Para professora de Direito, escolha de André Mendonça para o STF ameaça direitos das minorias
Pior que o alinhamento com o governo Bolsonaro, que pode ser passageiro, ideologia religiosa do futuro ministro preocupa pela possibilidade de ir contra direitos de mulheres e população LGBTQIA+, por exemplo
17:20 | Dez. 03, 2021
Está marcado para o próximo dia 16 a cerimônia de posse do novo ministro do STF, o ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, André Mendonça. Escolhido pelo presidente Bolsonaro (PL) para cumprir a promessa levar uma figura “terrivelmente evangélica” para a Corte, a chegada dele é vista com temeridade por especialistas que acreditam que, apesar do discurso republicano feito ao Senado, ele levará preceitos religiosos próprios, além de posturas alinhadas com as do presidente, para os julgamentos.
A advogada e professora de Direito da UFC (Universidade Federal do Ceará) Cynara Monteiro Mariano explica que, apesar de preencher os requisitos necessários para a vaga como, notável saber jurídico, ter mais de 35 anos, ser brasileiro nato, Mendonça foi escolhido por Bolsonaro pela característica de ser evangélico. Esse fator, se levado aos julgamentos, põe em risco as pautas de minorias sociais que vivem fora dos preceitos religiosos do novo ministro.
“O que eu vejo como problemático em ele ser indicado por esse atributo e burlando o requisito da Constituição é que nós não podemos esperar deles decisões tomadas com base em critérios jurídicos, em critérios racionais, mas em critérios religiosos”, explica.
“O que isso representa para o direito das minorias? Isso representa uma séria ameaça e instabilidade com relação às conquistas que nós já tivemos até agora, porque nossa Constituição ela estabelece como estado laico, o que quer dizer que as decisões são baseadas na razão e não na religião”, complementa Monteiro.
O primeiro teste de fogo
Durante a sabatina no Senado, Mendonça foi confrontado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sobre pautas progressistas no campo dos costumes. Mendonça, que é pastor evangélico, garantiu que deixaria de lado sua ideologia para, por exemplo, votar a favor do casamento gay, reconhecido em 2011 pelo STF, mas que é rejeitado pela maior parte do segmento religioso.
“Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição”, afirmou o futuro ministro.
Ainda no primeiro ano de STF, Mendonça deve ter esse discurso testado, pois vai ter voto de desempate em julgamento que definirá se detentas transexuais ou travestis poderão optar por cumprir pena em presídios masculinos ou femininos.
A ação foi apresentada pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros e pedia a obrigatoriedade de que as detentas travestis e transexuais cumprissem pena em presídios femininos. Contudo, o relator, Luís Roberto Barroso, decidiu que cabe à infratora escolher tipo de unidade prisional em que ficaria reclusa.
O caso chegou ao plenário virtual do Supremo, mas teve julgamento suspenso após empate em 5 a 5. O presidente da Corte, Luiz Fux, aguardava a nomeação do 11º ministro para marcar a data de retomada da votação. Todavia, isso só deve ocorrer em 2022, visto que Mendonça toma posse um dia antes do recesso da corte.
Para Monteiro, não há dúvidas de que questões como essas estão ameaçadas. Não só o julgamento citado, mas pautas como a do Marco Temporal, que trata sobre a demarcação de terras indígenas no país, assunto de interesse do governo Bolsonaro, e ainda questões relacionadas a descriminalização do aborto no país.
“A diversidade sexual estaria ameaçada, o direito ao aborto como política pública de saúde, como direito da mulher ao próprio corpo, direitos sexuais e reprodutivos. Várias pautas estariam e estarão ameaçados, as minorias, de uma forma geral, no que contrariar uma visão determinada da religião, podem sofrer consequências dessa escolha”, afirma.
A professora vai mais longe, e adianta que qualquer pessoas com questões a serem resolvidas no Supremo pode ter direitos negados, caso Mendonça assuma uma postura governista e evangélica.
“Ou seja, servidores públicos, professores, enfim, qualquer categoria ou qualquer segmento da sociedade pode ter a demanda ameaçada sob a ótica de uma visão peculiar de uma religião, porque não vai ser um argumento jurídico irracional sim um argumento religioso”, sintetiza.
Perdem os poderes e ganha Bolsonaro
A decisão de Davi Alcolumbre (DEM-AP) em levar mais de quatro meses para marcar a sabatina de Mendonça leva a especulações sobre a relação do novo ministro com o Poder Legislativo. Mas, para Raquel Machado, professora de Direito Eleitoral e teoria da Democracia da UFC, não há motivo para preocupação nesse sentido.
“Poderia ser, sim, um inimigo, mas ambos têm perfis políticos que podem levar à negociação”, resume.
Já Monteiro argumenta que a entrada de um ministro “terrivelmente evangélico” é uma perda simbólica para o Poder Judiciário.
“O próprio Judiciário vai ter a sua imagem desacreditada, deslegitimada em razão da atuação de um membro seu”, disse.
Inicialmente, a expectativa é de que Mendonça mantenha o alinhamento com o governo Bolsonaro, e será uma surpresa para a advogada caso ele mantenha a postura representada no Senado.
“Dada a proximidade da nomeação dele, eu acredito que deva votar conforme a priori nós pensamos. Ou seja, alinhado com o que Bolsonaro desejaria. Isso não depende de como o Bolsonaro vai estar no momento, porque o Bolsonaro não muda. Ele é o que ele é, então a gente não deve ter surpresas com relação ao posicionamento do André Mendonça nesses processos”, explica.
“Eu ficaria muito surpresa caso ele fosse republicano, caso o voto fosse um voto proferido com argumentação jurídica”, conclui.
Já Machado acredita que essa deva ser a postura inicial, a de alinhamento com o presidente. Contudo, o que mais preocupa, para ela, é o posicionamento religioso.
“Inicialmente, é provável que mantenha alinhamento com o presidente, mas logo perceberá sua independência e tenderá a julgar com menos influência política. A questão, no caso dele, é a força da influência religiosa que tende a ser permanente”, responde.