Entenda a polêmica sobre a liberação de igrejas durante a pandemia

Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira, 7, a reabertura ou não de igrejas durante a pandemia

No último sábado, 3, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kássio Nunes Marques, liberou cultos religiosos presenciais, o que gerou insatisfação nos bastidores do tribunal. Na decisão, foi recomendado o uso de máscaras e limitação do público a 25% da capacidade do local. Todavia, há preocupação com o risco de aglomerações em igrejas no pior momento da pandemia do coronavírus, com membros do próprio Judiciário se colocando contra a medida. 

Na segunda-feira, 5, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes decidiu manter o veto à realização de cultos religiosos em São Paulo, colocado em prática pelo governador João Doria (PSDB) com objetivo de conter o contágio pelo coronavírus. A decisão, contudo, contraria liminar concedida por Nunes. 

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Devido ao choque entre as duas decisões, o presidente do STF, Luiz Fux, agendou para esta quarta-feira, 7, o julgamento pela Corte para encerrar a questão em plenário. Como o Supremo já entendeu, em 2020, que governadores e prefeitos têm autonomia para proibir atividades durante a pandemia, a tendência é que a liberação dos cultos autorizada por Marques seja derrubada.

Outra polêmica é que a liminar de Nunes, mais novo integrante do STF após indicação feita pelo presidente Jair Bolsonaro, foi concedida em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pela Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure). Contudo, já existem decisões do Supremo que consideraram que a instituição não tem legitimidade de propor a ação, segundo críticos do ministro. 

Para a maioria dos ministros do STF, a Anajure não se enquadra na lista entidades com classe profissional, como exige a Constituição no caso de ADPFs, mas uma organização que reúne associados vinculados por convicções e práticas intelectuais e religiosas. Inclusive, o veto dado por Mendes aos cultos em São Paulo considera que a ação movida pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB) não possui validade, não tendo a organização legitimidade para propor ADPF.

Antes de liberar cultos, Kassio não viu legitimidade de Anajure em outra ação. Em fevereiro, ele concordou com os colegas e votou pelo arquivamento de um pedido da entidade para derrubar decretos municipais que impuseram toque de recolher, interrompendo atividades religiosas. Já último sábado, 3, ele liberou celebrações religiosas presenciais, considerando válida a ação da associação. 

Para Mendes, aceitar o argumento de que a proibição dos cultos violaria a liberdade religiosa protegida pela Constituição seria uma "postura negacionista", "uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o país, e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este Tribunal durante a crise sanitária que se coloca".

No Ceará, as cerimônias religiosas presenciais foram autorizadas em cumprimento à decisão do ministro Kássio Nunes. Porém, o decreto que prorroga o isolamento social rígido no Estado recomenda que as entidades religiosas continuem realizando celebrações de forma online. A decisão divide opiniões entre líderes religiosos com atuação na Capital.

Liberdade religiosa

Para a advogada Cecilia Mello, ouvida pelo jornal Estadão, ao contrário do que argumentam partido e entidades, a proibição a atividades com a presença de fiéis não fere liberdade religiosa.  Ela observa que o cenário de crise sanitária provocada pelo coronavírus vem impondo a supremacia da saúde pública sobre os demais direitos, como liberdade de locomoção, por exemplo.

"A vida certamente é o bem mais precioso cuja tutela deve se sobrepor a todos os demais direitos", opina. "Alguns líderes religiosos negam-se efusivamente a cancelar os eventos coletivos e presenciais e encontram apoio político a encorajá-los. O marco divisório da (i)legalidade é tênue, pois em aglomerações o contágio é certo, ainda que as pessoas estejam unidas pela fé", acrescenta.

Ainda segundo a advogada, o direito ao culto não pode colocar em risco os fiéis que participam de atividades religiosas. "As aglomerações decorrentes dessas celebrações são justamente o que as medidas de quarentena e isolamento visam coibir", observa.

Marques e o alinhamento com Bolsonaro

Primeiro ministro do STF indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Nunes entrou na Corte em novembro de 2020. A liminar de abertura dos centros religiosos, com a adoção de medidas sanitárias, alinha-se com o pensamento do presidente, que é crítico das medidas de lockdown adotadas por prefeitos e governadores. Entretanto, as investidas de Bolsonaro e de outras personalidades para tentar derrubar essas restrições têm sido sucessivamente barradas pelo plenário do STF. O caso Nunes quebra essa sequência. 

Na decisão, o ministro justificou sua decisão com a continuação dos serviços de transporte coletivo, mercados e farmácias como exemplos de serviços essenciais durante a pandemia. "Tais atividades podem efetivamente gerar reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas", disse no texto.

"Daí concluo ser possível a reabertura de templos e igrejas, conquanto ocorra de forma prudente e cautelosa, isto é, com respeito a parâmetros mínimos que observem o distanciamento social e que não estimulem aglomerações desnecessárias", escreveu o ministro.

Cultos religiosos são ambientes de 'alto risco' para covid-19, na visão da ciência

Estudos científicos internacionais já indicaram riscos elevados de transmissão do novo coronavírus durante a realização de missas e cultos religiosos presenciais. De acordo com os especialistas, esse tipo de evento agrega diversos fatores que facilitam a propagação da Covid-19 como: reunir grande quantidade de pessoas em espaços fechados, com os presentes falando alto e cantando.

Uma pesquisa realizada pela conceituada Universidade de Stanford, nos EUA, aponta as igrejas como lugares de maior risco em relação a mercados e consultórios médicos no que se refere ao perigo de transmissão do vírus. 

Em novembro, uma outra pesquisa realizada por Stanford indicou que poucos pontos de aglomeração de pessoas causaram cerca de 80% dos casos de Covid-19 nos Estados Unidos durante os primeiros meses da pandemia. O levantamento levou em conta dados da movimentação de quase 100 milhões de cidadãos em áreas metropolitanas de grandes cidades como Nova York, Los Angeles e Miami.

Com esses dados, o estudo desenvolveu um modelo para mensurar o quanto cada local contribuiu para propagar a doença. Segundo a projeção, as igrejas aparecem em sexto lugar no ranking de risco, à frente de consultórios e mercados. Os locais religiosos aparecem atrás de restaurantes, academias e motéis, por exemplo.

Cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA, desenvolveram uma tabela que mede o risco de contágio em diferentes locais. Alguns dos critérios utilizados são: circulação de ar, tamanho da aglomeração e tempo de exposição ao vírus.

De acordo com o artigo, quando as pessoas cantam ou falam alto, como em celebrações religiosas, há mais risco de propagação mesmo com distanciamento de dois metros entre os presentes. No estudo, é citado até um episódio em que 32 cantores de um coral acabaram contraindo o vírus mesmo cumprindo os protocolos de distanciamento durante os ensaios.

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