Conservadores vencem eleição alemã e encerram era Scholz

Conservadores vencem eleição alemã e encerram era Scholz

Autor DW Tipo Notícia

Sob a liderança de Friedrich Merz, União Democrata Cristã (CDU) vai voltar a formar maior bancada no Parlamento três anos após fim do governo Merkel, mas terá que negociar formação de coalizão para governar.Em meio a um cenário de crise econômica e tensões geopolíticas, os alemães foram às urnas neste domingo (23/02) em eleições legislativas para definir os novos membros do Parlamento (Bundestag). A contagem final aponta que a conservadora União Democrata Cristã (CDU) combinada com seu parceiro bávaro, a União Social Cristã (CSU), foi a legenda mais votada do pleito, com cerca de 28,5% dos votos de legenda, cacifando o líder dos conservadores, Friedrich Merz, a ocupar o posto de chanceler federal e substituir o impopular social-democrata Olaf Scholz na chefia do governo alemão. Apesar de ter superado o Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz, a CDU/CSU não assegurou maioria entre as 630 cadeiras no Bundestag. Assim, a legenda ainda terá que costurar alianças com outras siglas para solidificar a ascensão de Merz ao posto e garantir a formação de um governo estável, um processo que pode se arrastar por semanas. Até lá, Scholz deve permanecer no posto interinamente. Castigado por desaprovação recorde, o atual chanceler federal e o SPD obtiveram apenas 16,4% dos votos de legenda – opior resultado em mais de um século –, levando o partido a cair para a terceira posição entre as maiores bancadas do Bundestag, algo que também não era observado desde o fim do século 19. Com o resultado, Scholz vai se tornar o chanceler federal mais breve desde a reunificação do país, em 1990, tendo ficado menos de quatro anos no cargo. Já a segunda maior bancada passará a ser a da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que obteve 20,8% dos votos numa eleição dominada por questões como imigração, crise econômica e acusações de interferência externa. Com essa percentagem, a AfD dobrou seu eleitorado em relação ao último pleito, em 2021. O Partido Verde, parceiros de Scholz na atual coalizão de governo, sofreram um leve declínio, aparecendo com cerca de 11,6% dos votos. Eles foram seguidos pelo partido A Esquerda (Die Linke), com 8,8%, uma marca que reverteu o desgaste sofrido pela legenda nos últimos anos. Os resultados também apontam que o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) – cuja saída do governo, em novembro, levou à antecipação da eleição – ficou abaixo da cláusula de barreira de 5% e, por isso, ficará de fora do Bundestag. Após horas de suspense, o mesmo ocorreu por estreita margem com a nova legenda populista de esquerda Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), que conquistou 4,972% dos votos de legenda, ficando abaixo da cláusula de barreira por meros 13 mil votos. O fracasso da BSW em formar uma bancada deve ser encarado com alívio pelo bloco CDU/CSU de Merz, já que entrada da legenda teria pulverizado ainda mais o Bundestag, dificultando a formação de alianças. A participação eleitoral neste domingo foi de 82,5%, a mais alta desde a Reunificação. Eleição agora vai dar lugar à fase de negociações Os resultados apontam que so conservadores da CDU/CSU conseguiram recuperar terreno entre o eleitorado em relação ao pleito de 2021, quando foram superados pelo SPD. O bloco cresceu cinco pontos percentuais – o resultado, porém, é bem abaixo das marcas obtidas pela CDU/CSU sob a liderança da ex-chanceler Angela Merkel nos pleitos entre 2005 e 2017. Por enquanto, a governabilidade para os conservadores permanece uma incógnita. Para conseguir liderar um governo estável na Alemanha, um pretendente a chanceler federal precisa garantir mais de 50% dos assentos no Bundestag. Como nenhum partido obteve essa marca sozinho, vai entrar em cena a costura de alianças . Na Alemanha, os eleitores não votam diretamente nos candidatos a chanceler, mas em seus partidos e em candidatos a deputado pelas legendas. Normalmente, cabe à legenda que conquistar mais cadeiras no Bundestag, ou que tiver mais chances de liderar a costura de uma coalizão majoritária, encabeçar o governo – e consequentemente indicar o chanceler federal. Não é inédito que um aspirante conquiste a chancelaria sem que seu partido tenha terminado em primeiro lugar nas eleições. Isso já ocorreu em pleitos realizados na antiga Alemanha Ocidental em 1969, 1976 e 1980, quando partidos menos votados mostraram mais capacidade de formar coalizões. No