Caso Covaxin: entenda como a PGR vai investigar se Bolsonaro cometeu crime de prevaricação

Nesta sexta-feira, a PGR instaurou inquérito para apurar se o presidente prevaricou ao não comunicar irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin

20:08 | Jul. 02, 2021

Por: Maria Eduarda Pessoa
Deputado federal Luis Miranda e Jair Bolsonaro em encontro no dia 20 de março de 2021. Na ocasião, o deputado teria alertado o presidente sobre supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin (foto: Divulgação/Luis Miranda )

A Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou nesta sexta-feira, 2, inquérito para apurar se o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) prevaricou ao não comunicar à Polícia Federal as denúncias de supostas irregularidades no processo de compra da vacina indiana Covaxin.

O servidor de carreira do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Fernandes Miranda, relatou "pressão atípica" para autorizar o pagamento à empresa que intermediava compra de 20 milhões de doses do imunizante produzido pela Barath Biotech.

O comunicado foi feito a Bolsonaro por meio do servidor e de seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), em reunião no dia 20 de março, no Palácio da Alvorada. Na ocasião, o presidente teria dito que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, o que não aconteceu.

"Cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências", escreve o vice-procurador-geral da República, Humberto Jaques de Medeiros, na manifestação encaminhada nesta sexta-feira ao STF.

A decisão de abrir o inquérito atende a uma notícia-crime apresentada à Suprema Corte nesta segunda-feira, 28, pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid; Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO). A manifestação da procuradoria foi informada ao STF, encaminhada à ministra Rosa Weber, e o prazo sugerido para as investigações é de 90 dias.

A prevaricação é uma infração prevista no artigo 319 do Código Penal brasileiro e determina pena de três meses a um ano de prisão e multa. Segundo a legislação, o crime ocorre quando um funcionário público "retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal". Nesse caso, o que se discute é a suposta não comunicação de eventual irregularidade que deveria ser investigada.

Entenda os pontos em que a PGR investigará Bolsonaro por suposta prevaricação:

1. Depoimento dos irmãos Miranda à CPI da Covid

A base da notícia-crime apresentada pelos senadores Randolfe Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru são os depoimentos prestados no último dia 25 de junho pelo deputado federal Luis Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde. Ricardo Miranda alega ter sofrido "pressão atípica"  para autorizar o pagamento de 20 milhões de doses da vacina indiana, negociada com uma empresa brasileira que intermediava a aquisição, a Precisa Medicamentos. A empresa tem como sócio o empresário Francisco Maximiano, que teria relações próximas com o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

2. Denúncia à PF e envolvimento do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros

Ainda segundo os irmãos Miranda, em depoimento à CPI, Bolsonaro teria dito que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso. A abertura do procedimento, no entanto, não foi identificada até o dia 24 de junho, ocasião em que a CPI fez a apuração. O dia foi a véspera do depoimento dos irmãos Miranda à comissão, quando as denúncias feitas por eles já eram de conhecimento público.

O inquérito só veio a ser aberto pela PF no dia 30 de junho, após a CPI ter levantado indícios de irregularidades na transação.

Ainda segundo o depoimento dos irmãos Miranda e conforme aponta o documento da PGR, na reunião realizada em 20 de março no Palácio da Alvorada, Bolsonaro teria relacionado as supostas irregularidades ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara.

3. Envolvimento do então ministro Saúde Eduardo Pazuello 

Na manifestação protocolada pela PGR ao STF nesta sexta-feira, a procuradoria destaca que o então titular do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello, também teriam sido alertado das supostas irregularidades durante uma viagem oficial.

4. Possível prevaricação

No entendimento da PGR, não está claro qual funcionário público incorreu em prevaricação ao não comunicar o caso para ser investigado. A procuradoria afirma que há "dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação".

A procuradoria vê ainda "ausência de indícios que possam preencher o (...) elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato". Ou seja, não identificou até aqui interesses pessoais na não-comunicação das irregularidades. Ainda assim, o órgão avalia que é preciso esclarecer que providências foram tomadas pelas autoridades após a denúncia dos irmãos Miranda.

Próximos passos

A PGR pede autorização do STF para que a Polícia Federal solicite informações à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Procuradoria da República no Distrito Federal, e em especial à CPI, para compartilhamento de provas. A partir das informações obtidas, a procuradoria deve deliberar se cabe ou não abertura de ação penal com relação a esse caso. A PF também deve produzir provas por conta própria e apurar se houve omissão e dolo para satisfazer interesse pessoal.