Entenda por que é errado defender a existência de um partido nazista
Veiculação de símbolos, ornamentos, emblemas, distintivos ou propaganda relacionados ao nazismo é crime previsto em lei federal e descrito na Constituição como inafiançável e imprescritível
02:21 | Fev. 09, 2022
O apresentador do "Flow Podcast", Monark, defendeu a existência de um partido nazista brasileiro sob justificativa de "liberdade de expressão". A fala aconteceu durante programa exibido na última segunda-feira, 7, que recebeu os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP).
Na ocasião, o youtuber disse achar que "o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei". E prosseguiu: "As pessoas não tem direito de ser idiotas? A gente tem que liberar tudo". A declaração foi rebatida pela deputada Tabata, que afirmou que a liberdade individual termina a partir do momento que fere a de outra pessoa. Monark, por sua vez, reforçou: "A questão é: se o cara quiser ser um anti-judeu ele tinha que ter direito de ser", complementou.
Já o deputado Kim Kataguiri disse que achava errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “O que eu defendo que acredito que o Monark também defenda, é que por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que o sujeito defenda, isso não deve ser crime”, disse Kataguiri. “Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia é […] é você dando luz naquela ideia, para ela seja rechaçada socialmente e então socialmente rejeitada”.
As falas de Monark e Kim tiveram repercussão negativa e o apresentador foi afastado do programa. O episódio foi removido do YouTube e o canal perdeu patrocinadores.
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A veiculação de símbolos, ornamentos, emblemas, distintivos ou propaganda relacionados ao nazismo é crime previsto em lei federal e descrito na Constituição como inafiançável e imprescritível.
Vítor Sandes, cientista político e professor ajunto da Universidade Federal do Piauí (UFPI), explica que "dentro do contexto do Estado Democrático de Direito, que é baseado em direitos civis, direitos políticos e direitos sociais, parte-se do pressuposto de que todo indivíduo tem direito à vida, e esse direito à vida deve ser resguardado pelo Estado".
"Então não é concebível um modelo de partido ou de qualquer outro tipo de organização política que defenda o genocídio de povos. É inconcebível dentro do contexto do Estado Democrático de Direito, ele contradiz a essência desse tipo de Estado", explica.
Para Sandes, "não existe a possibilidade de utilizar a liberdade de expressão, que é uma liberdade básica dentro da democracia, no sentido de você justificar a defesa de um modelo de sociedade em que um partido possa defender leis, políticas que levem o extermínio de povos". "A liberdade de expressão só deve ser usada dentro da linguagem democrática", concluiu.
O cientista político destacou ainda a lei de organização dos partidos políticos, que em seu artigo 2º prevê que "é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos cujos programas respeitem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana."
Ao contrário da lógica defendida por Monark, a criação de uma legenda nazista vai contra, inclusive, a lei que regulamenta a criação dos partidos. "Um partido antidemocrático, ele é incompatível na democracia, então por isso que um partido desse tipo não consegue ser aprovado, ele é contra o próprio regime", afirma Sandes.
De acordo o historiador Airton de Farias, "se o Estado tem como fundamento a democracia, em nome desta, teria o direito de inibir a existência de agrupamentos que se posicionam contra os preceitos da democracia."
"Acredito que os direitos pra alguém só são possíveis se esses direitos forem disponibilizados para outras pessoas. Assim, não há como falar em liberdade de expressão para grupos ou alguém que deseja impedir a manifestação ou a existência de outros. Só somos livre porque os outros também são", afirmou ainda.
"Você há de convir que não faz muito sentido defender a liberdade de expressão para quem deseja acabar com essa liberdade para outros grupos, é uma grande contradição. Outro elemento de fundo mais histórico, tem a ver com a experiência concreta, real, nazista: o holocausto dos judeus, a perseguição aos ciganos, aos comunistas, às mulheres, aos homossexuais", finalizou.