entanto, tal cenário é considerado improvável, considerando o declínio acentuado do SPD e o isolamento da AfD. Como Merz e a CDU/CSU descartaram uma aliança com a AfD, Merz terá que cortejar os partidos que aparecem na terceira e quarta posições para garantir uma coalizão estável. Ou seja, os social-democratas e verdes, que governaram a Alemanha nos últimos três anos. O Partido Verde, porém, não tem o número de assentos necessário para a obtenção de uma maioria parlamentar ao lado da CDU/CSU, o que reduz as opções de Merz ao SPD. A ascensão de Merz Nascido em 1955 em Brilon, na antiga Alemanha Ocidental, Merz ingressou na CDU ainda na adolescência. Formado em Direito, ele chegou a atuar como juiz antes de se candidatar a cargos eletivos. Estreou como eurodeputado em 1989. Na década seguinte, foi eleito para o Parlamento alemão. Membro de um grupo rival interno ao da ex-chanceler Merkel na CDU, Merz acabou se afastando da política em 2009, passando a atuar no setor privado. Em 2018, com a aposentadoria de Merkel já no horizonte, voltou à política, tornando-se líder da CDU em 2021. No comando da legenda, Merz deu uma guinada à direita, afastando a CDU da rota centrista adotada por Merkel por quase duas décadas, o que levou a imprensa estrangeira a defini-lo como um conservador "anti-Merkel". Opositor da política de "boas-vindas" aos refugiados da sua predecessora, Merz passou a defender uma abordagem mais rígida contra a imigração. Também se mostrou crítico ao fechamento de usinas nucleares acertado por Merkel. Em alguns momentos, Merz foi acusado por rivais de se aproximar da ultradireita. Em janeiro, após um ataque a faca executado por um afegão que deixou dois mortos, Merz tentou aprovar no Bundestag, com apoio da AfD, um projeto para restringir a imigração. O gesto foi visto como uma rachadura significativa no "cordão sanitário", pacto dos partidos tradicionais para isolar politicamente a ultradireita, e provocou protestos nas ruas e críticas da ex-chanceler Merkel. Merz tentou minimizar o episódio reforçando que nunca pretende formar um governo com a AfD. Se ascender mesmo ao posto de chanceler federal, Merz será o terceiro membro da CDU a chefiar o governo alemão desde a reunificação do país, em 1990. Neste domingo, após o anúncio da boca de urna, Merz discursou para seus apoiadores, afirmando que se tratava de "uma noite de eleição histórica" para os conservadores da CDU/CSU. "Nós, o bloco da União, vencemos esta eleição", disse Merz. "Ganhamos porque a CDU e a CSU trabalharam muito bem juntas e se prepararam muito bem." Em seguida, Merz abordou as complicadas negociações para a formação de uma coalizão que já se anunciam. "O mundo não vai esperar por nós, não vai esperar por longas negociações de coalizão. Precisamos ser capazes de agir novamente com rapidez, para que possamos fazer a coisa certa na Alemanha, para que estejamos presentes novamente na Europa e para que o mundo veja: a Alemanha tem novamente um governo confiável", disse Merz. Social-democratas amargam derrota histórica Com 16,4% dos votos no pleito, o SPD de Scholz obteve uma das piores votações da sua história. Em comparação com 2021, foram quase dez pontos percentuais a menos. O resultado negativo só é comparável aos obtidos nos primeiros anos da legenda, entre os anos 1870 e 1880, durante o antigo Império Alemão. A última vez que o partido havia ficado abaixo da marca dos 20% foi no pleito de 1933, quando os nazistas já estavam no poder e a campanha foi marcada por intimidação. Com o resultado deste domingo, os social-democratas caíram para a terceira posição entre as bancadas no Parlamento. Novamente um resultado histórico: a última vez que a legenda não ocupou o primeiro ou segundo lugares ocorreu em 1887. Com seus dias contados como chanceler, Scholz também será o líder de governo menos longevo desde a Reunificação, em 1990. Scholz chegou ao poder em dezembro de 2021, na esteira de 16 anos de governo da ex-chanceler conservadora Angela Merkel, costurando uma inédita – pelo menos desde a Reunificação – tríplice coalizão para governar a Alemanha, formada pelo seu SPD, o Partido Verde e o FDP. No início de novembro, o FDP saiu ruidosamente do governo. Sem os liberais, Scholz se viu na posição de líder de um governo de minoria e acabou abrindo caminho para eleições antecipadas – inicialmente, o pleito estava marcado para setembro. Após a divulgação da boca de urna, neste domingo, Scholz falou de um "resultado eleitoral amargo". Agonia dos liberais e estagnação dos verdes O SPD