Mayra usou informações falsas na CPI da Covid para defender cloroquina, diz agência

Segundo a agência de checagem Aos Fatos, ao todo, a secretária do governo de Jair Bolsonaro disse sete mentiras, um exagero e três imprecisões

13:17 | Mai. 26, 2021

Por: Filipe Pereira
Brasilia em 25 de maio de 2021, Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPIPANDEMIA) realiza depoimento da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. ..Os parlamentares querem mais informações sobre a aquisição e distribuição de comprimidos de cloroquina pelo Ministério da Saúde, inclusive para Manaus e para o estado do Amazonas, que tiveram colapso no sistema de saúde no início deste ano, culminando com a falta de oxigênio nos hospitais. De acordo com os requerimentos, questões relativas a isolamento social, vacinação, postura do governo, estratégia de comunicação e omissão de dados também devem ser abordadas pelos senadores. ..Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, responde questionamento sobre aplicativo TrateCov...Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado (foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Em depoimento à CPI da Covid-19 no Senado nesta terça-feira, 25, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, usou informações falsas para defender a sua gestão e o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com a infecção pelo novo coronavírus. É o que afirma a agência de checagem Aos Fatos. Ao todo, a pediatra disse sete mentiras, um exagero e três imprecisões.

Confira os pontos:

FALSO: O Ministério da Saúde nunca indicou tratamentos para a Covid-19.

Na prática, as notas citadas por Mayra Pinheiro neste trecho do depoimento indicavam o "tratamento precoce" contra a Covid-19, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão colegiado que fiscaliza as ações do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, Pinheiro assinou um ofício com data de 7 de janeiro em que pede à Secretaria Municipal de Saúde de Manaus que possa visitar UBSs (Unidades Básicas de Saúde) “para que seja difundido e adotado o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença”.

Segundo o Aos Fatos, em visita a Manaus no dia 4 de janeiro deste ano, a médica também indicou as medicações. “Peço de novo a todos os profissionais que trabalham nas Unidades Básicas de Saúde, aos médicos das unidades de pronto-atendimento, que prescrevam, após diagnosticarem clinicamente, o 'tratamento precoce'. Ele pode salvar vidas”.

O uso de drogas sem eficácia comprovada contra a Covid-19 também foi orientado pelo Ministério da Saúde pelo aplicativo TrateCov, que recomendava indiscriminadamente as medicações e foi desenvolvido pela secretaria comandada por Pinheiro.

FALSO: A hidroxicloroquina é eficaz como tratamento no início da Covid-19.

Estudos feitos desde o ano passado mostram que, além de não impedir o agravamento da doença, o remédio pode até aumentar a mortalidade de pacientes. Por mais que tenha se mostrado eficaz em uma primeira etapa de estudos conduzidos com células in vitro (em laboratório), a hidroxicloroquina não obteve o mesmo desempenho nos testes clínicos em seres humanos. Em julho do ano passado, o medicamento foi excluído de protocolos clínicos da OMS e do governo americano por não apresentar resultados positivos no tratamento da infecção.

Segundo a agência, uma metanálise publicada em abril deste ano na revista Nature com dados de 28 testes clínicos conduzidos com hidroxicloroquina e cloroquina mostrou que, além de ineficaz, o primeiro medicamento pode aumentar o risco de mortalidade. Isso porque a droga, em especial quando usada indiscriminadamente, pode causar uma série de complicações cardíacas. De acordo com a OMS, não há até o momento nenhuma droga capaz de prevenir ou tratar casos leves de Covid-19

FALSO: 22 pacientes acompanhados em estudo sobre a cloroquina em Manaus morreram por causa de doses tóxicas de cloroquina.

As mortes não têm relação comprovada com a droga e teriam ocorrido em decorrência da Covid-19. É FALSO ainda que este mesmo estudo só tenha obtido o aval da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para ser executado depois que já estava pronto. A autorização foi concedida em 23 de março de 2020 e a pesquisa foi iniciada logo em seguida.

A comissão analisou as condições da pesquisa conduzida no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, em Manaus (AM), que avaliou duas dosagens de cloroquina, uma alta (12g em dez dias) e uma baixa (2,7g em cinco dias), em pacientes internados em estado grave por duas semanas. Durante o experimento, 22 pacientes morreram de síndrome respiratória aguda ou septicemia, consequências da Covid-19. Desses, onze tomaram a dose mais alta.

Após analisar a documentação, incluindo atestados de óbito, e de promover audiências com os pesquisadores, a Conep concluiu que não havia relação direta das dosagens da droga com as mortes.

