Num mundo sem apps, como é que os amish namoram?

00:00 | Dez. 04, 2024

Por: DW

Aplicativos de namoro são o motor da vida amorosa nos EUA. Mas a congregação religiosa dos amish rejeita recursos modernos como internet ou eletricidade. Um passeio pela Pensilvânia é como uma verdadeira viagem no tempo.Vastos campos com celeiros, e longos varais de roupa diante das fazendas marcam a paisagem dos amish. As muitas carroças puxadas a cavalo pelas ruas completam a sensação de que se foi transportada para tempos remotos. Em geral, conquistas da modernidade como automóveis ou a internet não são permitidas no mundo desse grupo religioso cristão. E, portanto, tampouco os aplicativos de namoro online que dominam a busca de parceiros nos Estados Unidos. Então, como é que seus membros conseguem se encontrar? Para descobrir, nós, "the English" – que é como eles designam todos os não amish – viajamos até Lancaster County, no estado da Pensilvânia, onde se encontra o maior assentamento da congregação da América do Norte, com 43.600 integrantes. Esse ramo do protestantismo anabatista aposta em humildade e senso de comunidade, e segue uma interpretação rigorosa da Bíblia. Perseguido nos séculos 17 e 18 por suas crenças, grande parte do grupo originado na Suíça, Alsácia e Sul da Alemanha se refugiou nos EUA e Canadá. A Pensilvânia, no nordeste americano, oferecia condições ideais para a forma de vida basicamente agrícola dos amish. Casamentos são grande evento de outono Nossas primeiras paradas são as fazendas e lojas de quilt amish, onde logo encontramos com quem conversar. Ao nos escutar falando alemão, muitos nos perguntam de onde vimos. Eles próprios falam Pennsilfaanisch Deitsch, uma mistura de inglês e alemão. Os meses de outono, de meados de outubro até março, são temporada de casamento para os amish. Não é por acaso: concluída a colheita, há mais tempo para festividades elaboradas. Além disso, as temperaturas mais baixas permitem preservar melhor os muitos pratos a serem servidos – sem precisar de refrigeração elétrica. A idade média de matrimônio se deslocou com o passar dos tempos: "A maioria não casa mais na adolescência, como eu, na minha época, mas sim aos 20 e poucos anos", comenta a lavradora Martha. Um casamento é um grande evento, comenta uma jovem que trabalha como garçonete num restaurante: "As famílias festejam em casa e recebem de 300 a 500 convidados. A festa dura o dia todo, e são servidas três refeições." O menu tradicional é carne de frango com recheio de pão caseiro, purê de batata, creme de aipo e salada de repolho fresco. Entre uma refeição e outra, os convidados entoam canções religiosas do Ausbund, o mais antigo hinário anabatista. "A minha irmã mais nova se casa em outubro do ano que vem", conta a jovem. Ela está com seu parceiro há dois anos, com interrupções breves. Isso é permitido e não é pecado, porém o divórcio é punido com excomunhão. Sexo pré-conjugal é desaprovado, em caso de gravidez é preciso casar logo para poder permanecer na congregação. Encontros no escuro, Rumspringa Nas redes sociais, ex-membros da congregação contam como é o namoro amish: um grupo de amigos vai à noite, de carroça, até a casa da moça, como representante do pretendente, e pergunta se ela tem interesse. Caso positivo, o jovem pode entrar no quarto dela. "Eles ficam deitados na cama, sexo não é permitido. Eles conversam, mas em algum momento o rapaz toma a iniciativa, coloca os braços em torno dela. Aí eles se embalam um pouco para lá e para cá", conta Lizzie num vídeo do TikTok. "A regra é se embalar três vezes, aí beijar. E depois eles se soltam e continuam conversando." Lizzie pertencia a um dos subgrupos mais conservadores, o Swartzentruber. Já Susan, que encontramos numa loja de artesanato, narra um outro ritual: é que aqui, em Lancaster County, quase todos são da Old Order Amish, e os costumes amish variam fortemente, dependendo do grupo, do bispo e das regras familiares. "Assim que a gente faz 16 anos, passa a frequentar o grupo jovem aos domingos, onde se cantam hinos bíblicos e se joga vôlei." É nesses encontros – e não no escuro – que as moças e rapazes se encontram e se conhecem. O primeiro contato parte dos meninos, e "os casais também podem aparecer juntos em público e se visitar mutuamente". Essa fase, em que os adolescentes se distanciam mais dos pais e experimentam o mundo, é chamada "Rumspringa" – algo como "saltitar por aí". Ela termina com o batismo, em geral entre os 18 e os 22 anos. Uma característica essencial do anabatismo é rejeitar o ingresso na fé na infância, adiando-o até a idade adulta, para que seja consciente. "Para alguns, essa época pode resultar em comportamento divergente: ir a uma festa no sábado à noite, onde se serve muito álcool", explica Steven Nolt, diretor do Centro Jovem de Estudos Anabatistas e Pietistas do Elizabethtown College. "Mas essa não é necessariamente a regra." Embora em sua cultura a tradição tenha um alto valor, também entre os amish o tempo não passou sem deixar marcas: aqui e ali se veem painéis solares diante das fazendas. Sinal de uma transformação gradativa? Talvez a vida dos Old Order Amish seja, afinal, um tanto mais liberal do que se supõe. Segundo Nolt, a quota de dissidência é de apenas 10% a 15%. Então pode ser que a vida simples, em meio aos tempos modernos, realmente continue tendo os seus encantos. Autor: Annika Sost, Laura Kabelka