Como as divergências políticas contaminam as Olimpíadas até na hora de torcer

Apesar de esporte e política serem indissociáveis, há casos, como o de Rayssa, em que a discussão amarrada ao campo afetivo demonstra prejuízos à relação

11:38 | Jul. 27, 2021

Por: Vítor Magalhães
Rayssa Leal, a Fadinha, fatura prata no skate street em Tóquio-2020 (foto: JEFF PACHOUD / AFP )

Nem a conquista histórica da skatista Rayssa Leal, 13, medalha de prata na Olimpíada de Tóquio, no Japão, foi capaz de amenizar a discussão passional na qual o debate político no País está amarrado. Ao comemorar a medalha em seu perfil nas redes sociais, foram comuns os comentários que a criticavam ou cobravam posicionamento político da atleta de apenas 13 anos de idade.

Em um dos espectros políticos termos como “comunista” e “de esquerda” eram usados para adjetivar Rayssa. Do outro, uma cobrança dizia: “Acho que com 13 anos a pessoa já tem discernimento em saber qual presidente apoiar. Ela pode não votar, mas acho super necessário saber quem ela apoia antes de fazer dela um ídolo”.

Isso é DOENÇA! pic.twitter.com/6HqTtPU3tq

— Kim Kataguiri (@KimKataguiri) July 26, 2021

Enquanto isso, os representantes da polarização política da vez, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Lula (PT), comemoraram a conquista de Rayssa no Skate. “Parabenizo a jovem Rayssa Leal pela medalha de prata, orgulho para todos nós brasileiros”, disse Bolsonaro. Lula, por sua vez, celebrou a conquista no Twitter: “Fim de semana foi agitado… É bronze no judô e prata no skate! Vai, Brasil!”, escreveu.

- Por ter sido incluído nas Olimpíadas reduzi, em 20 de abril último, o imposto de importação dos skates de 20% para 2%.

- Parabenizo a jovem Rayssa Leal pela medalha de prata, orgulho para todos nós brasileiros.

— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) July 27, 2021

Fim de semana foi agitado… É bronze no judô e prata no skate! Vai, Brasil! #equipeLula

Foto: Ricardo Stuckert pic.twitter.com/NgW4KdeKe2

— Lula (@LulaOficial) July 25, 2021

Apesar de esporte e política serem indissociáveis, há casos, como o de Rayssa, em que a discussão amarrada ao campo afetivo demonstra prejuízos a essa relação, fazendo com que a comemoração pela conquista de um representante esportivo seja condicionada a um posicionamento político que o próprio atleta ou seu grupo, muitas vezes, sequer expressou.

Seguindo a lógica mecanicista, desejar a vitória de fulano tornou-se sinônimo de bolsonarismo; comemorar a medalha de sicrano passou a ser sinal de proximidade com a esquerda. Quando boa parte dos envolvidos é apenas um torcedor. Há exemplos similares ao de Raysse e mais antigos.

A vida é triste. Mas deve mais triste para quem condiciona tudo a política - e política ruim ainda por cima.

“Deixa eu ver se posso gostar dessa música ou pedir comida nesse restaurante. Deixa eu ver se os bandidos q eles gostam são os mesmos q eu gosto”

Puta escravidão mental. pic.twitter.com/hLcMXqiV5b

— Danilo Gentili (@DaniloGentili) July 26, 2021

Cleyton Monte, cientista político vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política Eleições e Mídia (Lepem-UFC), reforça ser impossível distanciar política e esporte. "Esporte é uma política pública. O que destaca os países que se saem melhor na olimpíada, são os países com políticas públicas para o desenvolvimento do esporte", aponta.

Sobre a polarização, Monte diz ainda que era "previsível que ocorresse. "Como a olimpíada canaliza as atenções e pelo contexto de paixão política e exacerbação dos ânimos no País, era natural que esse debate ocorresse. Essas talvez sejam as olimpíadas com a relação mais próxima com a política partidária", destaca.

O pesquisador diz ainda que há uma "instrumentalização do debate" para defender interesses individuais. Um deputado sugeriu o trabalho infantil porque Rayssa conseguiu medalha aos 13 anos, outros cobram um posicionamento político, uma militância. Ela está lá brincando, curtindo, é uma criança. Nesse caso, as críticas e cobranças dizem muito mais sobre os desejos e frustrações de quem está falando.

A seleção masculina de Vôlei talvez seja o exemplo mais expressivo de um time com fama de bolsonarista por ações individuais, dentro e fora das quadras, de alguns representantes.

A associação a Bolsonaro ganhou força ainda na campanha eleitoral de 2018, quando, ao comemorar uma vitória, os jogadores Maurício Souza e Wallace posaram para foto fazendo o número 17, com os dedos, em referência ao então candidato Bolsonaro. Na ocasião, imagens foram publicadas em rede social da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e posteriormente removidas. Não foi suficiente para amenizar.

Outra ação, em janeiro deste ano, teve o técnico Renan Dal Zotto e um dirigente da CBV, posando para foto segurando uma camisa da seleção com o nome de Arthur Lira (PP-AL). Um mês depois, Lira disputou e venceu, com o apoio de Bolsonaro, a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. À época, Dal Zotto se explicou em vídeo. “Nunca me envolvi em política. É uma ação de marketing que a CBV faz há muitos anos, presenteando autoridades”.

Em contrapartida, um dos integrantes da seleção brasileira de vôlei, o jogar Douglas Souza, está sendo aclamado nas redes sociais pelas postagens bem humoradas; somando mais de 2 milhões de seguidores desde o início dos jogos.