de Scholz não foi o único partido da coalizão de governo a ser castigado pelo eleitorado. Membros remanescentes da coalizão de Scholz, os verdes sofreram uma leve redução entre o seu eleitorado, terminando a eleição com 11,6% dos votos – ante 14,8% em 2021. Numa campanha dominada pela economia e imigração, os verdes tiveram dificuldades para promover sua agenda ambiental. Já o Partido Liberal Democrático (FDP), parceiro do chanceler até a ruptura de novembro, obteve nesta eleição um dos piores resultados da sua história. Na contagem final, o partido apareceu com 4,3% dos votos de legenda, abaixo da cláusula de barreira de 5%. Com isso, o FDP vai ficar fora do Parlamento. Ultradireita dobra votação na eleição alemã Já a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) vai dobrar sua atual bancada de mais de 70 deputados no Parlamento e se tornar o segundo maior partido do Bundestag, apenas atrás da CDU/CSU. No entanto, esse aumento expressivo entre o eleitorado não deve se traduzir necessariamente em poder para a AfD, já que todos os partidos tradicionais já avisaram que não pretendem se aliar com a sigla para formar um novo governo. Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas. Nesta eleição federal, o partido indicou como candidata a chanceler uma das colíderes da legenda, a parlamentarAlice Weidel. Após a divulgação dos primeiros números neste domingo, Weidel celebrou o resultado. "Somos o único partido a dobrar em relação à última eleição – o dobro!", disse Weidel a apoiadores na sede do partido em Berlim. Nesta eleição, a AfD, redobrando seu discurso anti-imigração, especialmente após uma série de ataques cometidos por homens de origem estrangeira desde novembro nas cidades de Magdeburg, Aschaffenburg e Munique, também recebeu endossos externos durante a campanha por parte do bilionário sul-africano Elon Musk e do vice-presidente americano, J.D. Vance, o que levou rivais a acusarem interferência externa. Esquerda renasce das cinzas A eleição deste domingo também foi palco de um renascimento que parecia improvável há poucos meses. Ao conquistar 8,8% dos votos, o partido A Esquerda (Die Linke) se juntou ao clube de legendas que registrou crescimento, quase dobrando seu eleitorado. Formada em 2007 em parte por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental, A Esquerda por pouco não havia ficado de fora do Bundestag em 2021. Obtendo 4,9% dos votos, a legenda só não foi barrada pela cláusula de barreira de 5% porque conseguiu eleger três deputados por voto direto, o que compensou a votação magra. Em 2024, veio uma nova crise. Um grupo de dez deputados deixou a legenda para formar uma nova agremiação concorrente. Por um momento, parecia que A Esquerda caminhava para a irrelevância. No entanto, em janeiro, o quadro começou a mudar. A ajuda decisiva parece ter vindo de políticos mais jovens da legenda. Uma das sensações da campanha foi a parlamentar Heidi Reichinnek, de 36 anos, que amealhou meio milhão de seguidores no TikTok. Em janeiro, um de seus vídeos, com pesadas críticas ao conservador Merz, se tornou viral na Alemanha. No mesmo mês, o partido ganhou 20 mil novos filiados. Novo partido de esquerda "antiwoke" fracassa em primeira eleição O pleito deste domingo também marcou a estreia em eleições federais da Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), legenda populista de esquerda formada em 2024 pelos dissidentes de A Esquerda e que leva o nome da sua fundadora. No entanto, a noite não foi favorável para o partido de Wagenknecht, que por apenas 13 mil votos votos ficou abaixo da cláusula de barreira de 5%. Assim, a legenda não terá uma bancada no Bundestag. Antes de lançar a BSW no ano passado, Wagenknecht era uma figura proeminente da legenda A Esquerda, No entanto, Wagenknecht vivia às turras com seus antigos correligionários por causa da sua oposição à imigração irregular e ao "identitarismo". Ao estrear em 2024 nas eleições europeias e três pleitos estaduais na Alemanha, a BSW se apresentou para o eleitorado com uma agenda heterodoxa: esquerdista em assuntos econômicos, porém mais próxima da ultradireita em questões como imigração e diversidade. Analistas chegaram a apontar que a nova legenda poderia tomar quase todo o espaço do partido A Esquerda e pesquisas no final do ano passado de fatgo sugeriram isso. No entanto, conforme a campanha avançou, a BSW foi perdendo fôlego, e acabou sendo superada pela antiga agremiação de Wagenknecht. Autor: Jean-Philip Struck

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