Bolsonaro e o Centrão: o histórico do bloco político capaz de sepultar aliados

Saiba como o bloco, formado pela maioria dos políticos da Câmara dos Deputados, se articula e pode até ser responsável pela deposição do presidente, que se aproximou dos parlamentares recentemente

22:43 | Jun. 12, 2020

Por: Gabriela Almeida
Com muitas lideranças, e mais parlamentares ainda, o Centrão não é um grupo coeso, mas é bastante amplo (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Ao longo dos últimos meses, o nome do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido vinculado com frequência na imprensa ao Centrão, grupo de partidos da Câmara dos Deputados que negocia apoio em troca de cargos e recursos. A vinculação reflete a aproximação do líder nacional com o bloco e revela um jogo político antigo no Brasil, que pode ser fundamental para o impeachment do presidente.

O Centrão é integrado pelos partidos PTB, PP, Solidariedade, PRB, PSD, MDB, PR, Podemos, Pros e Avante. Essas legendas sãos responsáveis por mais de 200 políticos dos 513 que compõem a Câmara dos Deputados e não declaram posicionamento ideológico, apoiando lideranças mediante ao ganho de cargos ou recursos. 

A “velha política”, do “toma lá da cá”, como é conhecido a prática de apoiar políticos ou projetos em troca de benefícios, faz com que o grupo tenha influência e assuma um peso político importante em relação a votação de medidas dentro da Casa, uma vez que o Centrão detém percentual relevante dos políticos da Câmara.

O termo "Centrão" começou a ser utilizado durante a Constituinte de 1988 e fazia alusão a um grupo de políticos que integravam partidos cuja identidade não se assemelhava a ideologias de esquerda ou de direita. De acordo com o cientista político Cleyton Montes, do Laboratório de Estudos Sobre Política Eleições e Mídia (Labem/UFC), o nome passou a se popularizar devido ao constante uso feito pela mídia, que destacava a grande influência do grupo.

O especialista considera que o Centrão ganhou força no País devido à ausência de diálogos políticos da população, que fez com que os brasileiros não se identificassem com partidos e não reconhecessem as legendas como sendo “mecanismos democráticos”, dando espaço para que interesses adversos dominem o cenário politico. “O Centrão é um reflexo da decadência da nossa própria política”, afirma o cientista.

O aceno de Bolsonaro ao grupo

Durante as eleições de 2018, Bolsonaro discursava contra a "velha política" e afirmava que, caso eleito, iria diminuir ao máximo o número de ministérios — chegou a prometer não chegar a 15. Isso tendo passado a maior parte da carreira política naquele que é o maior partido do Centrão, o PP.

Agora no governo e com a base minguada, a aproximação de Bolsonaro com o bloco é cada vez mais nítida, vindo por meio da distribuição de cargos e até mesmo da recriação de ministérios.

O mais recente agrado do presidente ao Centrão ocorreu nessa quarta-feira, 10, quando o capitão reformado anunciou o desmembramento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para recriar o Ministério das Comunicações. Como titular da pasta, Bolsonaro nomeou o deputado federal Fábio Faria (PSD-RN), genro do apresentador Silvio Santos e filiado a um partido que integra o Centrão. O agora ministro é também filho de Robinson Faria, ex-governador do Rio Grande do Norte. 

O gesto fez com que o governo Bolsonaro passasse a ter oficialmente 23 ministérios. Quando candidato, o então pesselista afirmava que teria no máximo 15 pastas durante o mandato.

Ao ser questionado quanto a chefia da pasta ter sido dado a um político do Centrão, o chefe nacional informou que nomeou Fabio devido ao “conhecimento que o deputado obteve junto à família do Silvio Santos”, com quem já demonstrou ter proximidade. Disse ainda nem saber qual o partido de Faria.

No início de maio deste ano, o presidente já havia reforçado a aproximação com o grupo ao nomear o advogado pernambucano Tiago Pontes Queiroz, ligado ao Partido dos Progressistas (PP) como secretário nacional de Mobilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional. Queiroz já ocupou um cargo no Ministério da Saúde durante o governo de Michel Temer e, no início de 2019, foi denunciado pelo Ministério Público por irregularidades em contratos da pasta.

Ele chegou ainda a trocar o presidente do Banco do Nordeste, nomeando Alexandre Borges Cabral, ligado a ao ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL), um dos principais nomes condenados no Escândalo do Mensalão, ainda no governo Lula. Entretanto, após a divulgação que Alexandre é investigado por suspeitas de irregularidades em contratações feitas pela Casa da Moeda durante sua gestão, em 2018, ele foi destituído. O prejuízo é calculado em R$ 2,2 bilhões.

