Vetos de Bolsonaro à distribuição de absorventes não se sustentam, diz especialista
Professora de Direito explica que justificativas do presidente para barrar distribuição gratuita de absorventes pelo Estado falham na fundamentaçãoA negativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em aderir aos trechos do projeto que possibilitava distribuição gratuita de absorventes higiênicos para meninas e mulheres em situação de extrema vulnerabilidade social não se sustentam, argumenta a professora de Direito Financeiro e Tributário Nina Pencak.
O mandatário sancionou nesta quinta, 7, uma lei que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei nº 14.214/21). Todavia, Bolsonaro vetou os principais pontos da medida, incluindo o que previa a distribuição gratuita dos itens de higiene pessoal básica para meninas em idade escolar, mulheres em situação de rua e apenadas.
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Para os vetos, Bolsonaro sustentou haver incompatibilidade do serviço com os locais de ensino, já que a medida indicava entrega dos materiais também nas escolas públicas. O chefe do Executivo ainda diz que não foi indicada a fonte de custeio ou medida compensatória para viabilizar a distribuição.
A falta de informação sobre quanto o programa custaria aos cofres públicos causaria uma violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, defendeu o veto. Bolsonaro também disse faltar no texto informações sobre como haveria compensação financeira com o novo gasto.
A Lei Complementar nº 79/94, que institui o Fundo Penitenciário Nacional e prevê, dentre outras coisas, recursos para manutenção de estrutura mínima para mulheres encarceradas, ainda não tem indicação de valores para custeio do programa, diz a negativa.
No que se refere aos recursos, a especialista rebate o que diz o presidente, afirmando que a nova lei aponta receitas do SUS e do Fundo Penitenciário para a distribuição dos absorventes. A docente explica que não é obrigatório indicar medidas compensatórias na Lei de Responsabilidade Fiscal na criação de ações governamentais.
Já a Lei Complementar nº 79/94 pressupõe o uso do Fundo Penitenciário para manutenção de serviços e realização de investimentos penitenciários, categoria que a aplicação de recursos na saúde das mulheres e pessoas que menstruam se encaixa, afirma Pencak.
O presidente também barra a distribuição afirmando que a proposta contraria o interesse público e fere o principio de universalidade e isonomia do SUS (Sistema Único de Saúde), já que o material seria destinado a um público restrito e não ao todo da população.
Sobre isso, a professora explica que a Constituição brasileira e a lei do SUS (PL nº 4.968/2019) estabelecem a saúde como direito fundamental a ser garantido pelo Estado. Dessa forma, a justificativa de Bolsonaro, indicando que o Programa violaria princípios do Sistema Único de Saúde, não tem fundamento.
“Ora, o acesso a itens que protejam a saúde menstrual da mulher e pessoas que menstruam deve ser considerada uma questão de saúde pública e, como todas as questões atinentes à saúde pública, não afetam a população brasileira de forma homogênea”, lembra a especialista em Direito tributário.
"Pelo país, diversos programas de saúde beneficiam públicos específicos da sociedade, sem que isso fira o principio da universalidade ou igualdade", complementa.
“Relembro, ainda, que o combate à pobreza menstrual significa beneficiar não só as pessoas que menstruam, mas toda a sociedade com um passo rumo ao avanço civilizatório”, diz Pencak, que também é co-fundadora do coletivo jurídico Elas Discutem.
O parecer da proposta apresentado na Comissão de Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados indica que o programa beneficiaria 26,1 milhões de mulheres e teria um custo mínimo de R$ 1,8 bilhão. “Os números assustam, mas esse valor substancia 1% do orçamento destinado à saúde ou à seguridade social em 2021”.
O texto publicado nesta quinta no Diário Oficial da União obriga o poder público a promover campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a saúde da mulher, e autoriza os gestores da área de educação a realizar os gastos necessários para o atendimento da medida. Os vetos do presidente ainda serão analisados pelo Congresso Nacional, podendo ser mantidos ou derrubados.