FALSO: O aplicativo TrateCov, que receitava cloroquina e hidroxicloroquina contra a Covid-19, não tenha sido lançado.

Em cerimônia no dia 11 de janeiro em Manaus, a própria secretária anunciou que a plataforma já estava disponível no site do Ministério da Saúde. "Então, a partir deste momento, nas plataformas do ministério, vocês já podem baixar o aplicativo, os gestores já podem demandar a utilização pelos seus profissionais que estão lá na ponta atendendo, sobretudo nas UBSs [Unidades Básicas de Saúde]", disse.

O Aos Fatos lembra que o lançamento do TrateCov também foi anunciado no site do Ministério da Saúde. Em 13 de janeiro, a pasta publicou que 342 profissionais de Manaus estariam habilitados a usar a ferramenta. No dia 19, reportagem da TV Brasil veiculou, inclusive, relato de um médico que havia testado a plataforma. Em nenhum momento é mencionado que o aplicativo seria um protótipo ou não estava liberado para uso geral.

FALSO: Evidências científicas comprovam a eficácia da hidroxicloroquina, da ivermectina, da cloroquina, e da colchicina contra a Covid-19.

Além de não haver estudos que atestem a ação dos medicamentos, autoridades sanitárias negam que elas sejam capazes de tratar a doença. Autoridades sanitárias internacionais como a OMS, Center for Disease Control and Prevention, do governo americano (CDC) e a European Medicines Agency, órgão da União Europeia (EMA) ainda não reconhecem provas de que essas e outras substâncias tenham potencial para tratar a doença.

A cloroquina e hidroxicloroquina têm sido testadas desde o início da pandemia em ao menos 55 países, mas não se demonstraram eficazes contra a Covid-19. Em março, uma metanálise (compilação de resultados de pesquisas) publicada pela OMS concluiu que as substâncias não funcionam para prevenção nem para impedir a hospitalização e a mortalidade pela doença.

O vermífugo ivermectina inibiu a replicação do Sars-CoV-2 em células controladas em laboratório durante experimento de pesquisadores da Universidade de Monash, na Austrália, no primeiro semestre de 2020. Desde então não foram apresentados dados suficientes para atestar a eficácia da droga contra a doença no organismo humano, como ressaltou o National Institute of Health 9NIH), órgão de Saúde do governo americano.

O anti-inflamatório colchicina também não reúne indícios o bastante para sustentar que há evidências de sua eficácia ou ineficácia. De acordo com o NIH, são necessários mais experimentos. 

Além disso, um grupo de especialistas coordenado pelo próprio Ministério da Saúde contraindicou no dia 17 de maio a cloroquina, hidroxicloroquina e a ivermectina para pacientes hospitalizados. A recomendação teve como base uma revisão de oito diretrizes nacionais e internacionais para o tratamento da Covid-19.

FALSO: Um jornalista fez extração indevida de dados da plataforma TrateCov. 

O sistema foi apenas testado e analisado por jornalistas e outros cidadãos antes de ser retirado do ar porque ficou disponível no site do Ministério da Saúde entre 11 e 21 de janeiro.  No dia 19 de janeiro, no Twitter, o jornalista Rodrigo Menegat disse ter inspecionado a plataforma TrateCov por meio de uma funcionalidade presente em qualquer navegador de internet, o inspetor de elementos, que permite visualizar e extrair o código-fonte de uma determinada página.

O jornalista, que usou a função do Google Chrome, copiou as informações e as arquivou na plataforma GitHub, usada principalmente por programadores. As alegações feitas por Pinheiro à comissão foram classificadas pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) como "infundadas e caluniosas".

EXAGERADO: sugerir que a Organização Mundial Saúde (OMS) teria reconhecido que o lockdown pode ser responsável por fome e miséria. Apesar de fazer ressalvas sobre potenciais efeitos negativos da medida, a organização nunca deixou de destacar sua importância e eficácia para conter a disseminação da Covid-19.

IMPRECISA: ao dizer que a OMS recomenda que mulheres com HIV amamentem. A organização orienta que os países avaliem o risco de contaminação da criança em comparação ao de morte por desnutrição e dá uma série de recomendações para que a amamentação aconteça de maneira mais segura para o bebê.

Também é IMPRECISO dizer que a hidroxicloroquina tem ação antiviral. O remédio só teve essa ação comprovada até hoje em células em laboratório, não em estudos com seres vivos.

IMPRECISA: o Ministério da Saúde tem um repositório de evidências científicas que surgem sobre tratamentos e vacinas contra Covid-19. O painel passou cerca de sete meses sem ser atualizado, o que voltou a ocorrer em 17 de maio deste ano.