Um ano de vacinação contra Covid no Brasil: veja as falas polêmicas e negacionistas de Bolsonaro sobre a imunização
Apesar das quase 310 milhões de doses aplicadas e dos mais 600 mil óbitos pela doença, o discurso presidencial permaneceu o mesmo, com poucas manifestações em prol da imunização
13:18 | Jan. 17, 2022
Durante todo o ano de 2021, o presidente Jair Bolsonaro permaneceu com constantes ataques à validade e eficácia da vacinação da população brasileira. Apesar das quase 310 milhões de doses aplicadas e dos mais 600 mil óbitos pela doença, o discurso presidencial permaneceu o mesmo.
A mais recente polêmica envolve as críticas do presidente sobre a decisão de vacinar ou não as crianças entre 5 e 11 anos de idade, conforme autorização da Anvisa. Apesar da resistência oferecida pelo governo, o Ministério da Saúde anunciou que a imunização dessa faixa etária começaria em janeiro.
O chefe do Executivo nacional disse desconhecer que alguém nessa faixa etária tenha morrido em decorrência da doença no Brasil. Ao contrário do que disse o presidente, informações do SIVEP-Gripe, base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), mostram que 301 crianças e adolescentes de 5 a 11 anos morreram em razão da pandemia desde março de 2020. No total, foram 6.163 casos da doença nessa faixa etária registrados
No acumulado do último ano, Bolsonaro criticou a Coronavac, fabricada pelo Instituto Butantan e a primeira a ser distribuída no Brasil, relacionou a vacinação à Aids e à embolia pulmonar e colocou em dúvida a eficácia da iniciativa de imunização:
Coronavac
Em janeiro do ano passado, por mais de uma vez, o presidente criticou a Coronavac, vacina feita pelo Instituto Butantan. Em entrevista à Band, o chefe do Executivo Federal afirmou que governador de São Paulo, João Doria (PSDB), estava "desmoralizado" após julgar o processo de vacinação de "baixa taxa de sucesso". Fala veio em resposta a uma crítica feita por Doria a Bolsonaro, que o havia chamado de facínora:
"Vou tomar tempo dessas pessoas para fazer uma ação contra esse cara de São Paulo que foi desmoralizado pela baixa taxa de sucesso na sua vacina, que ele tanto defendeu. Nunca vi um político defender tanto a vida. Geralmente os interesses são outros", disse o presidente. A fala aconteceu no mesmo momento em que o governo federal assinava um contrato de compra de 46 milhões de doses da Coronavac.
"Só se for na casa da tua mãe"
No dia 4 de março, o presidente passou rapidamente por Uberlândia (MG) horas antes de cumprir agenda em São Simão (GO), para inauguração de trecho da Ferrovia Norte-Sul. Na ocasião, na chegada ao aeroporto local, o gestor cumprimentou apoiadores em meio a aglomeração e reclamou da pressão pela compra de vacinas contra a Covid-19.
“Tem idiota que diz 'vai comprar vacina'. Só se for na casa da tua mãe. Não tem para vender no mundo”, disparou. Bolsonaro aproveitou para falar sobre a medida vetada por ele, que permitia que estados comprassem as doses e posteriormente fossem reembolsados pela União. “Alguns governadores queriam direito a comprar vacina e quem iria pagar? Eu! Onde tiver vacina para comprar, nós vamos comprar”.
Recuo
Três dias depois, em apoio ao presidente, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos -RJ) foi às redes sociais pedir aos seguidores que compartilhassem imagem do pai defendendo a vacinação. Bolsonaristas também atuaram no mesmo sentido.
Na publicação, o filho 01 escreve: "Nos próximos dois meses, vacinaremos dezenas de milhões de brasileiros!". No canal oficial de Flávio Bolsonaro no Telegram, ele reforça o pedido para que a imagem seja compartilhada: "Vamos viralizar".
Curiosamente, a mudança no discurso veio depois da fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que incentivou a vacinação e o distanciamento social para frear o avanço da Covid-19 no Brasil. No momento, vários usuários ironizaram a situação e viralizaram frases em que o presidente da República se mostrou contrário ao imunizante.
Crítica em live
No mês de julho, durante uma live no Facebook, Bolsonaro disse que a infecção por Covi-19 é "mais eficaz" do que a vacinação. "Eu já me considero, me considero não, eu estou vacinado, entre aspas", disse. Logo depois ele completou: "Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou o vírus para valer. Então quem contraiu o vírus, isso não se discute, está imunizado".
“Eu estou vacinado entre aspas. Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou vírus para valer. Quem pegou o vírus está imunizado, não se discute”, disse Bolsonaro. A fala é perigosa. De acordo com estudo divulgado pela revista Nature e realizado pela Escola de Medicina da Universidade de Washington, a presença de anticorpos nem sempre significa que a pessoa está “imune” à reinfecção.
