Como a Igreja Católica lidou com as pandemias ao longo da história

Em diversos momentos históricos, ao mesmo tempo em que dividiu opiniões e posicionamentos, as pandemias colaboraram para a mudança de alguns rituais religiosos católicos

18:57 | Abr. 13, 2021

Por: Filipe Pereira
FORTALEZA,CE, BRASIL, 03.03.2021: Missas católicas durante a pandemia. Igreja de Fátima. (Fotos: Fabio Lima/O POVO) (foto: FABIO LIMA)

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, na última quinta-feira, 9, contra a reabertura de templos religiosos durante a pandemia de Covid-19. Durante a leitura de seu voto, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que "mesmo na Idade Média os grandes líderes religiosos defenderam, em épocas de pandemia, o fechamento das igrejas", assim como o isolamento e até a transformação de igrejas em hospitais improvisados.

Atualmente, em um contexto histórico diferente, as instituições religiosas também foram afetadas diretamente pela pandemia da Covid-19. O impacto só pode ser comparado, por exemplo, com aquele causado pela gripe espanhola no início do século XX, além de evocar a memória da Peste Bubônica que arrasou a Europa há setecentos anos.

Peste Bubônica

A peste bubônica desencadeou uma pandemia na segunda metade do século XIV, na Europa, matando um terço da população desse continente, sendo responsável por 75 a 200 milhões de mortos. Estima-se que a doença tenha reduzido a população mundial de 450 milhões para 350 milhões de habitantes.

Na época, o discurso de padres, segundo o jornal Estado de S. Paulo, era na linha de oferecer conforto espiritual aos enfermos. Nas andanças para o acompanhamento religioso, muitos deles morreram infectados. Na época, o papa Clemente VI chegou a declarar que os mortos pela doença teriam a remissão dos pecados, ainda que não tivessem tido tempo de terem feito a confissão, um dos sacramentos da Igreja Católica.

O século seguinte também foi marcado pela epidemia que deixou rastro de 1 milhão de mortos na Itália. No caso, ela gerou uma reação enfática da Igreja, precisamente do papa Urbano VIII. O líder católico criou a Congregação Sanitária em 1630, uma estrutura cujo objetivo era o de trabalhar com prevenção e ações para evitar a propagação da doença.

A peste continuou. Anos depois, na região de Trastevere, em Roma, a orientação do Papa Alexandre VII foi a realização de uma quarentena. No livro Mending bodies, saving souls: a history of hospitals (Curando corpos, salvando almas: uma história de hospitais), presente no departamento da Universidade de Oxford, nos EUA, o historiador médico Guenter B. Risse afirma que procissões e celebrações coletivas foram canceladas.

Além disso, foi solicitado aos fiéis que rezassem pelos doentes e mortos na privacidade de suas casas. Nos dias em que a pandemia ainda se alastrava, às 2 horas da manhã tocavam os sinos das principais igrejas de Roma, convocando os fiéis às suas sessões de oração com a promessa de uma indulgência para aqueles que rezavam.

Mesmo fora dos estados papais, buscou-se conter a expansão da doença, oferecendo igrejas e conventos como instalações improvisadas de isolamento e envio de padres para confortarem com seus sacramentos os doentes.

Gripe Espanhola

Em 1918, morreram de 40 a 50 milhões de pessoas no curso da gripe influenza, ou gripe espanhola, como é popularmente conhecida. A doença, que teve os seus primeiros registros nos Estados Unidos, foi denominada de “gripe espanhola", uma vez que o país foi o primeiro a admitir a existência do vírus. Um quarto da população mundial chegou a contraí-lo. O presidente brasileiro Rodrigues Alves morreu em 1919, após ter sido infectado.

No Brasil, a Igreja Católica intensificou sua atuação durante a pandemia da gripe influenza. Em algumas regiões do país, as atividades religiosas foram ampliadas na tentativa de suplicar soluções de cura junto ao sagrado. Em “A gripe espanhola na Bahia de Todos os Santos: entre os ritos da ciência e os da fé”, de 2010, é feito um estudo de como uma religiosidade exacerbada esteve presente no período de enfrentamento da gripe na região.

