Brasileiro é pivô em denúncias de abusos em instituto alemão

00:04 | Mar. 14, 2025

Por: DW

Instituição de pesquisa de elite da Alemanha, Sociedade Max Planck seria palco de casos em série de assédio moral e discriminação contra jovens cientistas, sobretudo imigrantes e mulheres.Raramente havia uma reunião com o diretor que não fosse desestabilizadora. "Ele batia na mesa, gritava comigo a ponto de eu poder vê-lo cuspir", diz Gabriel Lando, físico computacional brasileiro e que cursou pós-doutorado no Instituto Max Planck de Física de Sistemas Complexos, em Dresden. Jan-Michael Rost, diretor de sistemas finitos do instituto, manteve por meses a postura agressiva com o jovem pós-doutorando. Lando descreve reuniões em que Rost o chamava de "autista" e "um zero à esquerda" ( "f****ng useless", foi a expressão em inglês, língua em que se comunicavam). "Acho que esses foram os piores momentos da minha vida", diz o pesquisador, que chegou ao instituto em 2020. "Levei mais de um ano para me curar disso, para parar de sonhar com isso." A experiência de Lando está longe de ser única. Investigação abrangente Durante meses, a unidade de investigação da DW, juntamente com a revista alemã Der Spiegel, analisou casos de comportamento abusivo e ambiente tóxico nos institutos Max Planck em toda a Alemanha. Entrevistamos mais de 30 cientistas, a maioria da Ásia, das Américas e de outras partes da Europa, atraídos com a promessa de realizar pesquisas de alto nível numa das organizações científicas mais renomadas do mundo. Mais da metade descreve ter vivenciado ou testemunhado má conduta de chefes, geralmente diretores, mas também de líderes de grupos. Os entrevistados reportam terem sido vítimas de comportamento agressivo por parte dos funcionários de cargos superiores, intimidação, insultos e ameaças, que ocorreram em pelo menos cinco institutos Max Planck. As mulheres, em particular, sentiram-se discriminadas em relação aos colegas homens. A DW e a Der Spiegel também analisaram relatórios detalhados enviados aos mecanismos de denúncia da Sociedade Max Planck, comunicações entre as vítimas e a equipe envolvida nos processos de denúncia e documentos confidenciais que corroboram os relatos. As descobertas apontam para uma falha sistêmica na responsabilização de funcionários abusivos ou de seus institutos. Assédio moral e sexismo A Sociedade Max Planck geralmente constrói seus institutos em torno de cientistas talentosos, que são livres para organizar suas pesquisas e instalações como quiserem, escolhendo os pesquisadores a dedo e orientando as descobertas científicas. Seu modelo está enraizado em um princípio revolucionário desenvolvido por Adolf von Harnack, um teólogo e patrono das ciências naturais que, em 1911, liderou o órgão precursor da Sociedade Max Planck. Harnack acreditava que a pesquisa poderia ser mais bem desenvolvida por meio de institutos centrados em cientistas individuais, que então buscariam suas descobertas sem restrições. O modelo foi bem-sucedido — a Sociedade Max Planck conta com 31 prêmios Nobel concedidos a seus cientistas. Embora a ideia de Harnack tenha permitido que a pesquisa florescesse, ela também oferece poder com pouca supervisão, o que às vezes deixa jovens cientistas, como doutorandos e pós-doutorandos, à mercê de seus diretores. Em 2019, uma pesquisa encomendada pela sociedade constatou que quase um em cada cinco entrevistados havia sofrido assédio moral nos institutos. Ela também constatou que os funcionários não alemães corriam um risco significativamente maior de sofrer bullying ou de serem alvo de comentários sexistas. Como resultado da pesquisa, a Sociedade Max Planck adotou várias medidas com o objetivo de criar um ambiente de trabalho mais equitativo e de melhorar a transparência e a responsabilização em seus institutos, incluindo a elaboração de um Código de Conduta. No entanto, os casos de abuso persistem. Aubrey, uma cientista que veio para a Alemanha para fazer seu doutorado em um instituto Max Planck no leste do país, diz que uma atmosfera permeada de sexismo se tornou a norma em seu grupo de pesquisa. Assim como muitos dos pesquisadores entrevistados, ela pediu que seu nome verdadeiro não fosse usado, por temer represálias. "Eu seria excluída das discussões sobre meu projeto", diz Aubrey. Ela lembra do medo que muitas vezes sentia de que seu trabalho não fosse creditado de forma justa – ela já tinha visto isso acontecer com outras mulheres. A DW corroborou seu relato ao encontrar casos semelhantes ao longo desta investigação. "Às vezes, outros reivindicavam meu trabalho como sendo deles, e descobri que esse tipo de comportamento de exagerar suas próprias contribuições e minimizar as contribuições dos outros era uma prática comum", diz Aubrey. "Era assim que as pessoas sobreviviam." O instituto se recusou a comentar sobre casos individuais sem mais detalhes, acrescentando que: "A gerência não recebeu nenhum relato" sobre comportamento sexista perpetrado por um diretor ou líder de grupo nos últimos cinco anos. A DW e a Der Spiegel encontraram casos de comportamento abusivo em outros institutos Max Planck. Conversamos com 20 pessoas que trabalharam no Instituto Max Planck para a Física de Sistemas Complexos, a maioria das quais afirma ter vivenciado, testemunhado ou estar ciente da má conduta perpetrada por Rost. A DW e a Der Spiegel também falaram com testemunhas e analisaram comunicações que se alinhavam com esses relatos. Elias, que veio para a Alemanha para trabalhar como pesquisador de doutorado no instituto e pediu que seu nome verdadeiro não fosse usado, diz que Rost ameaçava não renovar contratos de cientistas se