Globo é proibida pela Justiça de mostrar documentos do caso da "rachadinha" de Flávio Bolsonaro

Tutela provisória impede emissora de veicular peças sobre o chamado "caso Queiroz", que envolvia repasses de parte de salários de servidores alocados no hoje senador e filho do presidente da República

22:51 | Set. 04, 2020

Por: Bemfica de Oliva
Senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (foto: Pedro França/Agência Senado)

A juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, proibiu a Rede Globo de mostrar documentos relativos à investigação de suposta "rachadinha" no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) quando este era deputado estadual. Foi concedida uma tutela provisória, decisão temporária que se aplica enquanto o processo é julgado.

Pela determinação, a emissora não pode veicular peças que citem o caso, nem documentos do processo. A investigação foi concluída besta semana pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e enviada à Procuradoria-Geral do Estado (PGRJ) para que o órgão decida se apresentará ou não denúncia à Justiça.

A investigação do MPRJ e o processo sob responsabilidade da PGRJ correm sob segredo de justiça e não tiveram documentos publicizados. No entanto, a revelação à imprensa de informações em casos do tipo não é incomum. A proteção da privacidade de pessoas que porventura vazem os documentos para a mídia é garantida pela Constituição de 1988 em seu artigo 5º, inciso XIV, em mecanismo conhecido como sigilo de fonte.

O episódio pode ser qualificado como "censura judicial", quando a Justiça é usada para impedir que veículos de imprensa noticiem fatos de interesse público, mas que ferem interesses de determinadas pessoas ou grupos.

O governo do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), pai de Flávio Bolsonaro, tem sido acusado de sucessivos ataques à liberdade de imprensa, como a reação a um desenho do chargista Aroeira que representava o chefe do Executivo federal com uma suástica, ou a intimação do colunista Hélio Schwartsman, do grupo Folha, a prestar depoimento à Polícia Federal. Em ambos os casos, foi utilizada a Lei de Segurança Nacional, criada em 1935 e amplamente utilizada durante a Ditadura Militar (1964-1985) como forma de instaurar censura aos meios de comunicação.

Entenda o caso da "rachadinha"

O esquema de rachadinha envolveria a contratação de servidores fantasmas no gabinete de Flávio Bolsonaro quando este era deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Em troca, os contratados devolveriam parte dos salários recebidos sem terem trabalhado. Não há consenso jurídico sobre a prática, mas ela poderia ser enquadrada como crimes de peculato, corrupção, concussão, organização criminosa, entre outros. 

O ex-policial Fabrício Queiroz é apontado como um dos operadores do esquema, recebendo os salários devolvidos e depositando em contas da família Bolsonaro, de quem é amigo há mais de 30 anos. Ele, a esposa Márcia Aguiar e uma filha eram contratados como servidores no gabinete de Flávio. Queiroz e Márcia estão em prisão domiciliar desde junho.

Além de Queiroz, pessoas próximas ao ex-policial também teriam participação no esquema, além de familiares de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-esposa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e a mãe e a esposa do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, que foi colega de Queiroz na polícia, morto em fevereiro na Bahia. Juntos, os servidores teriam sacado cerca de R$ 7,2 milhões em espécie no período em que trabalharam no gabinete.

Há indícios de que Flávio tenha lavado o dinheiro recebido da rachadinha com a venda de imóveis e através de uma loja de chocolates. O esquema imobiliário aconteceria pela compra de imóveis com valor declarado abaixo da quantia realmente paga, que seriam então vendidos com lucros fraudados. Na loja, produtos eram ofertados abaixo do preço habitual, mas as notas fiscais emitidas mostravam o valor cheio. Flávio Bolsonaro prestou depoimento em julho sobre a suposta lavagem de dinheiro.

Houve também depósitos em dinheiro em contas da família — somente Queiroz e Márcia enviaram R$ 89 mil a Michelle, atual esposa de Jair Bolsonaro. Questionado sobre os valores, o presidente ameaçou jornalistas e não respondeu às perguntas.