O que se sabe sobre atentado a mercado de Natal na Alemanha
Ainda há muita incerteza sobre o que motivou ação de suspeito que atropelou multidão na cidade de Magdeburg, matando ao menos cinco; homem se dizia ex-muçulmano e simpatizava com a sigla de ultradireita AfD.Após o ataque ao mercado de Natal em Magdeburg, que deixou ao menos cinco mortos e 200 feridos, muitas questões permanecem sem resposta, principalmente sobre o que motivou o suspeito a atropelar uma multidão. A quatro dias do Natal, a feira típica montada em uma praça da cidade estava cheia de famílias, que desfrutavam dos estandes de comidas e bebidas quentes e de artesanato. Pouco depois das 19h (15h de Brasília), o carro avançou cerca de 400 metros entre os corredores de barracas de madeira, como é possível ver nos vídeos gravados por celular compartilhados logo após a tragédia. A ação durou cerca de 3 minutos. Por enquanto, a polícia trabalha com a tese de que o suspeito cometeu o crime por insatisfação com o tratamento dado pela Alemanha a refugiados sauditas, segundo informou Horst Nopens, promotor responsável pelo caso. As autoridades acreditam que ele agiu sozinho. De acordo com a polícia de Magdeburg, as vítimas eram quatro mulheres com idades entre 45 e 75 anos e um menino de 9 anos. Há 200 pessoas feridas, incluindo 41 em estado grave. O suspeito foi apresentado a um juiz na noite de sábado. O Ministério Público o acusa de homicídios e tentativas de homicídio, e ele continuará sob custódia. Quem é o suspeito O suspeito do crime é um médico psiquiatra de 50 anos, da Arábia Saudita, que mora na Alemanha desde 2006. Ele vive e trabalha em Bernburg, cidade a 45 quilômetros de Magdeburg, ambas no estado da Saxônia-Anhalt. O local do crime fica aproximadamente 150 quilômetros a oeste de Berlim. Vídeos mostram como vários policiais o cercaram em uma parada de bonde nas proximidades do mercado de Natal. Ele se deitou no chão ao lado do veículo envolvido no crime, um BMW X5 preto tipo SUV, alugado e com placa de Munique, e depois foi levado embora. Em 2016, o suspeito teve um pedido de refúgio reconhecido. Em uma entrevista publicada pelo jornal Frankfurter Zeitung em 2019, ele afirma que foi ameaçado de morte por ter abandonado o islã como religião. Ele trabalhava desde 2020 no sistema prisional com pessoas que sofrem de dependência química. À emissora alemã MDR, a clínica psiquiátrica, uma instituição estadual, afirmou que ele estava afastado da função, por ter sido avaliado como inapto para o trabalho. Um vizinho do suposto agressor em Bernburg ouvido pela emissora descreveu o homem como muito "retraído", mas com comportamento "normal". A notícia de que o suspeito era um imigrante refugiado saudita gerou reações imediatas de grupos políticos radicais anti-imigração. Publicações nas redes sociais rapidamente classificaram o caso como um atentado de motivação terrorista, vinculando-o a medidas de acolhimento a refugiados, sobretudo sírios, adotada pela então chanceler Angela Merkel em 2015. O bilionário Elon Musk, que no começo do dia havia elogiado a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de ultradireita que promove discursos anti-imigração, compartilhou publicações na sua rede social X que associavam o ataque à imigração. Pouco depois do crime, mais informações sobre o perfil do suspeito vieram à tona: autodenominado "crítico do Islã", com falas a favor da AfD e restrições à imigração, o que contraria a hipótese de motivação islamista. Motivos do ataque Os investigadores examinam agora as razões pessoais, políticas ou psicológicas que poderiam ter levado o homem a cometer o crime. Segundo a publicação alemã Spiegel, ele nasceu na cidade saudita de Hufuf e veio para a Alemanha em 2006, inicialmente para treinamento profissional. Ele alega ter sido ameaçado de morte na Arábia Saudita por sua renúncia à fé islâmica, o que é crime passível de prisão e até pena de morte. Desde que teve o pedido de refúgio reconhecido, ele teria atuado ativamente para orientar pessoas em condições semelhantes a obter asilo. Em uma entrevista para a emissora britânica BBC, em 2019, o médico saudita aparece falando do serviço que criou para ajudar ex-muçulmanos a fugir de perseguição em seus países de origem, sobretudo no Golfo Pérsico. Ele alegou que 90% das pessoas que o procuravam eram mulheres entre 18 e 30 anos. Em entrevista ao jornal Frankfurter Rundschau, em 2019, ele disse que as mulheres da Arábia Saudita recorriam a ele em busca de proteção "porque foram violadas pelo seu tutor masculino". O sistema de asilo alemão, disse ele, era "um caminho para as mulheres alcançarem a liberdade". Nos últimos anos, seu discurso se radicalizou. Oito dias antes do ataque, ele publicou em sua conta no X uma entrevista que deu a um blog islamofóbico americano. Entre as teorias conspiratórias que compartilha, está a de que o Estado alemão tem conduzido uma "operação secreta" para "caçar e destruir vidas" de ex-muçulmanos sauditas em todo o mundo ao dar asilo a "jihadistas sírios". Além de simpatizar abertamente com a AfD, ele queria criar uma "academia para ex-muçulmanos" em cooperação com o partido, segundo o Spiegel. Em novembro, ele publicou em suas redes sociais quatro "exigências da oposição liberal saudita", sendo a primeira que a Alemanha "deve proteger suas fronteiras contra a migração ilegal". Ele afirma ainda que a política de fronteiras abertas era um plano da ex-chanceler alemã Angela Merkel para "islamizar