Territórios ameaçados: as políticas para os povos indígenas durante a gestão Bolsonaro

Povos indígenas brasileiros são negligenciadas mesmo após a redemocratização, que garantiu que seus direitos fossem reconhecidos na Constituição Federal de 1988. Nova política indigenista do governo de Jair Bolsonaro acelera retrocessos

15:28 | Abr. 20, 2021

Por: Maria Eduarda Pessoa
Povos indígenas vivem situações de conflito com agentes de atividades econômicas na selva amazônica (foto: Divulgação/Portal Iphan)

Nesta segunda-feira, 19, comemorou-se o Dia Nacional do Índio. Para celebrar a data, a Fundação Nacional do Índio (Funai) compartilhou mensagem de apoio ao “etnodesenvolvimento”, que seria, em outras palavras, a exploração agrícola realizada pelos próprios indígenas. O projeto representa algumas das mudanças implementadas pela “Nova Funai” na gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A iniciativa, que celebra o agronegócio no Dia do Índio, é reflexo das políticas indigenistas da atual gestão e das mudanças provocadas com o mandato de Bolsonaro.

Uma das primeiras investidas do presidente nesse sentido foi a MP 816/2019, que propunha uma reforma administrativa que retirava a Funai do Ministério da Justiça e a dividia em duas, entre o Ministério da Agricultura e Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos, ficando a cargo do primeiro a demarcação de territórios indígenas.

A proposta, alvo de críticas e tentativas de impedimento por lideranças e entidades indígenas, causou indignação, sobretudo pelo histórico do Ministério da Agricultura de atender aos interesses da bancada ruralista, uma frente parlamentar do Congresso Nacional que defende pautas ligadas ao agronegócio e a expansão territorial de exploração dos recursos naturais.

A causa indígena, ligada à necessidade de preservação ambiental e demarcação de terra, seria negativamente afetada com a mudança. Na época, a coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), única representante dos índios na Câmara, alegou inconstitucionalidade de atribuir à Agricultura a competência pela demarcação de terras. A proposta do presidente, todavia, não foi aprovada.

Declaradamente contrário à demarcação das terras dos povos originários, Bolsonaro é grande incentivador da flexibilização da exploração desses territórios, cuja produção agrícola é permitida somente aos indígenas. Afirmando atender também a um interesse desses povos, para que estes passem a explorar economicamente suas terras, o presidente apresentou à Câmara Federal o PL 191/20, que regulamenta a exploração dos recursos naturais, hídricos e orgânicos nos territórios demarcados.

O projeto define condições específicas para a pesquisa e lavra das riquezas minerais, e assegura participação nos resultados, como determina a Constituição Federal. Além da indenização, a proposta garante ainda aos grupos cuja terra venha a ser explorada economicamente, “0,7% do valor da energia elétrica produzida; entre 0,5% e 1% do valor da produção de petróleo ou gás natural; e 50% da compensação financeira pela exploração de recursos minerais”.

A deputada Joenia Wapichana, por sua vez, temerosa com a legalização do garimpo nas áreas de preservação indígena - realidade que já se impõe mesmo com a atual proibição e será consequência natural da lei que libera a mineração, uma vez aprovada -, reuniu-se com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em fevereiro do ano passado, para fazer oposição à proposta. Na ocasião, também estavam presentes diversas lideranças indígenas, dentre eles o cacique Raoni Metuktire, líder da etnia Caiapó.

O deputado Rodrigo Maia, por sua vez, não atendeu ao pedido de devolução do projeto ao Executivo e alegou não haver inconstitucionalidade no texto, que foi encaminhado à comissão competente para ser votado.

Segundo Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, em entrevista ao portal de notícias ambientais Mongabay, “estamos testemunhando uma nova fase de tomadas ilegais e criminosas de terras indígenas feitas por grupos econômicos''. Para Buzatto, “os grileiros são encorajados e protegidos pelas políticas indigenistas do governo Bolsonaro. A retórica contra os direitos constitucionais dos índios feita durante a campanha reflete agora nos atos administrativos”.

O senador cearense Cid Gomes (PDT) também aproveitou o dia de ontem para denunciar o que ele chama de desmandos da política indigenista da gestão de Bolsonaro. “Neste dia do Índio, impõe denunciar o descaso e as ameaças contra os indígenas pelo atual Governo. Ocupação irregular de terras sem fiscalização, redução dos recursos para a saúde, truculência, violência e fome. Essa é a cruel realidade imposta por Bolsonaro aos índios”, escreveu em seu perfil no Twitter.

Em dezembro do ano passado, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, acolheu denúncia apresentada pela Comissão Arns e pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) contra o chefe do Executivo, por incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil. Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro a ter uma denúncia aprovada para análise pelo Escritório da Procuradora Chefe do TPI.

É válido, no entanto, destacar que as comunidades indígenas são negligenciadas mesmo após a redemocratização, que assegurou que seus direitos fossem reconhecidos na Constituição Federal de 1988. A despeito das garantias constitucionais, a completa demarcação dos territórios se arrasta ao longo desses 33 anos, ao passo em que as comunidades são diretamente afetadas com tragédias ambientais recentes e disputas de domínio de terras.