Ex-assessor de Bolsonaro reafirma suposto esquema de rachadinhas
Em entrevista à VEJA, Waldir Ferraz, amigo de longa data do presidente da República, acusa Ana Cristina Valle de comandar o esquema e diz que o então deputado Jair Bolsonaro não sabia da operação
06:49 | Jan. 21, 2022
Em entrevista exclusiva à revista VEJA, Waldir Ferraz, ex-assessor de Jair Bolsonaro (PL) e amigo íntimo do presidente da República, confirmou a existência de um esquema de "rachadinhas" nos gabinetes do clã Bolsonaro que supostamente seria comandado pela ex-mulher do mandatário, Ana Cristina Valle.
“Ela (Ana Cristina Valle) fez nos três gabinetes. Em Brasília, aqui no Flávio e no Carlos. Ela que fazia, mas quem é que assinava? Quem assinava era ele (Jair Bolsonaro). É batom na cueca”, declarou.
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Autointitulado o amigo “Zero Zero” do presidente, Ferraz e Bolsonaro têm amizade de mais de trinta anos, desde a época das Forças Armadas. Eles se aproximaram a partir da insatisfação que compartilhavam com os baixos salários pagos aos oficiais. Logo depois, Ferraz acompanhou o ex-capitão na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, quando foi eleito para o seu primeiro mandato. Por lá, recebeu o apelido de Jacaré.
Pelas mãos do ex-capitão, Jacaré foi contratado para trabalhar nos gabinetes de Bolsonaro na Câmara dos Deputados e de Carlos Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio. Ele também recebeu duas condecorações do Governo Federal, uma delas das mãos do próprio presidente, por “serviços meritórios e virtudes cívicas”
Amigo fiel de Bolsonaro, Ferraz fez graves acusações contra a advogada Ana Cristina e negou que o presidente sabia da existência do esquema de arrecadação irregular de parte dos salários dos servidores. Segundo ele, o presidente foi traído e é chantageado até hoje pela advogada, que cobra pelo seu silêncio.
“O Bolsonaro deixou tudo na mão dela para ela resolver. Ela fez a festa. Infelizmente é isso. (...) Como é que você vai explicar? Ele está administrando. Não tem muito o que fazer”, acrescenta, referindo-se a Jair Bolsonaro.
“Ela é muito perigosa. É uma mulher que quer dinheiro a todo custo. Às vezes, ela vai ao cercadinho, frequenta o cercadinho. É uma forma de chantagem, lógico que é chantagem. A gente nem toca nesse assunto pra não deixar o cara de cabeça quente”, acusa.
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À VEJA, Jacaré declarou que o esquema começou ainda na década de 1990, quando Bolsonaro exercia mandato de deputado federal. "Naquela época, Ana Cristina, então casada com um sargento, começou a se aproximar de Bolsonaro, quando participava de um movimento de mulheres de militares que reivindicava aumento no soldo dos maridos. Jacaré conta que ela foi se “infiltrando” e rapidamente ganhou a confiança de Bolsonaro, com quem iniciou um relacionamento amoroso. Logo, Ana Cristina recebeu carta branca para administrar o gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados.", detalha a publicação.
Segundo Jacaré, o esquema funcionava da seguinte maneira: responsável por uma cota de contratações, Ana Cristina recolhia documentos de algumas pessoas, abria contas bancárias em nome delas e embolsava grande parte de seus salários. Muitas vezes, o funcionário era fantasma e sequer tinha conhecimento de que estava oficialmente empregado no gabinete de Bolsonaro. Jacaré alega que quem já trabalhava com o ex-capitão antes da chegada de Ana Cristina, como ele, não participava do esquema.
“A jogada dela era a seguinte: ‘Quer ganhar um dinheiro? Te dou 1000 reais por mês. Me empresta seu documento aí’. Pegava a carteira do cara que estava entrando na Câmara, recebia 8000, 10000, e dava 1000 (reais) pro cara”.
Jacaré faz questão de ressaltar que nem o presidente nem seus filhos sabiam da operação. Ele argumenta que os parlamentares se preocupam apenas com a atividade política, deixando a rotina do gabinete para terceiros.
“Ele, quando soube, ficou desesperado, era uma fria. O cara foi traído. Ela que começou tudo. Bolsonaro nunca esteve ligado em nada dessas coisas. O cara não tinha visão do que estava acontecendo por trás no gabinete”, diz Jacaré. “Às vezes o chefe de gabinete faz merda, e o próprio deputado não sabe. Mesmo o deputado vagabundo não sabe, só vem a saber depois.”
Ele afirma que Bolsonaro só tomou conhecimento do esquema em 2018, quando uma publicação do jornal O Estado de S. Paulo expos relatório do Coaf que registrava movimentações milionárias do policial aposentado Fabrício Queiroz, acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de ser o operador no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Alerj.
Procurada pela VEJA, Ana Cristina negou que tenha comandado esquema ilícito e disse que as acusações partem de inimigos que querem atingir os “meninos” Flávio e Carlos. “Se eu tiver que falar com o presidente, acha que eu vou para o cercadinho para todo mundo ficar vendo, para jornalista ficar vendo? Sou discreta”, declarou.
Apesar de alegar inocência e entoar um discurso em defesa do ex-marido e dos enteados, ela fez questão de arrematar sua defesa com a seguinte ponderação: “Não sou mentora da rachadinha. Ele (Bolsonaro) me chamava de sargentona, mas quem mandava no gabinete era ele. Quem assina as nomeações e exonerações é o parlamentar. Não faz sentido assinar sem ler porque todos eles são bem instruídos”.
Esquema de "rachadinhas" ganhou novo capítulo em 2021
Uma reportagem da jornalista do UOL, de 5 de julho de 2021, revelou áudios da ex-cunhada de Bolsonaro, Andrea Siqueira Valle, que apontam envolvimento direto do presidente no esquema irregular. Na gravação, Andrea conta que Bolsonaro demitiu o irmão dela, André Siqueira Valle, por ter se recusado a entregar parte do seu salário de assessor quando ele trabalhava no seu gabinete na Câmara dos Deputados.
"O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver seis mil, ele devolvia dois mil, três mil. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: 'Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'", conta Andrea em áudio divulgado. "Não é pouca coisa que eu sei, é muita coisa. Posso ferrar a vida do Flávio, posso ferrar a vida do Jair. É por isso que eles têm medo, mandam eu ficar quietinha e tal", conclui.
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