Venezuela elimina seis zeros de sua moeda pela hiperinflação
Acompanhando a medida, que entrou em vigor nesta sexta-feira, entra em circulação um nova linha monetária (conjunto de notas e moedas), com uma moeda de um bolívar e notas de 5, 10, 20, 50 e 100A cotação oficial do dólar passou de 4,18 milhões de bolívares na quinta-feira (30) para 4,18 nesta sexta-feira (1). Recuperação milagrosa da moeda da Venezuela? Não... O país caribenho, atolado na hiperinflação, removeu seis zeros para facilitar as operações.
"Tudo expresso na moeda nacional se dividirá em um milhão", comunicou o Banco Central da Venezuela (BCV) ao anunciar a terceira reconversão realizada neste país em crise desde 2008. Em treze anos, 14 zeros foram eliminados do bolívar.
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Acompanhando a medida, que entrou em vigor nesta sexta-feira, entra em circulação um nova linha monetária (conjunto de notas e moedas), com uma moeda de um bolívar e notas de 5, 10, 20, 50 e 100.
A denominação máxima será equivalente a cerca de 24 dólares de acordo com as taxas do BCV.
A maior nota da velha família, de um milhão, mal representa 25 centavos de dólar e não compra nem uma bala. Ela permanecerá em circulação com as novas por alguns meses.
A situação reflete "a pouca capacidade que os atores econômicos da Venezuela têm para controlar a hiperinflação", um fenômeno que "empobreceu muito a população", comentou à AFP Luis Arturo Bárcenas, economista da empresa Ecoanalítica.
Três em cada quatro famílias venezuelanas estão na extrema pobreza, com renda insuficiente para cobrir suas necessidades alimentares, de acordo com os resultados da Pesquisa Nacional de Condições de Vida, coordenada por uma das principais universidades do país, divulgada na quarta-feira.
A primeira reforma do bolívar foi lançada pelo ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), que retirou três zeros da moeda.
Seu sucessor, Nicolás Maduro, empreendeu uma nova em 2018, com cinco zeros a menos, e agora tira mais seis zeros da equação apenas três anos depois.
A inflação, projetada em 1.600% em 2021 pela Ecoanalítica, tem sido destrutiva, e combinada com desvalorizações gigantescas e depreciações constantes, 73,34% só este ano, esvaziou o bolívar de valor.
Tudo isso levou a uma dolarização informal, na medida em que os venezuelanos tentam proteger sua renda com a moeda estrangeira, que Maduro chamou de "válvula de escape" em um país que está em recessão há oito anos.
Embora o líder socialista não tenha suspendido formalmente o controle cambial imposto em 2003, ele foi forçado a flexibilizá-lo devido ao colapso da receita do país causado pela queda da indústria do petróleo e às restrições de financiamento devido às sanções do Estados Unidos para tentar retirá-lo do poder.
Os bancos locais, apesar das limitações, têm permissão para movimentar dólares após uma proibição de 15 anos. Dois terços das transações na Venezuela são feitas em dólares, segundo a Ecoanalítica.
Nas 24 horas anteriores à reconversão, o dólar disparou no mercado paralelo que surgiu em resposta aos controles cambiais, embora tenha permanecido estável nos preços oficiais do BCV.
As taxas de câmbio paralelas dispararam de 4,3 milhões de bolívares por dólar para mais de 5 milhões.
Com medo de problemas operacionais devido à reconversão, muitos comércios em Caracas limitaram as transações em bolívares, a grande maioria com cartões de débito ou transferências bancárias devido à falta de dinheiro.
O governo de Maduro pediu calma.
"(O bolívar) não vai valer mais, não vai valer menos, é apenas uma escala monetária que estamos aplicando suprimindo seis zeros para facilitar as transações", disse a vice-presidente Delcy Rodríguez na segunda-feira.
O presidente Nicolás Maduro fala em "bolívar digital", pedindo a "digitalização" total dos pagamentos. Essa ideia é uma rendição antecipada, afirma Luis Arturo Bárcenas, da Ecoanalítica.
"Certamente não haverá caixa suficiente (...). Está reconhecendo que não tem capacidade de emitir todas as notas do bolívar de que precisa", explica o economista.
