A disputa sobre o galeão San José e outros tesouros submersos
00:04 | Dez. 26, 2024
A quem pertencem os tesouros dos naufrágios no fundo do mar? A questão é controversa, como mostra a disputa em torno do mais valioso naufrágio até hoje descoberto: o galeão espanhol San JoséO fundo do mar esconde inúmeros tesouros engolidos pelas águas. Durante séculos, cargas de navios que tiveram a infelicidade de naufragar ficaram inacessíveis. Arquivos de navegação e lendas atiçaram fantasias sobre essa riqueza submersa. À medida que a tecnologia gradualmente vem possibilitando esses achados, surgiu o dilema de seu destino: quem pode reivindicá-los? Eles pertencem ao descobridor? Ao estado em cujas águas costeiras o naufrágio se encontra? Ao país da bandeira do navio? Ou às pessoas de quem a carga preciosa que ele contém foi saqueada? Esse é o dilema do galeão espanhol San José, considerado o maior tesouro naufragado do mundo – afundou em águas colombianas há mais de 300 anos, contém ouro saqueado de povos indígenas e foi localizado por empresas de caça ao tesouro. Uma delas, a Sea Search Armada, processou o Estado colombiano perante a Corte Permanente de Arbitragem, argumentando que foi ele quem deu a posição e as coordenadas do galeão, em 1982. "Política, caçadores de tesouros e poderosos" Naquele ano, a Colômbia concedeu à Sea Search Armada os direitos sobre seu conteúdo, pelos quais a empresa agora reivindica 10 bilhões de dólares, o equivalente à metade do tesouro do San José. A empresa argumenta que nunca conseguiu prosseguir com a extração do tesouro por obstáculos impostos por governos colombianos posteriores. Em 2015, o governo de Juan Manuel Santos anunciou a localização dos destroços graças a uma empresa contratada. "A questão sempre se moveu entre a política, os caçadores de tesouros e os interesses de pessoas poderosas dentro e fora do país", disse à DW Juan Guillermo Martín, arqueólogo colombiano e professor da Universidad del Norte. Gustavo Petro instou seu governo a recuperar o tesouro de San José antes do fim de seu mandato em 2026, uma urgência que alarmou a comunidade científica. "No primeiro momento, Petro deu a ordem à Marinha Nacional para remover o conteúdo do galeão San José, ignorando as implicações técnicas de tal extração a uma profundidade de 600 metros. E ignorando um aspecto muito mais importante, que é o aspecto legal", enfatiza Juan Guillermo Martín, que considera ruim a gestão que o atual governo colombiano faz do San José, depois de investir cerca de 4 milhões de dólares. De acordo com o especialista colombiano, o que foi feito até agora pode ser resumido a uma classificação, por meio de vídeo, de pouco mais de mil artefatos. Ele critica que o vídeo mostra pessoas inexperientes avaliando "o que acontece com eles [artefatos] ao ar livre". Além disso, agora foi dito que o navio não afundou por causa de uma explosão, mas por causa de um reparo mal feito. Implicações legais "A diplomacia cultural necessária para lidar com um contexto arqueológico como esse deveria ter sido feita antes de qualquer outra coisa, acima de tudo garantindo a segurança jurídica do galeão San José e de seu conteúdo", diz Martín. A extração de qualquer objeto do naufrágio teria implicações legais importantes. Não só o processo da Sea Search Armada está em andamento, mas também o dos povos indígenas, como os Qhara Qhara, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que reivindicam o conteúdo do naufrágio para si, argumentando que ele foi saqueado pela colônia. Por outro lado, há a Espanha, proprietária de um navio de Estado, protegida pelo princípio da imunidade soberana, e que também se encontra em um contexto funerário, já que quase 600 tripulantes e passageiros morreram no acidente naval. "Antes de realizar qualquer atividade, a primeira coisa que precisa ser resolvida é a questão jurídica, pois há insegurança jurídica em várias frentes. Desde a Rede Universitária de Patrimônio Cultural Submerso, temos insistido que é necessário um projeto que envolva todas as partes e que sejam assinados acordos legais", afirma Martín. "Patrimônio coletivo" Os debates atuais sobre patrimônio submerso vão além da propriedade exclusiva. A Convenção da Unesco de 2001 tomou uma posição sobre a questão, argumentando que os destroços pertencem ao país cuja bandeira o navio está hasteando. Graças ao princípio da imunidade soberana, a Espanha obteve uma importante vitória legal na batalha pela propriedade de um tesouro de 500 milhões de dólares resgatado das águas do Atlântico pela empresa Odyssey na fragata "Nuestra Señora de las Mercedes". "O princípio de propriedade da Convenção da Unesco é muito parecido com o direito romano: isso é meu", disse Carlos Ausejo, especialista em patrimônio marítimo e subaquático, à DW do Peru. "Do meu ponto de vista, o Estado espanhol no século 17 inclui muitos países das Américas hoje. Consequentemente, esse patrimônio também é nosso, porque fazíamos parte de um Estado espanhol", sustenta Ausejo. As moedas feitas com ouro de uma região boliviana podem ter sido cunhadas em vários lugares diferentes do vice-reinado. "É um patrimônio compartilhado, e a Unesco também diz isso", diz Ausejo. "Há uma produção, uma construção humana desses materiais. E aí estou indo contra os Qhara Quhara, que dizem que o ouro é deles." Para Ausejo, a perspectiva que deveria prevalecer é de que o valor dos tesouros submersos não é econômico, mas cultural. "Aceito que o navio seja espanhol, mas o conteúdo é uma mistura do patrimônio de todos aqueles que estiveram envolvidos de uma forma ou de outra na construção desses objetos, e não apenas as moedas. Todo o conhecimento que podemos aprender sobre como os navios eram construídos, como era a vida no navio. Esse patrimônio é coletivo." Autor: María Santacecilia