Além disso, a declaração vai contra as recomendações das autoridades em Saúde ao redor do mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a imunidade de rebanho, que é permitir a livre circulação do coronavírus entre as pessoas como forma de estimular uma "imunidade coletiva", não deve ser tratada como "uma opção".
Durante a live, Bolsonaro também voltou a declarar que será o último vacinado do Brasil. Ele também afirmou que quem é contrário à proposta da desobrigação do uso de máscaras no País é “negacionista”.
Vacinação de adolescentes
Em setembro, Ministério da Saúde retirou adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades da lista de grupos cuja vacinação contra a covid-19 é recomendada. Em transmissão nas redes sociais, o ministro Marcelo Queiroga confirmou que o presidente Jair Bolsonaro pediu a reavaliação.
"Mas como posso entrar numa guerra dessas da obrigatoriedade, se a decisão cabe aos prefeitos e governadores. Posso falar que sou contra vacinar menores de 12 a 17 anos, de acordo com o Ministério da Saúde. Mas os governadores e prefeitos podem ignorar. Se tem estudo cientificamente comprovado, tudo bem. Nesse momento, a Anvisa diz que essa faixa etária pode ser vacinada com a Pfizer. E te pergunto: continua escrito lá na Pfizer, no contrato, que não nos responsabilizamos por efeitos colaterais? Ou não. Parece que continua" disse o presidente.
"Se tivermos efeitos colaterais graves, quero saber quem vai se responsabilizar. Nós aqui estamos fazendo a coisa certa. Tem a lei que estamos seguindo", continuou Bolsonaro, No entanto, a vacina da Pfizer, então único imunizante autorizado no Brasil para uso em adolescentes, já tinha sido amplamente testada nessa faixa etária. Outros países como Estados Unidos, Chile, Canadá, França e Israel também já a usavam.
Vacina e Aids
Em outubro, o presidente afirmou, em live semanal, que pessoas que tomaram duas doses do imunizante contra o novo coronavírus no Reino Unido estão desenvolvendo aids. A afirmação, que é mentirosa, foi refutada por cientistas de todo o mundo e publicada em um site inglês conhecido por espalhar teorias da conspiração. O vídeo do presidente da República foi removido do Facebook e do Instagram.
A afirmação foi feita sem embasamento científico. Não existe relação entre o HIV (vírus causador da Aids) e a Covid-19, nem entre o HIV e as vacinas contra a Covid-19.
Bolsonaro introduziu o tema em seu programa online dizendo que dará uma notícia grave, mas sem fazer comentários a respeito. Em seguida, pega uma espécie de jornal e, antes de supostamente ler uma reportagem, reconhece que já tratou do assunto no passado e que, por isso, "apanhou muito".
Mas seguiu e disse: "Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados (15 dias após a segunda dose) estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids) muito mais rápido que o previsto". E completa: Recomendo que leiam a matéria. "Não vou ler aqui porque posso ter problemas com a minha 'live'".
Após o pronunciamento, a bancada do Psol na Câmara e o deputado Túlio Gadêlha (PDT-PE) protocolaram uma notícia-crime contra o presidente. Na petição, os parlamentares acusam Bolsonaro de cometer infração de medida sanitária preventiva voltada a proteger a "incolumidade pública no que concerne à saúde da coletividade".
Em dezembro, o presidente voltou a defender o uso de hidroxicloroquina - medicamento sem comprovação científica e descartados pelas autoridades sanitárias para o combate ao vírus - e colocou novamente em dúvida a eficácia da vacina. Sem provas ou comprovação médica, o chefe do Executivo levantou suspeitas de que o deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ) estaria internado com embolia por efeitos colaterais da vacina. E ainda citou supostos casos de trombose após a imunização.
"Nós disponibilizamos 400 milhões de doses de vacina. Compradas a partir do momento em que foram disponibilizadas. Mente descaradamente quem diz que o governo federal não comprou a vacina no ano passado. Não tinha uma só dose à venda" disse. "Eu tomei hidroxicloroquina e se me contaminar de novo, tomo outra vez. Não só eu, milhares de pessoas fizeram a mesma coisa. Quem já tomou vacina pode se reinfectar? Pode. Respeito a autonomia do médico", continuou.
Bolsonaro, então, acrescentou: "Um caso que está sendo estudado agora. O deputado Hélio Lopes, meu irmão, está baixado no hospital, com embolia. Parece ser efeito colateral da vacina. Vamos aguardar a conclusão. Um médico, na semana passada, estava abalado porque uma irmã dele tomou e estava com trombose no pé. Tem acontecido efeito colateral. Vocês já leram a bula dessas vacinas? Na Pfizer está escrito: não nós responsabilizamos por efeitos colaterais".