eles não fizessem o que ele pedia. "Ele tinha influência sobre nós, que éramos de fora da Europa", diz Elias. "Precisávamos do contrato para nossa residência. Ele estava abusando de seu poder, ameaçando as pessoas para que não prorrogassem seus contratos." Confrontamos Rost com as alegações, e a Sociedade Max Planck respondeu em seu nome, dizendo: "O Sr. Rost não pode confirmar que fez as declarações" relatadas por Lando. A sociedade se recusou a comentar as denúncias anônimas. "Interesse zero" nas investigações Muitos dos jovens cientistas entrevistados dizem que não denunciaram a má conduta por medo das consequências. Alguns dizem que não sabiam que a denúncia de má conduta era sequer uma possibilidade. Todos os cientistas que tentaram denunciar descrevem os esforços para dissuadi-los. Vários dizem que foram avisados de que isso prejudicaria suas carreiras; outros tiveram a opção de aceitar as condições em seus institutos ou sair. Lando é um deles. Ele tentou denunciar o comportamento de Rost e chegou a entrar em contato com os advogados de confiança da Sociedade Max Planck – um escritório de advocacia externo contratado pela sociedade, um canal oficial para denunciar má conduta. No entanto, quando ele pediu anonimato, recebeu uma resposta contraditória. "Antes de mais nada, deixe-me dizer que todo o processo é confidencial e anônimo, desde que você não me instrua de outra forma", diz o e-mail. "Mas, para ser honesto, em um determinado momento, as pessoas envolvidas no conflito precisam ser nomeadas de uma forma ou de outra para possibilitar as investigações." Outros dizem que enfrentaram esforços mais evidentes para suprimir suas denúncias. Felix, um ex-pesquisador de doutorado em um instituto Max Planck no sul da Alemanha, que também pediu que seu nome verdadeiro não fosse usado, diz que enviou um relatório detalhado em 2022 para a Unidade de Investigações Internas, órgão criado como resultado da pesquisa de 2019 e encarregado de avaliar relatos e conduzir investigações preliminares. Em uma troca de e-mails analisada pela DW e pela Der Spiegel, Felix acabou sendo informado de que seu relatório seria encaminhado ao diretor administrativo de seu instituto. Dessa forma, informações confidenciais, como nomes das vítimas e detalhes da má conduta, ficariam ao acesso de pessoas em algum nível envolvidas. Quando Felix solicitou à unidade que não encaminhasse o relatório como estava, ele foi informado de que o processo de reclamação havia sido formalmente encerrado como resultado da solicitação. "Senti que não havia nenhum interesse em fazer uma investigação de fato", diz Felix. "Não quero aceitar que as pessoas sejam tratadas dessa forma e que, no futuro, jovens cientistas tenham que se deparar com uma situação semelhante à minha." A Sociedade Max Planck disse que não poderia comentar sobre os detalhes dos dois casos, mas afirmou: "Concedemos anonimato e confidencialidade a quem faz uma denúncia". Outros cientistas juniores que entraram em contato com a Unidade de Investigação Interna disseram que muitas de suas perguntas sobre o processo de denúncia não foram respondidas e que se sentiram desencorajados a continuar o processo. A DW e a Der Spiegel entraram em contato com a Sociedade Max Planck, solicitando dados sobre quantas denúncias de má conduta foram feitas e, dessas, quantas resultaram em investigações ou terminaram em ação disciplinar. A Sociedade Max Planck negou a solicitação, dizendo que esses dados não são públicos. A sociedade também informou por e-mail que "o anonimato (...) não impede que um relatório seja verificado quanto à validade. É de grande importância o tratamento confidencial da identidade dos denunciantes, inclusive em outros processos". Implicações danosas A Sociedade Max Planck carece de estruturas de supervisão eficazes, de acordo com um relatório publicado pelo Tribunal Federal de Contas da Alemanha em 2024. O relatório critica a sociedade, que recebe mais de 2 bilhões de euros (cerca de R$ 12,6 bilhões) anualmente de verba pública, dizendo que ela "não tem um órgão de supervisão adequado" e que "na verdade, o presidente supervisiona suas próprias ações". Thomas Sattelberger, ex-legislador e secretário parlamentar do Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha, trabalhou para mudar a questão por meio de investigações oficiais durante seu tempo no Bundestag, o Parlamento alemão. "Eles precisam de órgãos públicos de supervisão", diz Sattelberger. "E esses órgãos de supervisão também devem ser responsáveis por má conduta, como é comum em muitas outras áreas da sociedade." Sattelberger teme que, sem uma solução abrangente que reúna supervisão e responsabilidade, as consequências possam ser terríveis para a Alemanha. "Em nosso país, o padrão da ciência está sendo cada vez mais comprometido por esses escândalos", diz Sattelberger. "E já temos um grande problema com a saída de cientistas de alto nível do país." Lando é um deles – ele deixou a Alemanha em 2021 depois de recusar uma extensão de contrato no Instituto Max Planck de Física de Sistemas Complexos. Agora, ele continua sua pesquisa sobre caos quântico em um dos principais institutos científicos da Coreia do Sul. "Hoje em dia, com mais experiência, já trabalhei com pessoas que fazem ciência de forma agressiva, e não desgosto disso", diz Lando. "Acho que um ambiente agressivo, onde as pessoas lutam por suas ideias, pode ser bastante produtivo." Mas esse não era o caso de seu antigo supervisor do Max Planck, diz ele. "Ele não estava lutando contra a ciência", diz Lando. "Ele estava lutando contra a pessoa. Ele estava me humilhando." Autor: Lewis Sanders, Esther Felden