O último dos coronéis cearenses: relembre a trajetória do ex-governador Adauto Bezerra

O empresário e ex-parlamentar teve carreira no Legislativo e Executivo, chegando a integrar a tríade dos coronéis-governadores, com Virgílio Távora e César Cals

14:59 | Abr. 03, 2021

Por: Filipe Pereira
Ex-governador do Ceará, Adauto Bezerra (foto: Ethi Arcanjo, em 17 de junho de 2015)

O ex-governador do estado do Ceará, Adauto Bezerra, morreu vítima da Covid-19 na madrugada deste sábado, 3 de abril. Aos 94 anos, ele foi internado há cerca de 10 dias no Hospital Monte Klinikum com o diagnóstico de pneumonia. Governador do estado entre 1975 e 1978, o empresário e ex-parlamentar teve carreira no Legislativo e Executivo, chegando a integrar a tríade dos coronéis-governadores, com Virgílio Távora e César Cals.

Nascimento e família

José Adauto Bezerra nasceu em Juazeiro do Norte, no interior do Ceará, no dia 3 de julho de 1926. Filho de José Bezerra de Meneses e de Maria Amélia Bezerra de Meneses, sua família é radicada no sul do Ceará desde o século XVIII, onde tornou-se a mais rica de Juazeiro e uma das mais poderosas do estado, tendo interesses em vários setores da economia. Fizeram também carreira política seu irmão gêmeo, Humberto Bezerra, deputado federal pelo Ceará de 1967 a 1971 e em 1975, e o irmão mais novo, Orlando, deputado federal de 1983 a 1995.

Carreira militar e início da carreira política

Adauto ingressou na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em fevereiro de 1943, sendo declarado aspirante a oficial da arma de artilharia em dezembro de 1949. Foi promovido a segundo-tenente no ano seguinte, a primeiro-tenente em junho de 1952 e a capitão em dezembro de 1954. Durante sua carreira militar, fez ainda o curso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao).

Iniciou-se na política em outubro de 1958, quando foi eleito deputado à Assembleia Legislativa do Ceará (ALCE) na legenda da União Democrática Nacional (UDN). Tendo assumido o mandato em fevereiro de 1959, em outubro de 1962 foi reeleito, na legenda da Aliança União pelo Ceará, coligação que congregou a UDN e o Partido Social Democrático (PSD).

Em novembro de 1964, meses após o início da ditadura militar, processo que depôs o presidente João Goulart, Adauto foi promovido a major. Com a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior instauração do bipartidarismo, filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio ao governo.

Na legenda, voltou a se eleger deputado estadual em novembro de 1966. Ao longo dessas três legislaturas, foi presidente da Assembleia Legislativa por duas vezes, da Comissão de Orçamento e Finanças e de diversas outras comissões da casa. Em 1968 passou para a reserva com a patente de coronel e em 1970 reelegeu-se para mais um mandato de deputado estadual, concluído em janeiro de 1975.

1975/1978 - Governador do Ceará e o apoio de Ernesto Geisel

Em maio de 1974 foi indicado pelo presidente da República, general Ernesto Geisel, como seu candidato ao governo do Ceará. Contando com o apoio de uma ala da Arena liderada pelo veterano político cearense Virgílio Távora, sua candidatura prevaleceu sobre a do coronel Luciano Salgado, que era apoiado pelo então governador César Cals – o qual, por sua vez, tinha como vice-governador Humberto Bezerra, seu irmão.

Eleito pela Assembleia cearense em outubro de 1974, foi empossado no governo do estado em março do ano seguinte. Como governador, liderou a campanha da Arena cearense para as eleições municipais de novembro de 1976, tendo prometido ao presidente Geisel a vitória do partido governista em 90% dos 141 municípios do estado. Após a apuração, apresentou a Geisel um quadro geral dos resultados, mostrando que a Arena havia obtido 55% dos votos em Fortaleza e 84% no interior.

Renúncia e carreira no Legislativo

Visando a concorrer ao Senado em 1978, renunciou ao governo do Ceará em fevereiro desse ano, passando o cargo ao vice-governador Valdemar Alcântara. Em seu discurso de despedida, citou como realizações mais importantes de sua administração a instalação do sistema básico de saneamento da capital e a valorização do serviço público através de aumentos salariais e de novos planos de promoção funcional.

Seu projeto de concorrer ao Senado sofreu, contudo, a oposição dos setores arenistas liderados por Virgílio Távora, que já havia sido indicado pelo poder central para governar o Ceará entre 1979 e 1983. Esses setores teriam ameaçado boicotar sua candidatura e apoiar Chagas Rodrigues, candidato do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição. Desgastado ainda pelo fato de Távora não ter aceito o nome de Ossian Araripe, que havia indicado para vice-governador, desistiu da candidatura ao Senado e concorreu a uma cadeira na Câmara dos Deputados. Obtendo quase 118 mil votos, foi o deputado federal mais votado da história do Ceará em 1978.

