Entenda o que está acontecendo na Síria após rebeldes tomarem a cidade de Aleppo

É a primeira ofensiva desde 2020 dos rebeldes que tentam derrubar o regime sírio de Bashad Al-Assad

12:14 | Dez. 03, 2024

Por: Wilnan Custódio
Combatentes antigovernamentais passam por equipamentos e veículos militares abandonados do exército sírio, ao chegarem à cidade de al-Safirah, a sudeste da cidade síria de Aleppo, em 3 de dezembro de 2024. Em 27 de novembro, a aliança islâmica Hayat Tahrir al-Sham (HTS) liderou um grande ofensiva que arrebatou a segunda cidade da Síria, Aleppo, e dezenas de cidades e aldeias do controlo governamental, após anos de ganhos do regime em sucessivas campanhas militares apoiadas pela Rússia (foto: Aref TAMMAWI / AFP)

Após mais de uma década, a guerra civil volta a ficar intensa com a ofensiva surpresa de grupos rebeldes ao governo de Bashad Al-Assad. O grupo tomou Aleppo, a segunda maior cidade do País. Localizada a 358 km ao norte da capital, Damasco, Aleppo tem uma população de mais de 2 milhões de pessoas e tem sido palco de intensas batalhas entre os militares de Assad e os rebeldes.

Após a conquista dos rebeldes, as forças aéreas sírias e também da Rússia têm realizado bombardeios intensos contra as posições dos rebeldes. Além de Aleppo, a província de Idlib também está sob domínio de grupos rebeldes.

Esta é a segunda vez que a cidade cai nas mão de rebeldes. Em 2016, o exército regular sírio conseguiu expulsar as tropas rebeldes com apoio da força aérea russa. Essa é a primeira ofensiva dos rebeldes desde março de 2020, e coincide com o envolvimento maior dos principais aliados do regime Assad, Rússia e o Irã, em outros conflitos, na Ucrânia e na região da Palestina.

De acordo com informações da Agência Brasil, a mídia síria informou que os rebeldes impuseram um toque de recolher em Aleppo, informando também que o exército do país havia se reagrupado na Zona rural ao norte da cidade de Hama, que fica ao sul de Aleppo.

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“Os aviões de guerra conjuntos sírio-russos estão intensificando os ataques aéreos nos locais, quartéis-generais, depósitos de armas e munições dos terroristas, deixando dezenas de baixas e mortes entre os terroristas”, informou uma fonte militar síria à agência de notícias oficial do país, a Sana.
Segundo o regime, Assad afirmou que é capaz de eliminar os as forças rebeldes com ajuda dos seus aliados, (leia-se a Rússia e o Irã). “O terrorismo só entende a linguagem da força, e é a linguagem com a qual iremos quebrá-lo e eliminá-lo, independentemente dos seus apoiantes e patrocinadores. Eles não representam nem as pessoas nem as instituições, representam apenas as agências que os operam e os apoiam”, declarou.

Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, o ataque dos rebeldes ao governo sírio começou na última quarta-feira, 27, e estima-se que já causou a morte de mais de 300 pessoas. A ONG ainda relata novos deslocamentos em massa de civis após a tomada da cidade.

Contextualizando o conflito

O regime de Assad enfrenta rebeldes radicais há mais de 13 anos, em um conflito que já causou a morte de meio milhão de pessoas e causou a fuga de 6,3 milhões, principalmente para Europa. A guerra civil no país começou em 2011, no auge da Primavera Árabe, quando populações árabes protestavam contra ditadores.

Inicialmente pacíficos, os protestos contra Assad foram reprimidos de forma brutal pelo regime, dando início a confrontos pesados e por consequência a guerra civil. No início do conflito, os Estados Unidos apoiaram os rebeldes, enquanto Rússia, China e Irã apoiaram o governo sírio, sendo o apoio russo e iraniano um apoio militar direto.

Atualmente, os Estados Unidos mantêm 900 soldados no nordeste da síria, para combater o possível ressurgimento do Estado Islâmico. Além destes, a Turquia também mantém tropas no país.

Entretanto, é de interesse comum dos Estados Unidos, Rússia, China, do Irã e até mesmo da comunidade internacional evitar que a nova fase do conflito possa ressurgir o grupo jihadista Estado Islâmico, responsável por ações terroristas em vários países e que ainda tem células espalhadas pela Síria e Iraque, apesar de não controlar nenhum território. Isso vai de encontro até mesmo com a posição dos Estados Unidos. 

"Queremos que todos os países usem sua influência para pressionar por uma desescalada, pela proteção dos civis e, em última instância, por um processo político mais adiante", disse aos jornalistas o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller.

A Síria no tabuleiro geopolítico do Oriente Médio

Um dos fatores fundamentais para entender o ataque surpresa dos rebeldes é saber que a atuação da Rússia, do Irã e da milícia armada libanesa Hezbollah era o que vinha permitindo a manutenção de Assad no poder, e sustentando sua autoridade sob 70% do território do país. Com o envolvimento destes atores externos em outros conflitos, a posição do regime sírio fica ameaçada.

Com Rússia drenando suas forças e recursos militares para Ucrânia, o país passou a ter menos espaço para atuação na Síria, o que atrapalha o “compromisso” russo com a defesa do regime. Assad tem pedido o apoio russo, mas Putin tem suas prioridades voltadas para a guerra que iniciou em solo europeu.

Outro Estado importante nesse tabuleiro é o Irã: a república islâmica também é um dos sustentáculos do regime sírio. O regime xiita dos Aiatolás é considerado um inimigo por grupos radicais sunitas, entre eles o Hayat Tahrir al-Sham, conhecido por suas iniciais HTS, e também considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos.

Com a eclosão da guerra entre Israel e o Hamas, o Irã passou a voltar suas atenções ainda mais para o que acontece na Faixa de Gaza, e também no Líbano, onde recentemente o estado judeu vem realizando duros ataques ao grupo Hezbollah, que também é financiado pelo Irã.

Dessa forma, a república islâmica perde ainda mais espaço de manobra na Síria, uma vez que precisa financiar o Hamas e o Hezbollah a resistir aos ataques de Israel, ao mesmo tempo que precisa ceder à Rússia milhares de drones os quais são utilizados para atacar a Ucrânia.

A revigoração da guerra civil síria levanta temores da intensificação ainda maior de conflitos no Oriente Médio, em um momento em que o mundo já atravessa diversos conflitos simultâneos, no Sudão, na Ucrânia, na Faixa de Gaza e no Líbano.

A religião e a política

Entre os grupos fundamentalistas que lutam contra o governo sírio, o grupo islâmico fundamentalista Hayat Thrir al-Sham (HTS), fundado no mesmo ano dos protestos contra o regime de Assad, nasceu como um grupo ligado à Al Qaeda de Osama Bin Laden, e tem um ideologia jihadista sunita, defendendo “guerra santa”, para instauração do regime da Sharia, a lei islâmica. Mesmo ditatorial, o regime de Assad mantém distância do islamismo, fazendo separação entre o governo e a religião.

Segundo Rashmi Singh, professora de pós-graduação em Relações Internacionais da PUC de Minas Gerais, o grupo se fortaleceu novamente com o enfraquecimento do grupo libanês Hezbollah, que vem sofrendo duros ataques de Israel.

“O Hezbollah ficou enfraquecido depois que Israel entrou no Líbano. Vimos também ataques de Israel contra vários líderes militares iranianos na Síria. Isso forma uma grande parte da decisão dos grupos como Hayat para entrar de novo em uma luta pela cidade do Aleppo”, comentou.