Às vésperas de concurso, Governo do Ceará propõe mudar regras e reduzir recursos da Funsaúde

Proposta do Executivo, que também muda regras sobre diretoria, causou revolta entre deputados de oposição. Parlamentares acusam governo de "desmontar gestão da saúde" e diminuir autonomia da Funsaúde

Uma proposta do Executivo que muda as diretrizes da lei de criação da Fundação de Saúde do Ceará (Funsaúde) causou polêmica nesta quinta-feira, 14, na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Às vésperas do concurso da entidade, agendado para os dias 23 e 24 de outubro, deputados de oposição da Casa acusam o governo de tentar reduzir os recursos e retirar a autonomia da Fundação.

O PL tramitou em regime de urgência, mas a votação foi adiada após pedido de vistas da deputada Fernanda Pessoa (PSDB). Contudo, a matéria deve voltar ser discutida na próxima terça-feira, 19, pelas Comissões da Casa. Na quarta-feira, 20, o texto retorna ao plenário. 

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Em 24 de março de 2020, a criação do Funsaúde foi sancionada pelo governador Camilo Santana (Lei 17.1786/2020). Em junho deste ano, o petista anunciou a publicação do edital do concurso no Diário Oficial do Estado. As inscrições ocorreram entre os dias 12 de julho e 19 de agosto. Com mais de 6 mil vagas e 160 mil inscritos, o certame da Funsaúde oferece cargos de assistência à saúde e cargos administrativos de nível médio e nível superior.

O embate se deu na manhã desta quinta, após o início da tramitação de um projeto de lei do governo estadual que sugeriu, em regime de urgência, modificações no texto sancionado originalmente no ano passado. Após a leitura das mudanças sugeridas em alguns parágrafos, deputados defenderam tentativa do Executivo de retirar a autonomia do Funsaúde, ficando a fundação mais dependente da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e da administração governista.

Um dos termos retirados da proposta original permitia à fundação  “gozar de autonomia administrativa, financeira e patrimonial” e de “reger o seu pessoal pela legislação trabalhista, com admissão mediante concurso público e quadro de pessoal aprovado pelo seu Conselho Curador”. Agora, os destaques foram substituídos por um parágrafo único que condiciona a prestação de serviços pela Funsaúde à prévia autorização da Sesa, “cujo ato poderá especificar as condições e os limites em que se dará a respectiva contratação”.

A mudança do texto base também determina que a fundação preste apoio administrativo e operativo às Comissões Intergestores Regionais (CIR), porém, coordenado pela Sesa. Também sob tutela da pasta, ela poderá realizar atividades de caráter científico e tecnológico, de desenvolvimento de produtos, serviços e processos na área da saúde.

Em outro artigo, é retirada a vedação para qualquer indicação para Conselho Curador, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal da fundação. A alteração determina que todos os cargos, durante o mandato, poderão ser substituídos por ato do governador, podendo estes serem desligados mediante renúncia voluntária ou perderem o cargo.

Antes, para a Diretoria Executiva, setor constituído por no mínimo três e no máximo cinco cinco diretores, com prazo de gestão de dois anos, era permitido três reconduções, indicados pelo secretário de saúde e designados pelo governador, observados alguns requisitos, como uma avaliação de seu desempenho, principalmente no tocante ao cumprimento de metas qualitativas e quantitativas estabelecidas no contrato estatal de serviços.

A regra, todavia, foi substituída e reduzida em parágrafo único para que membros da Diretoria Executiva, inclusive seu Diretor-Presidente, durante o mandato, possam ser substituídos por ato do Executivo, ignorando as regras de desempenho e possibilidade de recondução. Outro dos pontos mais polêmicos disserta sobre a redução da transferência financeira, de R$ 15 milhões para até R$ 10 milhões para composição do patrimônio inicial da Funsaúde.

Além disso, a nova proposta do governo estadual revoga o parágrafo único de outros artigos da proposta inicial. Duas delas referem-se às representações desconcentradas da fundação, as Agências Regionais de Saúde (ARS). Os setores atuariam em serviços de saúde estaduais situados geograficamente no âmbito de cada região de saúde, nos termos do estatuto social, e prestar apoio aos municípios e consórcios da região. O terceiro veto deixa indefinido o dia para a celebração do primeiro contrato de serviço, alegando que a ação deve acontecer no máximo em 180 dias, a contar da data da instalação e do funcionamento da Funsaúde. 

O conjunto de mudanças e o considerável corte de verbas abre questionamento sobre uma possível perda da capacidade do Funsaúde de realizar serviços e manter uma boa tabela remuneratória, além de um satisfatório número de hospitais a serem administrados, já que a proposta inicial já tinha sido debatido com órgãos governantais e as categorias da área da saúde.

“A fundação tinha critérios de mandato e avaliação de desempenho. Isso foi substituído para virar assessoria da Sesa. Perdeu a capacidade de aferição de política pública. Perde critérios objetivos e republicanos. O mandato garantiria uma autonomia da função e acomodações políticas. Nota-se que a atual gestão está desmontando a gestão anterior para acomodação”, criticou o deputado Renato Roseno (PSOL). 

Em defesa, o líder do governo na AL, deputado Júlio Cesar Filho (Cidadania), argumentou que as proposições seriam para "adequar (a fundação) à realidade", possibilitando manter uma política de saúde. "Está readequando algumas ações que a instituição da Funsaúde, aprovada recentemente nesta Casa, trouxe", disse. Ainda segundo o parlamentar, a administração atual da secretaria de Saúde "viu a concorrência de entes da fundação com as da regulação através das Coordenadorias Regionais de Saúde". A urgência, segundo Júlio, seria para não "prejudicar o concurso já anunciado". 

O discurso, porém, não convenceu a oposição. “É evidente que há uma mudança na gestão da saúde. A Seplag (Secretaria do Planejamento e Gestão) disse que não havia nenhum problema e insegurança com o concurso. Quem está gerando insegurança são vocês que aprovaram a lei, aprovaram a fundação, construíram sua diretoria, abriram edital, inscreveram 160 mil candidatos, disseram ao Brasil que haveria 6 mil vagas e agora estão dizendo, 'olha não é bem assim', 'não tinha o dinheiro', 'a fundação que era pra ter mandato não vai ter mais mandato não’”, criticou Roseno, em fala na tribuna da AL. 

"Diante do momento que nós vivemos e dessa grande expectativa que foi gerada com esse concurso e da forma que ele foi construído, a gente chegar aqui para votar urgência contra tudo que foi construído com tantas pessoas? Eu acho que não seria coerente da nossa parte. Não é momento de votar urgência sem rever tudo que foi pactuado com o ex-secretário, com o Conselho de Saúde Estadual e todas as entidades da saúde”, endossou o deputado Carlos Felipe (PCdoB).

Para o deputado Heitor Férrer (SD), as mudanças no projeto contradizem a formação da Funsaúde, elaborada após ampla discussão no Legislativo. "A fundação foi gestada pelo governo por vários meses e discutida em audiência pública. Eu acho que, em respeito ao plenário e às categorias médicas, nós temos que fazer uma audiência pública sobre essas mudanças da fundação. O governo mandaria seus técnicos para dizer porque vai mudar. Eu votei com louvor nessa Funsaude e, de repente, o governo muda de posição?”, indagou.

Em nota, a Sesa afirmou que o projeto enviado à AL-CE não está reduzindo ou ampliando o número de vagas do concurso da Funsaúde. “A mensagem tem o objetivo de reposicionar o funcionamento e aperfeiçoar a estrutura administrativa da Funsaúde”, diz a pasta.

*matéria atualizada às 21h15min

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