Iniciou o mandato na Câmara em fevereiro de 1979, pouco antes de o general João Batista Figueiredo ser empossado na presidência da República (15/3/1979). Durante a legislatura, pronunciou-se favoravelmente à anistia para os cidadãos brasileiros exilados e banidos, afinal concedida em agosto de 1979. Nos debates que antecederam a extinção do bipartidarismo (29/11/1979) e a reformulação partidária, alinhou-se aos parlamentares arenistas que defendiam a organização de dois partidos de apoio ao governo em substituição à Arena. No entanto, a questão foi decidida conforme a diretriz do governo federal, segundo a qual deveria ser constituído um único partido situacionista. Estruturada essa agremiação — o Partido Democrático Social (PDS) —, filiou-se a ela.

Defensor de eleições diretas para os governos estaduais e para a presidência da República, em novembro de 1982 foi eleito vice-governador do Ceará na chapa encabeçada por Luís Gonzaga Mota. Em janeiro de 1983 concluiu o mandato de deputado federal e em março seguinte tomou posse no executivo estadual. Logo em seguida, acusou Virgílio Távora, que acabara de deixar o governo, de ter levado o estado à falência por não ter respeitado o equilíbrio orçamentário, gastando acima da arrecadação. Em abril, quando Gonzaga Mota foi a Brasília, na tentativa de obter recursos junto ao governo federal para solucionar a crise do estado, assumiu o governo do estado.

Com a saída de Gonzaga Mota do PDS em abril de 1985, depois de divergências em torno da escolha do candidato do partido às eleições municipais de novembro para a prefeitura de Fortaleza, deixou também o cargo de vice-governador. No pleito de novembro de 1986 candidatou-se ao governo do estado na legenda do Partido da Frente Liberal (PFL), em coligação com o PDS e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

1986 - “Aliança dos três coronéis” e a derrota para Tasso

Sua candidatura foi apoiada por Virgílio Távora e por César Cals. A coalizão, conhecida como a “aliança dos três coronéis”, aludia ao fato de os três políticos terem feito também carreira militar e recebido diversos benefícios do poder central, impondo uma forma de manutenção de poder fundada no conceito de “coronelismo”. A “aliança dos três coronéis” dissolveu-se, contudo, em decorrência de divergências políticas existentes entre eles desde o início da década de 1960, sofrendo Adauto, inclusive, acusações de não apoiar os candidatos dos outros partidos que compunham a coligação.

A dissidência não só levou à sua derrota para Tasso Jereissati, como inviabilizou a candidatura da coligação ao governo do estado. Apoiado por Gonzaga Mota e por Mauro Benevides, então presidente do PMDB no Ceará, em abril de 1986 o nome de Tasso foi confirmado como candidato do partido ao governo do estado nas eleições a serem realizadas em novembro. Assumindo o compromisso de “mudar, renovar e acabar com a miséria” no Ceará, atraiu as esquerdas para sua candidatura, aliando-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e obtendo ainda a adesão do Partido Democrata Cristão (PDC) para enfrentar Adauto Bezerra. 

1990/1991 - Presidente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e acusações

Em maio de 1990, foi designado pelo presidente Fernando Collor de Melo para a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A indicação provocou descontentamento nos meios empresariais e políticos de Pernambuco, pois estes, chefiados pelo senador Marco Maciel, desejavam ter um nome daquele estado à frente da Sudene. Descontentou também políticos ligados ao presidente Collor, que o acusaram de ser “cliente do Fundo de Investimento do Nordeste (Finor)”, com o qual havia contratado um empréstimo de 21 milhões de dólares. Além disso, foi acusado de ter montado sua fortuna com recursos provenientes de incentivos fiscais e de empréstimos conseguidos junto a instituições de desenvolvimento regional do governo federal.

No início de 2007, quando o PFL decidiu renovar-se, transformando-se em Democratas (DEM), permaneceu na agremiação. Deixou-a, porém, em outubro do mesmo ano, filiando-se ao Partido Progressista (PP).

Proprietário, ao lado do irmão Humberto, do Banco Industrial do Ceará (Bicbanco) desde o início da década de 1980, tornou-se também proprietário de numerosas indústrias e de uma estação de rádio em Juazeiro do Norte.

Confira a galeria de imagens sobre a trajetória de Adauto Bezerra:

 

SAIBA MAIS l Em 2010, Adauto Bezerra foi personagem das Páginas Azuis do Jornal O POVO

Páginas Azuis - 25 de outubro de 2010 by Filipe Pereira on Scribd

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Rádio O POVO/CBN - Especial Adauto Bezerra 

As rádios O POVO CBN e CBN Cariri realizam um programa especial neste sábado, 3, sobre o ex-governador do Ceará, Adauto Bezerra, que morreu nesta madrugada em Fortaleza. A partir das 14h30min, os jornalistas Jocélio Leal e Farias Jr entram no ar ao vivo.