Posicionamento de comandante do Exército gera embate; especialista diz não crer em novo golpe
Favoráveis à fala consideram que ela seja um incentivo à democracia. Contrários temem um golpe militar como o de 1964. O presidente Michel Temer disse que a democracia "é o melhor dos regimes"
14:50 | Abr. 04, 2018
[FOTO1]Às vésperas do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF), uma publicação no Twitter do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas repercutiu nas redes sociais e levou várias autoridades políticas a se manifestarem. Nesta semana, outros militares do Exército Brasileiro se manifestaram em redes sociais ou por meio de veículos de comunicação criticando o STF e chegando a sugerir a necessidade de uma intervenção militar. Declarações despertam rumores de uma possível volta da ditadura militar.
Na última terça-feira, 3, o general Eduardo Villas Bôas questionou no Twitter o comportamento das instituições do País. “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, escreveu.
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, completou em um segundo tweet. As publicações juntas somaram mais de 30 mil compartilhamentos. “Exército” e “Villas Boas” seguem entre os dez temas comentados no Twitter no Brasil.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, também na última terça-feira, 3, o general de exército da reserva Luiz Gonzaga Schroeder Lessa criticou o STF, dizendo que, caso Lula saia impune, o órgão estaria agindo como “indutor” da violência entre brasileiros. “Se acontecer tanta rasteira e mudança da lei, aí eu não tenho dúvida de que só resta o recurso à reação armada. Aí é dever da Força Armada restaurar a ordem. Mas não creio que chegaremos lá”, declarou. À Radio Bandeirantes, o mesmo afirmou que "vai ter derramamento de sangue, infelizmente é isso que a gente receia." E acrescentou que essa crise "vai ser resolvida na bala".
Para o professor de Ciência Política do Ibmec/MG Adriano Gianturco, apesar de as declarações serem “muito graves” no contexto político, não existe perigo para um golpe militar como o de 1964. “Não temos condições políticas para isso hoje, apesar de que tem parte da população que gostaria”, considera. “Era muito mais perigoso na Venezuela. Temos uma crise política, mas ditadura, por enquanto, não”, afirma.
Ele critica o extremismo político do País, tanto por parte de direita e esquerda. “Mesmo acreditando que o Lula deve ser preso, existe uma crise política que tem consequências a longo prazo. Se o Lula for preso porque o STF decidiu é uma coisa, se for por pressão dos militares é outra”, diz o professor.
Posicionamentos
Nas redes sociais e por meio de veículos de comunicação, deputados, senadores e governadores se manifestaram contra ou a favor das declarações dos militares. O presidente da República, Michel Temer, usou uma cerimônia no Palácio do Planalto para defender a Constituição, a liberdade de expressão, e a democracia, que, nas palavras dele, "é o melhor dos regimes".
"O que mais prejudica o País é desviar-se das determinações constitucionais, quando as pessoas começam a desviar-se das determinações constitucionais, quando as pessoas acham que podem criar o direito a partir da sua mente e não a partir daquilo que está escrito, seja literalmente ou sistematicamente, você começa a desorganizar a sociedade", afirmou, em uma crítica velada ao ministro do STF Luis Roberto Barroso, com quem o Planalto trava uma "guerra" por causa das últimas decisões do magistrado que atingiram diretamente o presidente.
Em nota, o Exército Brasileiro afirmou que as declarações de Luiz Gonzaga Schroeder Lessa correspondem à sua opinião pessoal. Com relação ao posicionamento de Villas Bôas, chefe do Estado Maior do Exército, general Fernando Azevedo e Silva, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo que a fala de Villas Bôas é a opinião da corporação. " Se o comandante do Exército se manifestou, essa é a opinião do Exército", disse.
O Ministério da Defesa se posicionou considerando a fala do comandante “uma mensagem de confiança e estímulo à concórdia”. “O comandante do Exército mantém a coerência e o equilíbrio demonstrados em toda sua gestão, reafirmando o compromisso da Força Terrestre com os preceitos constitucionais, sem jamais esquecer a origem de seus quadros que é o povo brasileiro. E manifesta sua preocupação com os valores e com o legado que queremos deixar para as futuras gerações”, divulgou, em nota.
A Anistia Internacional do Brasil publicou em sua página do Facebook uma nota pública se posicionando contra as declarações. “A sociedade brasileira precisa se posicionar a favor do estado democrático de direito, do devido processo legal e da garantia dos direitos humanos”, escreveu.
O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio, reproduziu o comentário do general Villas Boas no Twitter com um emoji de aplauso. Em seguida, escreveu: "Compartilho dos valores enunciados na mensagem referida (repúdio à impunidade, respeito à Constituição, à paz social e à Democracia)". "Contudo, não me pronuncio sobre as insinuações que dela derivaram", completou.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu que os órgãos do Estado devem se ater a suas respectivas funções. “Em momentos de turbulência, quando setores da sociedade se posicionam de diferentes formas, não se deve questionar o respeito à Constituição. Cada órgão do Estado deve seguir exercendo suas funções nos limites estabelecidos por ela. É hora de buscar a união do país com serenidade”.
Prefeito de São Paulo e pré-candidato ao governo paulista, João Dória (PSDB) defendeu o comandante. “O general Villas Bôas é homem de bem, equilibrado e patriota. Tem o meu respeito nas suas manifestações”, posicionou-se. O pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) apoiou em sua página do Twitter a declaração do militar “O partido do Exército é o Brasil. Homens e mulheres, de verde, servem à Pátria. Seu Comandante é um Soldado a serviço da Democracia e da Liberdade. Assim foi no passado e sempre será. Com orgulho”, escreveu.
A senadora e presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, defendeu o combate à impunidade e o respeito à Constituição. “Assim como afirma o general Villas Boas, o partido defende o combate à impunidade e o respeito à Constituição, inclusive no que diz respeito ao papel das Forças Armadas. E o respeito à Constituição implica na garantia da presunção de inocência”.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (AOB) se posicionou a partir de seu presidente, Claudio Lamachia, chamando a nação a “repudiar qualquer tentativa de retrocesso”. “Não existe solução para o país fora da Constituição e da democracia. Por isso, o respeito às decisões do STF, independentemente dos vencedores e dos vencidos, é condição para a existência do Estado de Direito. (...) Para os males da democracia, mais democracia. Não podemos repetir os erros do passado!”, informou em nota.