a Europa". O tom paranoico de algumas de suas mensagens sugerem, segundo a imprensa alemã, que o homem sofreria de instabilidade psíquica. Diversas pessoas teriam procurado as autoridades alemãs para alertar sobre o conteúdo das postagens do suspeito, que até então não estava no radar das forças de segurança como islamista ou potencial ameaça à segurança pública. Segundo autoridades de Magbeburg, o suposto agressor teria ameaçado realizar um ato extremo em 2013, em discussão por telefone com a associação médica local. Na ocasião, ele fez referência ao atentado na Maratona de Boston, que matou 3 pessoas e deixou 264 feridas em 2013. Após a ameaça, investigadores revistaram sua casa, mas não encontraram evidência de preparação específica para o ataque. O suspeito também procurou no passado a DW. Em março de 2021, ele afirmou via Twitter que era espionado por sauditas e pela Arábia Saudita, e acusou as autoridades alemãs de não tomar providências e não levá-lo a sério. Em outubro de 2023, ele escreveu à DW que as autoridades alegaram que o caso dele não seria de interesse público. "[As autoridades] Permitem que um refugiado saudita esteja exposto a intimidação, vigilância e perseguição", escreveu. Muitas de suas alegações, porém, não puderam ser confirmadas pela DW. Em novembro e dezembro deste ano, o suspeito voltou a procurar a DW, com a promessa de oferecer provas. Depois disso, não houve mais contato. Houve falha na segurança? A segurança dos tradicionais mercados natalinos tem sido um tema importante desde 2016, quando um extremista islâmico tunisiano dirigiu um caminhão contra uma multidão de visitantes de um mercado em Berlim, deixando 13 mortos e dezenas de feridos. Uma cerimônia em memória aos oito anos da tragédia havia acontecido na noite anterior, no local do crime. A ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, havia dito em novembro que não via sinais de perigo para os mercados de Natal este ano, mas que era prudente ficar atento. Muitas dessas feiras contam com barreiras de proteção para evitar tragédias como a de 2016. No caso de Magdeburg, porém, a rota usada pelo agressor não estava protegida por barreira, segundo informou Ronni Krug, representante do município, em coletiva de imprensa neste sábado. A rota havia sido projetada para permitir que serviços de resgate chegassem à praça em caso de emergência. No entanto, as forças policiais estavam posicionadas enquanto o incidente ocorria na noite de sexta-feira, o que significa que a entrada não foi deixada desprotegida, defendeu Krug. Segundo ele, o esquema de segurança do mercado "se provou [eficiente] ao longo de muitos anos". Nos últimos meses, a Alemanha também viveu uma série de ataques a faca em que o suspeitos eram islâmicos. Três pessoas foram mortas e oito ficaram feridas durante um festival de rua na cidade de Solingen, no oeste do país, em agosto. A polícia prendeu um suspeito sírio, e o ataque foi reivindicado pelo "Estado Islâmico". Em junho, um policial foi morto em um ataque com faca em Mannheim, e um cidadão afegão foi considerado o principal suspeito. Nenhum dispositivo explosivo foi encontrado no veículo usado no crime, segundo informou a polícia. A área ao redor do carro foi isolada logo após o atentado. Alertas sobre o suspeito foram ignorados? A ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, prometeu neste domingo (22/12) que o país vai avaliar a atuação das autoridades alemãs, que descartaram os alertas emitidos sobre o suspeito antes do atentado. De acordo com a revista alemã Der Spiegel, o serviço secreto saudita havia alertado seus colegas alemães sobre o suposto agressor em várias ocasiões. Apesar disso, o jornal Die Welt apurou que uma avaliação de risco feita pela polícia estadual e federal alemã no ano passado concluiu que o suspeito não representava "nenhum perigo específico". A ministra também reconheceu que o homem já havia chamado a atenção da polícia e de órgãos governamentais no passado. Agora, a pasta de Faeser sofre pressão para indicar se o atentado em Magdeburg poderia ter sido evitado caso os alertas tivessem sido tratados de forma diferente. O governo também tem sido questionado pelo fato de o suspeito ter feito publicações ameaçadoras nas redes sociais, que poderiam indicar sua capacidade de realizar o crime. Os posts, agora excluídos, incluíam declarações de que ele esperava morrer em 2024, que ameaçava matar 20 alemães e que achava que o governo alemão estava tentando tornar a Europa mais islâmica. Reações e próximos passos Um serviço memorial aconteceu na Catedral de Magdeburg neste sábado. O chanceler alemão Olaf Scholz esteve presente. Na ocasião, centenas de pessoasse reuniram para prestar homenagens às vítimas. Extremistas de direita também protestaram nas ruas de Magdeburg, usando slogans anti-imigração. De acordo com funcionários do governo, Scholz avaliará a situação e discutirá as medidas necessárias para as investigações e medidas de segurança. A Arábia Saudita condenou o atentado em Magdeburg e expressou a sua solidariedade com a Alemanha. O governo de Riade expressou "sua solidariedade com o povo alemão e as famílias das vítimas" e reiterou a sua "rejeição à violência", afirmou o Ministério das Relações Exteriores saudita, no X. Em toda a Alemanha, estados reforçaram os esquema de segurança nos mercados de Natal, que continuarão abertos até o final do ano. Autor: Sofia Fernandes
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