voltar ao poder e acabou como o mais breve no cargo

A política brasileira é marcada por políticos que se destacaram na História pelo personalismo de sua atuação para além do seu tempo. Jânio da Silva Quadros, inegavelmente, foi um dos destacados políticos na sua época. Possuidor de uma carreira política meteórica, em 12 anos trilhou os cargos de vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito, governador e presidente da República. Mostrou-se controverso, polêmico, teimoso, chamado até de desequilibrado, no parlamento ou no Executivo. Vendia austeridade, entregava confusões políticas e administrativas. Um perfil surpreendente aos padrões da época, talvez até próximo de posturas dos dias de hoje.

Jânio morreu há 30 anos, em 16 de fevereiro de 1992. Também o chamavam de intempestivo, surpreendente, descontrolado, populista, perseguidor. Gostava do linguajar erudito. A frase "Fi-lo porque qui-lo" teria sido usada para justificar sua inesperada renúncia.

Seu nome ficou na História do Brasil pela rápida passagem na Presidência da República. Foi a mais breve permanência de um eleito na cadeira presidencial, quando anunciou sua renúncia em 25 de agosto de 1961. Durou incompletos sete meses no cargo: mais precisamente seis meses e 27 dias. Para compreender algo dos dias de hoje, vale revisitar o personagem, descortinar sua trajetória e tentar enlaçar fatos e decisões que o levaram a desistir do mais alto cargo da Nação.

Jânio nasceu em Campo Grande, na época pertencente ao Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, em 25 de janeiro de 1917. Teria completado 105 anos em 2022. A vida política-partidária começa, de fato, quando se candidata a vereador de São Paulo em 1947, recebendo 1.707 votos. Porém, fica como suplente. Com a suspensão do registro partidário do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e cassação dos mandatos dos seus parlamentares, Jânio assume no ano seguinte a vaga de vereador. Notabiliza-se como o maior autor de proposições, projetos de lei e discursos da casa legislativa.

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Moralização dos serviços públicos e combate à corrupção eram suas bandeiras eleitorais desde as primeiras campanhas. Com o crescente prestígio político, Jânio torna-se o deputado estadual mais votado (17.840 votos), em São Paulo, nas eleições de 1950. Dez vezes mais bem votado que naquela sua primeira campanha à Câmara Municipal da capital paulista. O discurso populista lhe rendeu grande votação.

Jânio Quadros - Campanha eleitoral para 1960. Foto: Domínio público / Coleção do Arquivo Nacional
Jânio Quadros - Campanha eleitoral para 1960. Foto: Domínio público / Coleção do Arquivo Nacional (Foto: Domínio público / Coleção do Arquivo Nacional)



Consolidado como fenômeno eleitoral e com espantosa popularidade, disputou a Prefeitura de São Paulo, em 1952. Apregoou a “revolução branca através do voto” e tornou-se prefeito da capital paulista com 284.922 votos - mais que o dobro de todos os outros candidatos juntos. Voltaria a ser reeleito para o mesmo cargo anos depois. Antes disso, vários capítulos ainda seriam mais marcantes.

Vem dessa época como prefeito uma prática sua que se tornou folclore na vida política brasileira - copiada do primeiro-ministro inglês Winston Churchill (1874-1965): comunicava-se com seus assessores e secretários através de bilhetes. Sua gestão à frente da Prefeitura de São Paulo, nos anos 1950, é marcada por cruzada moralizadora. Dentre elas a demissão em massa de servidores, saneamento das finanças municipais e visitas surpresas às repartições para comprovar o cumprimento dos horários dos funcionários.

Em 1954, desincompatibiliza-se do cargo para concorrer ao governo paulista. Usa como slogan da campanha “Um tostão contra o milhão”. Adota a vassoura como o símbolo da mensagem anticorrupção para varrer “os ratos, ricos e reacionários”. Elege-se governador com 660.264 votos.

O Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek (1902-1976) teve em São Paulo o estado mais beneficiado com a implantação de novas indústrias e a concentração de crédito, refletindo no aumento da receita tributária e diminuição do déficit financeiro. Favorecido pelas condições, o nome de Jânio passou a ser o natural concorrente nas eleições presidenciais seguintes.

