Caso Juliana Paes: como o fantasma do comunismo demoniza opositores e prejudica os debates

A atriz global, em vídeos nas redes sociais, afirmou não concordar com "ideais arrogantes de extrema-direita" ou com "delírios comunistas da extrema-esquerda". A chamada "ameaça comunista" foi um dos catalisadores para o golpe militar de 1964 no Brasil

Um vídeo publicado pela atriz Juliana Paes nas redes sociais gerou polêmica e reacendeu discussões antigas no Brasil. Após ser criticada por defender a médica Nise Yamaguchi, a artista divulgou vídeo intitulado "carta a uma colega", em que distanciou-se tanto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), afirmando não ser “bolsominion", quanto da extrema esquerda, que segundo ela padece de "delírios comunistas".

A - inexistente - “ameaça comunista” foi um dos catalisadores para o golpe militar de 1964 no Brasil, que derrubou o então presidente João Goulart, o Jango, e deu início a 21 anos de repressão no País. Entretanto, estudiosos do tema apontam que o risco do comunismo era inexistente, tanto porque Goulart não era comunista quanto pela fragmentação de movimentos e forças de esquerda. A falta de articulação desses atores para reagir ao início da ditadura militar reforça esses pontos.

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Do mesmo modo, a ameaça comunista foi usada como justificativa para a implantação do Ato Institucional 5 (AI-5), o mais repressivo da ditadura. Atualmente, a narrativa de guerra contra o comunismo no Brasil é uma das marcas do presidente Bolsonaro e do seu entorno. Desde a campanha eleitoral de 2018, era possível constatar no discurso do então candidato termos como “extrema esquerda” e “ameaça comunista”. Segundo ele, seriam grupos com o objetivo de transformar o Brasil numa Venezuela; país que vive grave crise há anos.

No governismo, nomes ligados a Bolsonaro protagonizaram atritos com a China, maior parceiro comercial do Brasil, e seguiram a tendência de crítica ao comunismo. O ex-chanceler Ernesto Araújo apelidou a Covid-19 de comunavírus e recentemente disse que: "A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de 'solidariedade' encarregada de vigiar e punir".

Cleyton Monte, cientista político vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), destaca que a narrativa é um recurso discursivo “muito acionado para demonizar opositores e evitar debates”. “Nunca tivemos no Brasil uma corrente comunista forte, nem mesmo um apoio da sociedade para isso. O que houve foi a utilização desse termo para mobilizar o medo das pessoas. Podemos voltar além de 1964. Vargas usou esse recurso em 1937 para decretar o Estado Novo, alegando ameaça de um plano comunista”, lembra.

Segundo Monte, a República, de 1946 a 1964 (o ano de início da ditadura militar), foi tomada pelo medo do comunismo. “Jango caiu por esse medo, mesmo não tendo nada de comunista”, pontua, acrescentando que após a redemocratização (1988), a disputa entre PT e PSDB serviu para neutralizar esse discurso. Para ele, o retorno do debate ocorre a partir da crise na gestão da ex-presidente Dilma, quando grupos aproveitam a instabilidade para reviver o tema.

O pesquisador destaca ainda que o discurso de ameaça comunista é forte em bolhas. “A bolha da Juliana Paes, de uma classe média ou média-alta. A classe artística também, onde alguns tentam jogar neutralidade, mas quando se posicionam são massacrados nas redes sociais”, afirma, alegando que a atriz, ao usar o termo "delírios comunistas" no contexto da esquerda brasileira, “demonstra desconhecimento e falta de uma fundamentação histórica e política”.

Por fim, ele reforça que não há extrema esquerda com força no Brasil. "O que poderia ser colocado nisso seriam grupos que defendem revolução ou reformas radicais no sistema, PCO e PSTU, por exemplo. Nesse momento, o Brasil não tem forças de extrema esquerda. Temos uma esquerda democrática, institucionalizada, mas uma extrema esquerda com capilaridade e representação social na política, isso não há”, encerra.

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