Posse de Joe Biden traz novos significados para a América e o mundo por meio da moda
Da lembrança de Dilma Rousseff usando vermelho a toques de estilo marcados durante toda a vida de Jackie Kennedy, ex-primeira dama dos EUA, as roupas de posse e o guarda-roupa depois contam uma história (no palanque e fora dele)
23:28 | Jan. 20, 2021
O evento que demarcou uma nova era aos Estados Unidos, com a posse, ontem, de Joe Biden e Kamala Harris, firmou ao mesmo tempo uma nova etapa do simbolismo da moda em cerimônias políticas. Sem que alguém precisasse falar nada, o novo presidente eleito, ao lado de sua vice, estenderam sua visão do país, de forma totalmente intencional e esperada. Enquanto Biden - e o segundo-cavalheiro, Doug Emhoff - vestiram-se de Ralph Lauren potencializando a força de um estilista célebre do estilo americano, "a roupa escolhida por Kamala Harris foi feita apenas por estilistas negros norte americanos e trouxe uma cor cheia de simbologias", identifica a consultora de imagem e estilo Catarina Cavalcante, em análise.
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"A posse de Joe Biden na presidência dos Estados Unidos já se tornou um momento histórico, cheio de significados e representatividade. Mas a força e o poder feminino foram os verdadeiros destaques do evento", aponta. "O capitólio estava repleto de grandes mulheres que sabiam da importância desse momento na história e se utilizaram do importante papel político da moda, para reforçar ainda mais seus posicionamentos", que não passaram despercebidos.
O look roxo - "cor que representa força e espiritualidade e que é muito usado pelo movimento feminista" - foi muito além do vestível, para Harris. A filha de imigrantes é a primeira mulher negra e asiática a assumir o posto de vice-presidente de um dos países mais poderosos do mundo. Na hora de decidir-se "com que roupa ir à posse?", claro que isso não seria algo a se pensar sem importância, pelo contrário. Como as lutas que habitam em sua própria pele e origem, tem um viés político por trás. A escolha da democrata lançou luz a Sergio Hudson, autor do dress, e a Christopher John Rogers, responsável por desenvolver a peça de sobreposição, um casaco com o mesmo tom. Qual o peso disso, além da matéria propriamente dita, composta de tecidos e aviamentos? Passa de semiótico a uma atitude que Harris quer visibilizar: o design local a dizer e defender.
Rogers é de Baton Rouge, Louisiana. Foi revelado no ano passado na premiação do Conselho de Designers de Moda da América (CFDA Fashion Awards). Bem antes, conquistou apoio da ex-primeira dama dos EUA Michelle Obama, que o reverberou ao vesti-lo para a turnê do livro "Becoming", publicado em 2018.
Essa nova sucessão de mensagens ganhou reforços de convidadas para a posse, como Lady Gaga. A cantora esteve a bordo de um longo Schiaparelli Haute Couture exclusivo para ela. A grife, italiana, é comandada atualmente por Daniel Roseberry, nascido na América. O visual para Gaga não foi para menos: tinha as cores da bandeira; um azul profundo - evidente no croqui de divulgação -confundido fácil com um tom de preto. Seria aí algo mais?
Quem não deixou dúvidas foi a esposa e ex-primeira dama Melania Trump. O casal não só deixou de ir à posse do novo presidente (que feio!), como manifestou seu desgosto à cena. A senhora Trump deu adeus à vida na Casa Branca praticamente de luto. Sim era um all black, tão duro e seco, como a passagem política do ex-principal gestor à frente do país. Mas nada como um dia após o outro.
Nesta quarta, além de Gaga, com uma pomba dourada à la Schiaparelli posta sobre o vestido, J.Lo selou a união de que até então não se falava ou queria, com o autoritarismo Trump: a da paz. Em uma versão all white inspirada nas sufragistas americanas (para as quais Harris também prestou homenagem, logo após a confirmação de Biden presidente, ao surgir em público com um terno branco enfatizando o poder de um look como ato político), a cantora, simbolicamente, abriu um novo recomeço, - muito - bem embalado pela voz e presença, ainda na posse, da poetisa e ativista de 22 anos Amanda Gorman. Numa combinação Prada, composta por terno amarelo e maxi arco vermelho na cabeça, foi o próprio o sol em busca do amanhã.
No Brasil, porém, ainda é ontem. As roupas utilizadas em dia de transferência de poder viram "joias", mas em outro sentido. Não faz muito tempo, o povo brasileiro (re)assistiu a uma "posse" com o evento que tornou intactas as vestes do atual presidente e de sua primeira dama, Michelle. Novamente nas cores usadas em 1º de janeiro de 2019, ele de azul, e ela de rosa, porque, claro, não seriam outras cores, a ocasião fez lembrar os nomes de Santiago Gonçalves, alfaiate de Bolsonaro, e os de Marie Lafayette e Larissa Silva, respectivamente estilista e costureira do vestido "algodão doce" da esposa.