Na Bahia, ritos católicos com objetivo de suplicar a misericórdia divina não foram interrompidos pelas autoridades sanitárias locais, ainda que a prática comprometesse as medidas protetivas para evitar a disseminação da doença. Em Salvador, as tradicionais romarias à Igreja do Senhor do Bonfim, que aconteciam às sextas, não foram interrompidas, atraindo um número ainda maior de devotos nesse período.

No tempo em que as preces não pareciam o bastante e a busca de contato com o sagrado aumentava cada vez, as imagens dos santos desciam dos altares e eram colocadas na altura dos fiéis, dispostas no corpo das igrejas, aproximando-se das adorações e súplicas.

Ao lado do governo do estado, que recomendava ainda que os enterros fossem realizados durante o dia, a Igreja Católica também mobilizou-se para combater a epidemia. Na época, Porto Alegre registrou 1.316 mortes por gripe espanhola. Diante do surto generalizado, com lotação dos hospitais, a igreja ofereceu ao presidente do estado, Borges de Medeiros, as dependências espaçosas da Cúria Metropolitana para servir de enfermarias. 

Em São Paulo, para evitar aglomerações que poderiam ser insalubres, missas e orações diurnas nas igrejas católicas foram reduzidas drasticamente e rezas coletivas à noite tornaram-se proibitivas; os cultos noturnos e a escola dominical da Igreja Presbiteriana foram suspensos. O arcebispo metropolitano de São Paulo chegou a determinar que igrejas e confessionários fossem desinfetados diariamente e que a água benta dos templos fosse trocada todos os dias.

Cólera


A cólera ocasionou seis pandemias entre 1817 e 1923. A atual, a sétima, começou na Indonésia em 1961. Ela se disseminou por outros países na Ásia, Oriente Médio, África (70% dos casos notificados no mundo) e Europa, chegando à América do Sul em 1991, através de cidades litorâneas do Peru.

A última epidemia de cólera ocorrida no Brasil foi no ano de 1991 e teve 168.646 com 2.035 óbitos até 2004, com a maioria dos casos em estados do Norte e do Nordeste. Os últimos casos de cólera ocorreram em 2005, quando foram identificados cinco casos em Pernambuco.

A partir de 1855, a doença resultou na proibição de sepultamentos em igrejas (em razão dos “miasmas” que poderiam ser gerados pelos corpos). Foi recomendando a criação de cemitérios fora do perímetro urbano. A medida das autoridades sanitárias mexeu com uma forte tradição, gerando incômodos entre a população.

Estas restrições ao menos geraram uma mudança no panorama dos enterros do período: antes cercados de pompas e simbolismos, durante a epidemia eles passaram a ser feitos de maneira rápida e sem cerimônias, frente ao grande número de mortos e à ideia dos “miasmas” que poderiam ser gerados pelos corpos.

Foram criadas ainda diversas normas técnicas que determinavam que o número de covas deveria ser o dobro dos habitantes da cidade e que deveriam ter sete palmos de fundo e manteriam entre si uma certa distância. Estas teorias entraram em choque com diversos membros do clero e do resto da sociedade, pelos mais diversos motivos.

Gripe Suína

O vírus influenza H1N1 foi responsável pela pandemia de 2009. A doença surgiu em meados de abril no México e logo se espalhou para diversos países. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu o ápice no dia 11 de junho daquele mesmo ano.

Em 2016, para evitar o contágio da gripe H1N1, a Diocese de São José dos Campos, em São Paulo, impôs mudanças no ritual litúrgico das celebrações da Igreja Católica no município. O comunicado com pedido de cuidados especiais foi divulgado às paróquias. Em 2009, na pandemia mundial, outras dioceses paulistas já haviam proposto as mesmas restrições.

Entre as recomendações, estão evitar dar as mãos ao rezar, o fim da saudação de paz e a distribuição da hóstia na eucaristia apenas nas mãos dos fiéis - normalmente é feita na boca. Os párocos também foram orientados a permitirem a máxima ventilação nos templos. Ações semelhantes às observadas na atual pandemia da Covid-19.

Porém, o arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, considerou "paranoia" o medo das pessoas de pegar a gripe H1N1 ao frequentar a igreja. Na abertura da 54ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida, d. Odilo disse que não haveria uma recomendação para que a igreja mudasse seus rituais por causa da gripe.