As reconversões eram comuns na América Latina, especialmente em tempos de hiperinflação em países como Argentina, Brasil e Peru nas décadas de 1980 e 1990.
Cédulas em desuso viram brinquedo nas mãos de crianças
Sentados em semicírculo em um povoado de pescadores da Venezuela, crianças brincam com fardos de bolívares, a moeda nacional, pulverizada pela inflação mais alta do mundo.
A cena ocorre em uma rua de Puerto Concha, um povoado caloroso no estado Zulia (oeste), fronteiriço com a Colômbia, onde para muitos o bolívar é história: três reconversões monetárias desde 2008 eliminaram 14 zeros da moeda.
As cédulas servem para fazer coroas e outros objetos, além de serem usadas pelas crianças para brincar.
"Se você colocar cem, ganha cem", explica uma menina que coordena a partida de Ajiley, um jogo de cartas muito popular na Venezuela, ao qual os pequenos fizeram uma adaptação divertida, negociando os prêmios com estas cédulas inúteis, que guardam em uma caixa de papelão em formato de violão, com a tampa pintada com as cores da bandeira da Venezuela.
O bolívar se desvalorizou 72,54%em 2021 e na sexta-feira passará por uma nova reconversão na qual vai perder seis zeros.
Mas em Puerto Concha pouco ou nada importa a moeda nacional. Nos últimos anos, familiarizaram-se mais com os pesos colombianos, que usam diariamente.
"Aqui o bolívar já virou história", reforça Jonatan Morán, de 32 anos, que trabalha em um sítio, do mostruári de um armazém repleto de produtos colombianos, mais baratos do que os locais.
"Nem conheço o novo bolívar que saiu, nem gostaria de conhecê-lo. Para que?", pergunta-se, taxativo, em conversa com a AFP.
Há moradores em Puerto Concha que lembram que antes da reconversão decretada pelo presidente Nicolás Maduro em 2018, a segunda da era chavista, muitos saíam com baldes repletos de notas para fazer compras no supermercado.
- Bolívares "de lembrança" -
Com essa nova "reexpressão" monetária, "a Venezuela passa a ser o país da América Latina que mais eliminou zeros de sua moeda", diz o economista José Manuel Puente, convencido de que em alguns meses se repetirá o ciclo e o novo bolívar ficará ultrapassado mais uma vez.
Esta instabilidade expandiu o uso do peso colombiano nos estados fronteiriços, enquanto o país vive uma dolarização de fato, que embora contradiga a "narrativa antiianque" do chavismo, afirma Puente, é vista como "válvula de escape" diante de uma economia com oito anos de recessão e quatro de hiperinflação.
Por ser uma região vizinha da Colômbia, muitos costumam trocar dólares por pesos em Puerto Concha, pois lhes facilita as compras no varejo, algo que não acontece com a moeda americana, pois a dolarização informal limita o fluxo de cédulas de baixo valor e complica as operações.
"Agora é mais vantajoso o peso do que o bolívar, porque o bolívar não dá conta", relata María Martínez, vendedora de loteria de 38 anos, que esconde o rosto com um casaco para se proteger do sol.
O uso do bolívar ficou praticamente restrito a operações com cartões de débito, devido à escassez crônica de dinheiro vivo, necessário para as principais atividades no povoado: a pesca, a pecuária e o cultivo de bananas.
Não há cifras da quantidade de pessos colombianos que circulam na economia venezuelana. Ao contrário, estimativas do setor privado consideram que no país as transações em dólares abrangem 70% das operações.
Desta terceira reconversão, Maria, mãe de três filhos, sabe apenas "o pouquinho que se vê nas notícias". Também não pensa trabalhar com a moeda oficial "porque o bolívar está desvalorizado".
Embora aceite pagamentos em bolívares de forma eletrônica, Hugo Fernandes, dono de uma loja de mantimentos, diz que conheceu uma das últimas cédulas graças a turistas que viajaram de Caracas há quatro meses.
"Nós as guardamos como lembrança porque não as tínhamos visto e agora vão trocá-las outra vez", comentou o comerciante de 24 anos, que se sente mais confiante em trabalhar com peso colombiano. "Pelo menos é mais estável", conclui.
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