Secretário de fomento à cultura engana ao dizer que vacinas contra a covid são experimentais

O professor de infectologia da UFSC Daniel Mansur diz que o termo "experimental", citado na publicação do secretário de incentivo à cultura, foi usado pejorativamente, mas não deveria

18:39 | Nov. 22, 2021

Por: Projeto Comprova
Tuíte de André Porciuncula engana ao dizer que vacinas desenvolvidas para combater a covid-19 ainda são experimentais (foto: Projeto Comprova)

Enganoso: É enganoso o tuíte do secretário nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, André Porciuncula, contra as vacinas que combatem a covid-19. Diferentemente do que ele afirma, os imunizantes não são experimentais, mas, sim, comprovadamente eficazes e aprovados por órgãos de vigilância em saúde, como a Anvisa, no Brasil, a FDA, nos Estados Unidos, a EMA (Agência Europeia de Medicamentos), além da OMS.

Conteúdo verificado: Tuíte de André Porciuncula engana ao dizer que vacinas desenvolvidas para combater a covid-19 ainda são experimentais e, por esse motivo, promete impedir o passaporte da vacina nos projetos da Lei Rouanet.

Uma publicação feita no Twitter do secretário de Incentivo e Fomento à Cultura, responsável pelo orçamento da Lei Rouanet, André Porciuncula, engana ao afirmar que as vacinas contra o coronavírus não impedem a transmissão da covid-19. Além disso, a mesma postagem distorce a realidade ao afirmar que os imunizantes ainda estão em fase experimental.

As desenvolvedoras de vacinas Pfizer/BioNTech, Oxford-AstraZeneca, Instituto Butantan, Johnson & Johnson, Moderna e Fiocruz realizaram testes em milhares de voluntários. Com estes procedimentos científicos, todas conseguiram provar que a vacina consegue reduzir a transmissão e contaminação geradas pela covid, sem comprometer a saúde da população.

O conteúdo do tuíte também afirma que o passaporte da vacina gera uma “odiosa segregação, sustentada na falsa premissa de que a vacina impede a contaminação e a transmissão”. O documento, solicitado em algumas cidades do país, visa garantir mais segurança em espaços públicos em que um grande volume de pessoas se concentra, como shows e eventos.

A medida foi adotada diante dos avanços na flexibilização das atividades comerciais no país, gerada pela redução de contaminados e mortos após a imunização massiva dos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

André Porciuncula foi procurado pela reportagem, mas não deu retorno até a publicação deste texto. Diante dos dados imprecisos que induzem uma interpretação diferente do que é a realidade, o Comprova classificou como enganosa a publicação.

Como verificamos?

Inicialmente, fomos em busca de informações disponibilizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o processo de aprovação de uma vacina. Também checamos dados presentes no site da Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que vigia a saúde da União Europeia. Como amplamente já divulgado, os imunizantes não são experimentais. A mesma informação é reforçada a partir do acesso a todas as plataformas, onde fica explícito que metodologias rígidas e pautadas na ciência foram utilizadas.

Entrevistamos o especialista em vacinologia e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Odir Antonio Dellagonstin e o doutor em imunologia e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Daniel Mansur.

A reportagem também entrou em contato com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para checar quais eram os métodos adotados pelo órgão ao aprovar um imunizante para uso em território nacional. Até o momento não tivemos retorno.

Por fim, André Porciuncula, autor da postagem aqui verificada, foi contatado via e-mail. Até o momento da publicação desta matéria, não houve retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 22 de novembro de 2021.

Verificação

Diferentemente do que afirma André Porciuncula, as vacinas desenvolvidas pelas farmacêuticas Pfizer/BioNTech, Oxford-AstraZeneca, Instituto Butantan, Johnson & Johnson, Moderna e Fiocruz são comprovadamente eficazes contra a covid-19. A conclusão foi definida após testes em milhares de voluntários.

Em verificações anteriores, o Comprova também mostrou estar provado que as vacinas em uso contra o coronavírus são seguras e, se não impedem que 100% dos imunizados não se infectem ou transmitam, reduzem significativamente estes riscos. Dados atualizados sobre a proteção gerada pelos imunizantes foram explanados em uma matéria recente, publicada no UOL.

Um exemplo que ilustra o avanço da proteção gerada pelas vacinas é a Pfizer, que tem sido amplamente utilizada para dose de reforço. O imunizante consegue manter 95% de prevenção contra infecções.