Nas eleições de 1958 troca o domicílio eleitoral e elege-se deputado federal pelo Paraná com recorde estadual de 78.810 votos. Apesar do mandato conquistado, não participou de nenhuma sessão no Congresso Nacional. Nesta época, concentrou-se na preparação à campanha presidencial.

É lançado pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional) como candidato à sucessão de JK, com o apoio do PDC, UDN (União Democrática Nacional) e PL (Partido Libertador). Sentindo perder o comando da campanha para a UDN, Jânio renuncia à candidatura. O líder udenista Carlos Lacerda (1914-1977) o demove da intenção de desistir, percebendo Jânio como o nome possível que poderia levar a direita ao poder nacional.

Nas eleições de 1960 à Presidência da República, Jânio colocava-se como a renovação da política. Trouxe novamente a vassoura como símbolo da campanha. O slogan era "Varre, varre vassourinha, varre a corrupção". A votação final ficou assim: Jânio Quadros - 48,27% (5.636.623) dos votos válidos; Henrique Teixeira Lott - 32,93% (3.846.825); Adhemar de Barros – 19,56% (2.195.709). Aos 43 anos, Jânio Quadros torna-se o 22º presidente do Brasil, João Goulart (1919-1976) foi eleito para a vice-presidência. Na época, as votações para presidente e vice eram dissociadas.

 

 

Moral, bons costumes e a homenagem a Che

Jânio Quadros assumiu a Presidência do Brasil em condição diferente dos antecessores, sem a pressão de crises política ou militar, mas com o Brasil mergulhado em crescente inflação e instabilidade econômica.

O governo é marcado pela pauta dos costumes e da moralidade. Entre os temas mais famosos: o veto às corridas de cavalo nos dias da semana; a proibição do lança-perfume no Carnaval; o uso de biquínis na praia; o comprimento dos maiôs nos desfiles televisionados de miss; instalação de dois jumentos nordestinos no jardim do Palácio da Alvorada; proibição das brigas de galo; a regulamentação do carteado; obrigatoriedade de funcionários públicos federais usarem uniformes.

Em paralelo ao enxugamento da máquina governamental instaurou inquéritos e sindicâncias buscando combater a corrupção e descontrole da administração pública. Jânio foi contra alguns direitos e regalias do funcionalismo público, reduziu vantagens dos militares e do Ministério da Fazenda em missões no exterior e extinguiu os cargos de adidos aeronáuticos junto às representações diplomáticas brasileiras.

A implementação da reforma cambial favoreceu o setor exportador e os credores internacionais em detrimento dos grupos nacionais. Tornou-se impopular pelo consequente aumento nos preços das matérias-primas e serviços.

Presidente Jânio Quadros condecora Ernesto Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul em 21 de agosto de 1961. Foto: Arquivo Nacional /Wikimedia Commons
Presidente Jânio Quadros condecora Ernesto Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul em 21 de agosto de 1961. Foto: Arquivo Nacional /Wikimedia Commons (Foto: Arquivo Nacional)



Dentro da política internacional não ideológica restabeleceu as relações diplomáticas e comerciais com China e União Soviética. Um dos principais rostos da revolução cubana, Ernesto Che Guevara (1928-1967) foi condecorado por Jânio Quadros com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul em visita que fez ao Brasil como ministro da Economia de Cuba após participar da Conferência de Punta del Este (Uruguai).

A homenagem provocou indignação dos setores civis e militares conservadores. A condecoração deveu-se ao reconhecimento pelo pedido atendido, feito por Jânio junto ao ministro cubano, pela libertação de 20 sacerdotes espanhóis presos em Cuba. O presidente brasileiro havia recebido solicitação de dom Armando Lombardi, núncio apostólico no Brasil, em nome do Vaticano, para interceder junto ao ministro cubano. A repercussão da condecoração foi fortemente negativa na imprensa e no Congresso.

