Se demitido, Mandetta vira ativo político do DEM, dizem especialistas

Tendência é de que troca na pasta propicie afrouxamento de regras de isolamento, o que, para estudiosos, fortalece narrativa de grupos bolsonaristas mais radicais, mas isola presidente perante demais setores da sociedade

Na iminência de deixar o Ministério da Saúde após sequência de divergências e atritos com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Luiz Henrique Mandetta consolida capital político e vira um ativo do Democratas (DEM), partido ao qual é filiado e pelo qual já exerceu mandato de deputado federal. É esta a visão de cientistas políticos consultados pelo O POVO na tarde desta quarta-feira, 15, antes da coletiva do até agora titular da pasta.

O ministro conseguiu boa avaliação na condução da crise de saúde pública, como mostrou pesquisa Datafolha do último dia 3. No levantamento, ele pontuou com 76% de aprovação, frente aos 33% do chefe do Executivo federal. Nesta quarta-feira, durante coletiva, o ainda ministro falou em tom de despedida e assumiu que ele e Bolsonaro têm visões diferentes sobre a condução da crise. O tensionamento político atingiu o ápice após entrevista exclusiva concedida pelo ministro ao Fantástico, da TV Globo, emissora com quem o presidente antagoniza.

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"É alguém que ganha também musculatura e capital político e, certamente, isso vai ser usado em termos eleitorais. Ter sido ministro do Bolsonaro, mas ter antagonizado com ele a partir das convicções que ele tem, torna ele uma figura proeminente no próximo cenário eleitoral. Se (é suficiente) para eleição presidencial, não sei, mas certamente ele terá uma rede de apoio e essa rede de apoio já está trabalhando no fortalecimento e na imagem política do atual ministro da Saúde", avalia o cientista político e sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando.

Após a saída de Mandetta, o Planalto deverá nomear para o comando da pasta nome mais alinhado ao discurso do presidente, que aponta, sobretudo, para a flexibilização das medidas de isolamento social ou mesmo o retorno à "normalidade". Segundo Prando, a troca no ministério deve agravar o isolamento político do presidente Bolsonaro, pois governadores e prefeitos poderão se sentir cada vez mais seguros para não atender orientações do novo titular da Saúde.

Ainda conforme Prando avalia, Mandetta funciona no Governo Federal como agente de estabilidade em meio ao "mar revolto" da pandemia do novo coronavírus, que se alastra pelo País. "Então, a demissão certamente trará enfraquecimento, em primeiro lugar, da política de isolamento social, preconizada pela Organização Mundial da Saúde, e tendo no ministro Mandetta um defensor dentro do Brasil." O nome do secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, é cotado para função. Corre com menos força a possibilidade de o deputado federal Osmar Terra (MDB) ser nomeado. Ele é ex-ministro da Cidadania.

Outro ponto levantado por Prando é de que a exoneração fortalece a narrativa dos estratos mais radicalizados da sociedade, que dão sustentação ao presidente, os chamados bolsonaristas. Nos últimos dias, nas redes sociais, incentivadores do mandatário levantaram hashtags como "#foramandetta", em razão do aumento dos desalinhos entre o médico e o capitão reformado. Guru político de Bolsonaro, Olavo de Carvalho foi um dos primeiros a atacar o ministro, que, na coletiva, chegou a cutucá-lo ao dizer que a crise não se resolve com "astrologia" — antiga área do hoje filósofo.

Magno Karl, também cientista político, afirma que a magnitude da pandemia faz com que a demissão de Mandetta possa ser tida como, até aqui, um dos movimentos mais decisivos do presidente desde que assumiu o mandato, em janeiro de 2019. Ele chama atenção para o processo de "fritagem" do ministro, como se chama no jargão político a geração sistemática de danos ao trabalho ou imagem de outra pessoa. "

"Por se tratar da pasta da Saúde num momento de pandemia, no momento em que as pessoas estão em quarentena, o comércio está fechado por uma crise específica da área da Saúde. É como se estivéssemos em dias de sucessivas quedas da bolsa (de valores) e ele demitisse o ministro Paulo Guedes (Economia)", compara o estudioso.

Já deixaram o Governo em meio a atritos os ex-ministros Gustavo Bebbiano, falecido neste ano em decorrência de um infarto, e o general Santos Cruz, ex-chefe da Secretaria de Governo da Presidência.

"Tenho impressão de que a gente está chegando num momento de depuração completa do apoio ao presidente Bolsonaro. Estamos chegando num momento em que aqueles apoiadores mais moderados, aqueles apoiadores ocasionais, apoiadores que não estão 100% comprados na agenda do bolsonarismo, já começam a ver o presidente com dúvidas, a apontar algum de seus exageros, já começam a repensar o apoio ao presidente. E isso se vê nas classes mais altas, classes onde Bolsonaro vem perdendo gradativamente apoio, mesmo que recupere parte deles junto às classes de menor rendimento".

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