Para os adolescentes entre 12 a 15 anos, a vacina da Pfizer tem eficácia de 100%, segundo o resultado de um ensaio clínico divulgado pela farmacêutica em 22 de novembro, cujos dados serão enviados para revisão dos pares.

A eficácia dos imunizantes foi analisada, ainda, por agências reguladoras de saúde de diversos países, incluindo a Anvisa, no Brasil, e a FDA, nos Estados Unidos. As avaliações focaram na maneira como os imunizantes foram produzidos, a partir de dados apresentados pelos laboratórios e um conselho feito por membros das instituições.

Além dessas instituições, a própria OMS tem avaliado, com base na segurança e eficácia dos imunizantes, quais entram para a lista de aprovados para uso. Diante das evidências apresentadas pelas empresas de fármacos a partir de estudos científicos, os imunizantes aplicados não podem ser considerados como experimentais.

Os testes foram elaborados para testar segurança e eficácia porque até então era preciso conter o número de infectados de forma segura, de modo que os sistemas de saúde não ficassem sobrecarregados.

Superada esta etapa, os voluntários continuam sendo acompanhados para responder a outras perguntas: quanto tempo dura a imunidade fornecida pela vacina? Qual a vantagem de se tomar doses de fabricantes diferentes? Qual a necessidade de uma dose de reforço?

Termo ‘experimental’ é equivocado

O professor de infectologia da UFSC Daniel Mansur diz que o termo “experimental”, citado na publicação do secretário de incentivo à cultura, foi usado pejorativamente, mas não deveria.

Mansur explica que todas as vacinas existentes passaram por fases experimentais, mas que isso “não significa que elas não tiveram todas as etapas de segurança checadas”.

O infectologista complementou ainda que os imunizantes são submetidos a etapas de segurança e que algumas das farmacêuticas têm mais de 30 anos de experiência no desenvolvimento de vacinas de RNA, o que garante protocolos eficientes.

“A partir do momento em que [a vacina] entra em circulação, ela deixa de ser experimental e vira algo comprovado. Então, penso que nesse sentido a conotação de experimental, como sendo de algo ruim, é o problema [da postagem], mas essa fase que as pessoas podem estar chamando de experimental é restrita às fases 1, 2 e 3 que são necessárias [antes da aprovação das vacinas]”, diz Mansur.

No Brasil, as vacinas da Pfizer-BioNTech e da Oxford-Astrazeneca, produzida no país pela Fiocruz, já receberam autorização definitiva para aplicação. Já os imunizantes do Instituto Butantan e da Johnson & Johnson receberam autorização emergencial que vale enquanto durar a pandemia.

Monitoramento permanente das vacinas

Todas as vacinas em uso no mundo — e não apenas as desenvolvidas contra o coronavírus — devem ser constantemente monitoradas para que a segurança seja contínua, segundo recomendações da OMS.

Sobre este assunto, o professor e vacinologista da UFPel Odir Dellagostin explica que após a aprovação do uso emergencial dos imunizantes, a avaliação segue para a fase quatro, em que indivíduos vacinados estão sob monitoramento para que seja possível detectar qualquer tipo de alteração dos dados observados durante os testes. Qualquer efeito adverso grave detectado é informado e investigado.

“Felizmente, estes efeitos adversos graves têm sido muito raros. A maioria, após investigação, acaba sendo descartado, ou seja, é identificado que estes efeitos não são decorrentes das vacinas. A segurança e a eficácia continuam sendo monitoradas de forma permanente, assim como ocorre com outras vacinas, mesmo as mais tradicionais”, diz.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal, as eleições ou a pandemia que tenham atingido alto grau de viralização. O post verificado alcançou 3,2 mil interações até o dia 22 de novembro.

A checagem de conteúdos como esse é importante, visto que a desinformação pode colocar a saúde das pessoas em risco. Como citado acima, ao contrário do que o post faz crer, a imunização é uma das principais formas para conter a pandemia.

O Comprova já checou outros conteúdos criticando as vacinas desenvolvidas para combater o coronavírus, como a live de uma médica afirmando que as vacinas são experimentais e a que afirmava de maneira falsa que os imunizantes seriam capazes de gerar HIV, câncer ou HPV, o que não procede.

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Esta investigação foi feita pelo UOL. A checagem da investigação foi realizada por O POVO, Estadão, Correio, Poder 360, Gaúcha Zero Hora e Folha.