 

O projeto de autogolpe não deu certo

 

A espiral de instabilidades rondava o governo Jânio Quadros. Ele não era um bom articulador político. Inábil na acepção da palavra.. Sem base de apoio no Congresso Nacional, acreditava no governo acima dos partidos, contestado pelas várias forças políticas e civis. Queria governar sem controles.

Em 24 de agosto de 1961 sofreu violento ataque pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que o acusou de organizar um autogolpe.

No dia seguinte, após participar das comemorações do Dia do Soldado, ele surpreende a todos. Retorna ao Palácio do Planalto e informa a alguns ministros que estava renunciando naquele momento. Alegou que não exerceria a Presidência com a autoridade rebaixada perante todos. Em seguida, comunica a mesma decisão aos ministros militares.

O ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, é orientado a encaminhar ao Congresso o bilhete e a carta-renúncia. A história conta que a intenção de Jânio sempre foi querer voltar ao cargo por aclamação e chancelado pelos militares. Mas a crise não se desfez, só piorou. JQ assumiu em 31 de janeiro e deixou a Presidência após 207 dias, em 25 de agosto de 1961.

Num de seus costumeiros bilhetes, Jânio Quadros avisa ao Congresso Nacional sua decisão de renunciar à Presidência da República em 25 de agosto de 1961
Num de seus costumeiros bilhetes, Jânio Quadros avisa ao Congresso Nacional sua decisão de renunciar à Presidência da República em 25 de agosto de 1961 (Foto: REPRODUÇÃO)



Impactado com a renúncia, o Congresso empossa interinamente na Presidência da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli (1910-1975). O vice-presidente João Goulart encontrava-se em visita oficial à China, sendo negado seu retorno ao Brasil e posse como presidente pelos ministros militares que o viam como herdeiro político de Getúlio Vargas e próximo dos sindicatos e partidos de esquerda.

Jango acaba empossado presidente do Brasil 13 dias depois, em 7 de setembro, após pressão da rede da legalidade organizada pelo governador gaúcho Leonel Brizola (1922-2004). Goulart aceita assumir sob o sistema de governo parlamentarista, a fórmula encontrada para diminuir seu poder.

Após deixar Brasília, Jânio Quadros desloca-se para São Paulo e dois dias depois embarca para Londres.

Passados mais de 60 anos da renúncia que abalou o País, grande parte dos historiadores e cientistas políticos acredita que a motivação de Jânio Quadros baseava-se na força eleitoral e impacto da ação onde a sociedade brasileira e as instituições lhe apelariam para retornar ao poder sem as amarras legais e a divisão com os demais poderes.

A vassoura derrota o favorito

Em 1962, JQ perde as eleições ao governo de São Paulo. Com o golpe militar de 1964, teve seus direitos políticos cassados. Conseguiu recuperá-los dez anos depois, mas manteve-se afastado das urnas até 1982, quando disputou novamente o governo paulista e perdeu.

Em 1985, Jânio disputou a Prefeitura de São Paulo pelo PTB e venceu o favorito Fernando Henrique Cardoso, então no PMDB. O jingle usou o seu símbolo mais conhecido como mote: “Chegou a hora da honestidade/ Do trabalho, da saúde e educação/ O Jânio vai voltar com a vassoura/ Pra acabar com a corrupção”.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Cláudio Lembo, então Secretário dos Negócios Jurídicos no segundo mandato de Jânio como prefeito, recorda que guardou no bolso dois pedidos de renúncia. A seu ver estimulados por momentos de tensão ou muito cansaço.O falecimento da esposa Eloá Quadros, em 1990, agrava a saúde de Jânio. Seus últimos meses de vida, ele passou entre casas de repouso e hospitais. Morreu vítima de três derrames cerebrais e estado vegetativo em 16 de fevereiro de 1992.

É homenageado com o nome de duas cidades: Janiópolis (Paraná) e Presidente Jânio Quadros (Bahia).

Expediente

Edição DATADOC: Cláudio Ribeiro
Texto: Sérgio Falcão
Recursos digitais e pesquisa histórica: Roberto Araújo

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