O silêncio de Pyongyang sobre a crise na Coreia do Sul
Durante uma semana, governo norte-coreano se manteve calado sobre lei marcial e protestos contra o presidente do país vizinho. Especialistas analisam possíveis motivos para silêncio atípico.Na semana seguinte ao intempestivo anúncio do presidente Yoon Suk Yeol de lei marcial na Coreia do Sul, Pyongyang se manteve atipicamente silencioso. Yoon Suk explicara que a medida era necessária devido a forças "anti-Estado" e "comunistas norte-coreanas" nos quadros da oposição nacional. Normalmente a máquina de propaganda estatal do Norte se precipita sobre qualquer indício de dissenção pública na nação irmã, como uma prova da corrupção e incompetência que degrada seu sistema democrático e seus líderes. Entre a declaração do presidente, na noite de 3 de dezembro, e esta terça-feira (10/12), contudo, o Norte ignorou a oportunidade de zombar do rival ideológico e enfatizar a superioridade de seu próprio modelo de socialismo. Em vez disso, a agência de notícias estatal KCNA concentrou-se em questões domésticas mais mundanas, como a inauguração de uma fábrica de condimentos e a participação de um grupo jovem numa "reunião de juramento". Alguns observadores sugeriram que Pyongyang teria optado por não mostrar imagens da população sul-coreana protestando em massa contra o governo para não encorajar seus próprios cidadãos insatisfeitos a tentarem algo semelhante. Outros creem que os distúrbios no Sul despertaram no Norte o temor de que o governo de Seul, sob pressão, tentasse desviar a atenção pública, provocando um incidente de segurança entre os dois Estados. Por isso, Pyongyang teria concentrado suas energias em se preparar para algum tipo de confrontação. Fim do princípio de "um só povo coreano"? Ainda outra teoria remonta ao anúncio norte-coreano, no fim de 2023, de que alteraria sua Constituição para refletir o status do Sul como "Estado beligerante", sendo agora as relações bilaterais "entre dois Estados hostis". Trata-se de um afastamento radical do paradigma de que as duas Coreias sejam um só povo homogêneo que um dia será reunificado. O professor de História e Relações Internacionais Andrei Lankov, da Universidade Kookmin, de Seul, enfatiza que "quase todo fim de semana, desde que Yoon está no poder, tem havido grandes manifestações contra seu governo" na capital. "E toda vez que houve uma passeata, a mídia norte-coreana noticiou. Acho que, se não foi o caso depois da declaração de lei marcial, é em parte porque o Norte queria ver o que ia acontecer." "Mas também houve uma redução gradual do volume de cobertura que o Norte fornece a seu povo na mídia estatal, porque não quer focalizar sua atenção no Sul, quer posicioná-lo como 'apenas mais um país'", avalia Lankov. Goo Gap-woo, professor de Diplomacia da Universidade de Estudos Norte-Coreanos, em Seul, concorda que Pyongyang esteja perseguindo ativamente uma política de se distanciar de qualquer tipo de contato com o vizinho: "Só posso pensar que essa é mais prova de que eles não querem ter mais nada a ver com o Sul, depois da declaração de Kim Jong-un das 'duas Coreias', no ano passado." "Acima de tudo, acho que eles não querem se envolver em nenhum conflito na Península Coreana", reforça Goo: o risco militar pode ser elevado demais, diante da quantidade de munição e soldados com que a Coreia do Norte enviou para a Ucrânia para lutar no lado da Rússia na guerra. Pyongyang finalmente rompe seu silêncio No fim das contas, entretanto, o Norte aparentemente reconheceu que não podia permanecer calado: nesta quarta-feira, em seu usual tom de provocação, a KCNA noticiou sobre os eventos no Sul. "O chocante incidente do regime do fantoche Yoon Suk-yeol [...], súbito declarando lei marcial e, sem hesitar, brandindo os fuzis e facas de sua ditadura fascista, provocou caos por toda a Coreia do Sul." A matéria descreveu os militares sul-coreanos como "organização de gângsters", tachando as ações de Yoon como "um desastre", e afirmando que a população exigiria seu impeachment e punição imediatos. A reportagem foi acompanhada por cerca de 20 fotos, embora nenhuma mostrasse civis resistindo aos militares diante do Parlamento em Seul. Autor: Julian Ryall
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