Opinião: Os votos no caso André Fernandes ou sobre o que faz um deputado
O deputado André Fernandes (Republicanos) foi suspenso nesta quinta-feira, 20, em um processo disciplinar na Câmara
20:00 | Ago. 20, 2020
Desde o momento em que o deputado José Sarto (PDT) deu início à sessão ordinária desta quinta-feira, 20, “sob a proteção de deus”, acompanhei atentamente o conjunto de discursos enunciados acerca do processo de punição ao deputado André Fernandes (Republicanos). Por isso é que, ao invés de escrever sobre a justificativa em si do processo, gostaria de me deter naquilo que ouvi de algumas excelências, palavras que dão mostras de uma certa incompreensão acerca daquilo que faz um parlamentar, um representante eleito pelo povo.
Seu colega de ideologia, o deputado Delegado Cavalcante (PSL), para quem André, em “um ano e três meses de apuração, se tinha alguma coisa, já pagou” pelo que fez; considerando a “idade”, a “inteligência” e o “coração bom” de Fernandes, compreendia ser o desejo de “resolver tudo”, o que o fazia exceder-se, mas já estaria tudo “resolvido”. O processo aberto, que faz parte do exercício parlamentar e é uma de suas prerrogativas, estaria impedindo o trabalho dos deputados, inclusive assuntos próprios da “pandemia” (sim, vejam só, um ferrenho bolsonarista vê problemas na pandemia). Lamentou, ao fim, que a decisão tenha sido “política”; mas, não deveria ser “política” a ação de sujeitos do campo “político”? “Alguns aqui não têm coragem de dar o perdão”, concluiu. Por pouco, pensei que estivesse vendo uma aula de catecismo!
André Fernandes, por sua vez, indagou o por quê de sua punição, já que “não se corrompeu”, “não roubou”, vendo no seu processo uma “redução” do parlamento. Lembrou a Nezinho que “se arrependeu”. Ocorre que não é só a corrupção ou só o roubo que maculam o exercício da representação política.
Silvana Pereira (PL), também lamentando o fato de a Casa não estar, neste dia, votando “projetos” para a população cearense, clamou “pela misericórdia” entre os deputados (pois a Bíblia, disse ela, está “acima da Constituição”). “Não julgueis”, disse ela, evocando um versículo bíblico; “perdoar acima de qualquer coisa”, disse ela dirigindo-se a Nezinho. Tratava-se, pois, de “perdão”, como se algo espiritual fosse, e não de uma responsabilização de sujeitos por seus atos. O “menino”, como ela se referiu várias vezes a André, merecia “perdão”, pois ele “já se reconciliou”, “tem temperamento forte”; assim, a Casa, de natureza política, não poderia fazer julgamento político! “Jamais um deputado pode julgar outro”, sugerindo até mesmo mudar o regimento! Que tal? “Não se pode olhar o cisco no olho do outro com uma trava no nosso”. Ao fim, recomendou voto do PL, “de forma profética”, “pelo perdão”, em nome da “paz na Casa”. Por sorte, o estabelecido Fernando Hugo (PP) lembrou que André “é um homem, não um menino”, que poderia defender-se por si mesmo sem “infantilismo”.
Alguém precisa lembrar à deputada que cabe a deputados investigar, processar e julgar deputados; são as regras institucionais! São as intermediações constitucionais.
Até Carlos Felipe (PCdoB), correligionário da relatora do processo e que pretendeu votar como “um juiz justo”, fez uso da linguagem da intimidade para analisar o desfecho do processo: caso André tivesse “se ajoelhado e pedido perdão” ao deputado Nezinho, ele votaria contra sua punição. Inacreditável! Bastaria uma “punição verbal e escrita” ao deputado, disse ele.
Soldado Noélio (PROS) também desqualificou a tramitação do processo em “tempos de pandemia”, quando a sociedade cearense estaria à espera de políticas para o combate às consequências socioeconômicas. Restava o deputado responder sobre o que ele mesmo, a Casa e Governo fizeram antes de hoje e farão depois de hoje, para amenizar tais consequências. Deputados não fazem uma coisa só.
Apostolo Luiz Henrique (PP), dirigindo-se ao “Andrezinho”, também clamou por “perdão” em vez de punição. Sua preocupação era mostra “misericórdia”. Aos deputados não caberia agir como “juízes”.
Assim, uma aparente incompreensão acerca das atribuições de um deputado (punir seus pares está entre elas), que prejudica a necessária separação entre espaço público e intimidade (inclusive em termos de linguagem) e a devida consideração pelas normas que regem a liturgia do cargo, deram a tônica em alguns dos discursos de defesa de André. A suposta “liberdade da palavra” foi lembrada muitas vezes, como se fosse isso o que estivesse sendo posto em questão; tratava-se, no entendimento da relatora e do conselho de ética, de denunciação caluniosa. Noélio falou de tempos em que “deputados com medo da palavra” que adviria a partir da votação. Nisso foi acompanhado por David Durand, para quem a “imunidade parlamentar” estaria sob ameaça.
Talvez seja essa a “nova política” que entra em cena, confundindo valores cívicos com aqueles que regem as crenças, ou que se rege pela rejeição de tudo o que é “político”; Silvana, ao fim, disse “lamentar o momento político” ali vivido; é isso, alguém do campo político lamenta viver “momento político”.
Mas o “menino”, de “coração bom”, que “perdoou”, em nome “da paz na Casa” anunciou que voltará “com tudo”, ainda mais “André” do que antes.
Seu companheiro ideológico terminou lançando desconfiança sobre Nezinho, sugerindo que este poderia ter produzido uma “cruzeta” para André. Virá outro processo daí?
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Dr. Emanuel Freitas da Silva
Professor Assistente de Teoria Política (UECE/FACEDI)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (UECE) e do Mestrado Profissional em Ensino de Sociologia (UFC)
Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UECE)
Pesquisador do LEPEM (Labortatório de Estudos de Processos Eleitorais e Mídia-UFC)