O outro lado da barganha

Nesse jogo de barganha política, o benefício não fica apenas com os partidos. Bolsonaro começou a distribuir cargos ao Centrão após sofrer “sucessivas derrotas políticas” dentro da Câmara dos Deputados, em relação a medidas que sua base apoiadora tentava aprovar na Casa, presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ) — que tem bastante influência sobre os políticos "centristas".

Distribuir cargos ou recursos para o grupo de centro é, nesse contexto, uma forma de o presidente garantir apoio de grande parte dos políticos da Câmara e conseguir a aprovação de projetos, fortalecendo sua liderança. De acordo com o cientista político Cleyton Monte, a necessidade de reverter a situação negativa do governo foi um dos motivos pelo qual Bolsonaro passou a utilizar da "velha política" — como o próprio presidente chamava — para exercer seu mandato.

No entanto, Cleyton considera que o fator principal foi a possibilidade de impeachment que rondou o Palácio da Alvorada após mais de 24 pedidos de deposição do presidente terem sido protocoladas na Câmara dos Deputados. “Fazer aliança com o Centrão é uma forma de Bolsonaro se blindar”, afirma o cientista.

Essa proteção ocorreria devido a termos técnicos da Câmara que precisariam ser seguidos para que o impeachment ocorra. O presidente Rodrigo Maia teria de aceitar um dos pedidos protocolados na Casa — são várias opções e ele pode abrir um novo pedido caso outro seja rejeitado — e formar uma comissão de análise, que prepararia um relatório onde a denúncia pode ser admitida e, em seguida, passada para ser votada por deputados.

A distribuição de cargos e recursos permite que o presidente fortifique o vinculo com o Centrão, que representa parcela considerável do Congresso. Dessa maneira, a chances de o impeachment ocorrer diminuem, uma vez que tais parlamentares votariam contra a deposição do chefe do Executivo federal e, agora, “aliado”.

Seguro de estar blindado quanto a um possível impeachment, Bolsonaro já provoca opositores ao considerar abertamente sua reeleição em 2022. Em contrapartida, Rodrigo Maia evita falar sobre a abertura do processo e afirma que o momento é de focar em pautas acerca do combate do novo coronavírus no Brasil.

A queda de Dilma e o futuro de Bolsonaro

A segurança do presidente, no entanto, pode durar pouco tempo. Cleyton analisa o Centrão como “flexível” e voltado para interesses “momentâneos”, sendo o grupo um dos grandes responsáveis pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016. “Eles perceberam o desgaste do governo e se afastaram, retirando alianças e votando a favor do impeachment”, considerou o especialista.

Sobre o futuro de Bolsonaro, Cleyton analisa que a "velha política" estaria permitindo que o presidente “escape” de perder o comando do País, ainda que ele esteja sendo acusado de cometer mais crimes do que aqueles denunciados para justificar o pedido de impeachment de Dilma a época de sua deposição. Oficialmente, a petista foi deposta em decorrência de crime de responsabilidade, diante das "pedaladas fiscais" que o Planalto cometera. Extraoficialmente, pode-se dizer que os parlamentares do Centrão abandonaram a base, rumaram para a oposição porque acharam que seria melhor negociar com o vice dela, Michel Temer (PMDB).

Para que Bolsonaro seja deposto do governo é necessário, segundo o especialista, que o presidente passe por um processo parecido com o de Dilma. O capitão reformado, porém, tem em seu favor alguns fatores. “O presidente representa uma ideia, um movimento amplo difundido pelo País. Por isso, é necessário que o bolsonarismo se desgaste primeiro”, defende Cleyton.

Em seguida, seria preciso que a base opositora se aliasse ao vice, como alguns partidos fizeram com Michel Temer no caso Dilma. O especialista considera que o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, não tem força política para governar o País e que, por isso, não recebe apoio de opositores que desejam a queda do presidente. 

A "flexibilidade" dos partidos do Centrão, entretanto, não dá garantias de futuro a Bolsonaro como chefe do Executivo. Fazendo alusão a política bélica defendida pelo governo, o "toma lá da cá" é uma arma poderosa usada pelo presidente, mas que pode se voltar contra ele a qualquer momento — como ocorreu com Dilma e com Fernando Collor de Mello, décadas antes. Para apertar o gatilho, basta que o Centrão perceba os primeiros sinais de desgaste do "bolsonarismo" no País.